Juliana Mello Vieira
Advogada, Mestre em
Ciências Juridico-Civilisticas pela
Universidade de Coimbra
*publicado originalmente no
Boletim Jurídico N.º 10, em 19/12/2008
O Compromisso de
ajustamento de conduta, instituto de caráter conciliatório amplamente difundido
na prática administrativa atual, adotado para fins de composição e tutela de
interesses metaindividuais, faz parte da história recente do direito
brasileiro. Sua introdução no Ordenamento Jurídico pátrio teve lugar há menos
de duas décadas, em meio ao ambiente de redemocratização que envolveu a
promulgação da Constituição Federal de 1988.
O marco legal do Compromisso
é o Código de Defesa do Consumidor de 1990 (lei ordinária federal 8.078/90)
que, ao tratar das ações de interesse metaindividual, difuso ou coletivo, de
caráter consumerista, estendeu sua normatização às demais ações coletivas, já
desde 1985 tratadas pela lei de ação civil pública (lei ordinária federal n.
7.347/85). Instituiu-se a partir de então uma sistemática jurídico-processual
das ações coletivas, que, logo após, veio a ser complementada por previsões
normativas em outras áreas do direito de interesse metaindividual, como ocorreu
no direito ambiental (vide lei de crimes ambientais – lei 9.605/98), na
regulamentação do sistema financeiro (lei 8.884/94), bem como na área da Saúde.
Uma das principais
inovações trazidas pelo código consumerista à sistemática jurídico-processual
dos direitos metaindividuais foi justamente o compromisso de ajustamento de
conduta, que passou a estar legalmente abrigado no artigo 5º, parágrafo 6º, da
lei de ação pública, in verbis: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar
dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências
legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo
extrajudicial”. Sendo órgãos públicos legitimados a celebrar o TAC não apenas o
Ministério Público, mas também a Defensoria Pública, e outros órgãos públicos
da União, Estado ou Município que atuem na área específica de atenção.
O Compromisso pode ser
definido como um instrumento de caráter preventivo, adotado em âmbito de
investigação de infração administrativa ou cível a direitos metaindividuais, o
qual, por meio da conciliação entre a empresa investigada e o órgão público de
controle, objetiva a adequação voluntária da atividade empresarial às
exigências legais de proteção aos aludidos direitos.
No tocante às cláusulas,
limites e parâmetros do ajustamento, contudo, a lei federal silencia, deixando
à norma complementar tal função.
O decreto federal 2.181,
de 20.03.1997, norma complementar ao Código de Defesa do Consumidor, ao
estabelecer as diretrizes do Sistema Nacional de Proteção ao Consumidor, veio
regulamentar, entre outros institutos aplicados à proteção do consumidor, o Termo
de Ajustamento de Conduta. Dispõe o aludido decreto, em seu artigo 6º, que: “As
entidades e órgãos da Administração Pública destinados à defesa dos interesses
e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor poderão celebrar
compromissos de ajustamento de conduta às exigências legais.
No tocante às cláusulas em
espécie do TAC, dispõe o decreto, in verbis:
“O compromisso de ajustamento conterá, entre outras, cláusulas que estipulem condições sobre:I - obrigação do fornecedor de adequar sua conduta às exigências legais, no prazo ajustado;II - pena pecuniária, diária, pelo descumprimento do ajustado, levando-se em conta os seguintes critérios:a) o valor global da operação investigada;b) o valor do produto ou serviço em questão;c) os antecedentes do infrator;d) a situação econômica do infrator;III - ressarcimento das despesas de investigação da infração e instrução do procedimento administrativo.”
Verifica-se que o Decreto,
seguindo a orientação do Código de Defesa do Consumidor, estabelece como fim
último da celebração do Compromisso a adequação da empresa investigada às
exigências legais, estabelecendo obrigações de fazer ou não fazer, para melhor
atender a função preventiva do ajuste.
Não se trata, portanto, de
imputar sanções, mas estabelecer cláusulas de compromisso que sejam suficientes
para adequar a atividade empresarial às normas de proteção ao consumidor.
Ressaltando-se que será fixada no TAC sanção pecuniária a título de pena para a
hipótese de descumprimento do Compromisso, assim como para fins de
ressarcimento de despesas decorrentes do inquérito.
