Stanley Martins Frasão
Advogado
Sócio de Homero Costa Advogados
Nathália Caixeta Pereira de Castro
Colaboradora de Homero Costa Advogados
Logo na primeira semana do governo Lula, em 3
de janeiro de 2023, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniu com o
Embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli, para discutir a possível
criação de uma moeda comum entre os países do Mercosul, que seria chamada de
Sur.
De acordo com Scioli, o objetivo não é criar
uma moeda única, como o Euro, e sim uma moeda comum, que possa facilitar o
intercâmbio e as relações comerciais entre os países membros. Assim, importante
ressaltar que Brasil e Argentina seguiriam com as respectivas moedas, Real e
Peso.
Segundo Scioli, “Sobre a moeda comum, nós trabalharemos. Não
significa que cada país não tem sua moeda, significa uma unidade para
integração e aumento do intercâmbio comercial em todo este bloco regional. E,
como disse o presidente Lula, fortalecer o Mercosul, ampliar a união latino-americana,
é muito importante”.
Entretanto, essa ideia de uma moeda conjunta
para o bloco Mercosul já surgiu anteriormente em outras ocasiões. O ex-ministro
da economia, Paulo Guedes, já considerou a ideia durante o governo do
ex-presidente Jair Bolsonaro. O presidente Lula também já trouxe à tona o tema
em seu mandato passado. Ainda, há mais tempo, no final do século XX, alguns
economistas defendiam a unificação monetária do Mercosul, assim como havia
acabado de ocorrer na União Europeia.
Em comitiva presidencial em Buenos Aires,
juntamente com o presidente do país Alberto Fernandez, Lula defendeu a
proposta: “Se dependesse de mim, a gente teria comércio exterior sempre nas
moedas dos outros países para que a gente não tenha que depender do dólar. Por
que não tentar criar uma moeda comum entre os países do Mercosul? Por que não
tentar criar uma moeda comum entre os países do BRICS?
(...)
“Eu acho que com o tempo isso vai acontecer e
é necessário que aconteça, porque muitas vezes países têm dificuldade de adquirir
o dólar e você pode fazer acordos, estabelecer um tipo de moda para o comércio
que os bancos centrais possam, todo mês ou no tempo que quiserem, fazer um
acerto de contas para que os países possam continuar fazendo negócio”
Segundo o presidente Lula, tal implementação
fortaleceria a relação e a parceria comercial entre Brasil e Argentina, além de
reduzir custos operacionais e vulnerabilidades externas.
Especialistas divergem sobre o assunto,
apresentando vantagens e desvantagens. “O problema é que a Argentina tem pouca
liquidez em dólares e não consegue incrementar significativamente o volume de
operações com o Brasil”. “Então, caso haja essa moeda internacional, as
negociações entre os dois países ficarão menos sensíveis às variações do dólar.
Mas isso não significa que os preços das mercadorias ficarão imunes a variações
do dólar”, afirma o advogado Rodrigo Jansen.
O economista e professor da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná, Marcos Rambalducci, diz
que "essas transações econômicas seriam
facilitadas, além de baratear os custos, é um incentivo para que estas
economias aprofundem relações comerciais, melhorando o desempenho econômico dos
participantes." Assim, as exportações do Brasil para a Argentina seriam
facilitadas e a economia brasileira fomentada.
Já no que concerne às desvantagens, o
principal ponto abordado por especialistas abrange a instabilidade econômica da
Argentina. O professor Mauro Rochlin, professor e coordenador do curso de MBA
de Gestão Estratégica e Econômica de Negócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV) se
apresenta cético em relação à proposta: “Eles (argentinos) enfrentam um processo inflacionário agudo, e por
conta disso, não é raro eles assistirem a episódios de forte volatilidade da
moeda deles, ou seja, variações muito profundas em um espaço muito curto.
Então, essa volatilidade mais extremada da moeda argentina torna muito difícil
se estabelecer uma moeda comum”. O professor ainda afirma que, caso a proposta
tenha seguimento, será necessário dar alguma garantia aos credores a fim de
amenizar essa volubilidade.
O economista da Eleven Financial Thomaz
Sarquis segue
a mesma linha de raciocínio e afirma, “O grande problema é a falta de autonomia monetária. Quando o Banco
Central Europeu sobe os juros, por exemplo, a alta vale para toda a moeda euro.
No nosso caso, em uma política como esta, o Brasil estaria dependente da
situação fiscal da Argentina para definir o aumento dos juros, visto que o
risco seria percebido como sendo do bloco.
(...)
Ainda que nossa política fiscal não seja um
exemplo para os demais países, temos uma moeda mais estável do que a da
Argentina.”
A discussão sobre a criação da moeda comum
entre os países do Mercosul aborda várias vertentes e deve ser minuciosamente
analisada e, se implementada, é importante que sua integração e transição
ocorram de forma a dirimir quaisquer danos que possam surgir.
Para o deputado Kim Kataguiri (União-SP),
autor do Projeto de Lei Complementar (PLP) 11/23, que proíbe o Brasil de adotar
moeda comum com outros países ou organismos internacionais (https://www.camara.leg.br/noticias/939120-projeto-veda-adocao-de-moeda-unica-com-outros-paises/ ):
“É uma temeridade querer instituir uma nova
moeda apenas por questões de afinidade ideológica, sem maior estudo a respeito
de viabilidade técnica. É necessário que o Congresso Nacional aja a fim de