Ocorre que,
complementarmente à regulamentação em âmbito federal, os órgãos públicos
estaduais de proteção ao consumo adotam normatização específica para a
celebração do termo de ajustamento de conduta, ampliando o âmbito de alcance do
ajuste. Para além das cláusulas de obrigação de fazer e não fazer, adota-se a
fixação de sanção pecuniária reparatória como cláusula relevante à celebração
do compromisso.
Em Minas Gerais, por
exemplo, tanto as instruções normativas do Procon quanto as Resoluções da
Procuradoria Geral de Justiça que tratam da celebração do TAC prevêem a
aplicação de multa como cláusula prioritária do Compromisso. Adota-se como
parâmetro os valores da multa sancionatória que eventualmente seria aplicada
após apuração de infração administrativa.
O parágrafo 3º do artigo
24 da Instrução Normativa PROCON Nº 1, de 07.05.2003, dispõe que tanto na
proposta de acordo quanto no termo de ajustamento de conduta a cláusula
primeira será a do valor de indenização, com base na demonstração do resultado
do exercício do fornecedor apresentado por ocasião da impugnação ao processo ou
após requisição ministerial.
A seguir, o parágrafo 5º
do mesmo diploma define o TAC como uma convenção entre a autoridade competente
e o fornecedor com previsão de pagamento de sanção civil, para
ressarcimento/reparação dos danos causados, de natureza metaindividual
(interesses difusos ou coletivos) ou equiparada (interesses individuais
homogêneos), e/ou sanção administrativa, além de outras cláusulas adequando a
conduta do reclamado às exigências legais, nos termos do art. 6º do Decreto nº
2.181, de 20/6/03.
A Resolução PGJ-MG n.
68/2008, por sua vez, dispõe que o TAC conterá cláusulas que estabeleçam (i)
obrigação ao fornecedor de adequar sua conduta às exigências legais, (ii) pena
pecuniária pelo descumprimento do ajustado, (iii) bem como ressarcimento pelas
despesas com a investigação da infração e com a instrução do procedimento
administrativo, todas estas já previstas no Decreto federal 2.181/97. Mas
também que será fixado (iv) ressarcimento dos danos eventualmente provocados à
coletividade; e, por outro, (v) multa administrativa pertinente à infração
praticada. Ressaltando que a multa só será objeto do ajuste se este for
celebrado no curso de processo administrativo (artigo 4º, parágrafos 9 e 10).
Observa-se, destarte, que
os órgãos estaduais de proteção ao consumo, nada obstante estarem embasados na
legislação federal, diga-se parágrafo 6º do artigo 5º da LACP c/c o artigo 6º
do Decreto 2.181/97, parecem adotar uma perspectiva diversa da proposta pela
sistemática federal, que busca primordialmente o ajuste da atividade
empresarial às normas e exigências para proteção ao consumidor. Ao passo que na
sistemática estadual, a fixação de pecúnia a título sancionatório adquire
posição de maior relevo.
Nesta questão, a doutrina
se divide. Alguns entendem ser inadmissível a inclusão de cláusula de indenizar
no ajuste, devendo o TAC se limitar às obrigações típicas de obrigação de fazer
e não fazer para atender seu fim último de proteção aos direitos
metaindividuais. Outros mais flexíveis entendem que, em não sendo possível a
reparação específica do dano, nem a fixação de obrigação de fazer
compensatória, seria admissível a cláusula de indenizar, “desde que só haja
esse meio de reparação”. Devendo-se, todavia, ter muita cautela, considerando
as dificuldades para a fixação do quantum adequado para reparar o dano, como
também o risco de haver uma “verdadeira transação do cerne do direito”¹, o que
seria inadmissível.
Resta concluir, portanto,
que caberá aos órgãos de intervenção mais imediata, como é o caso do Procon,
estabelecer caso a caso os parâmetros do ajustamento. Dever-se-á, porém, ser
observado o fim último de prevenir e garantir o atendimento aos direitos
metaindividuais em risco.
_______________
¹ RODRIGUES, Geisa de
Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta: Teoria e Prática.
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, pg.189.
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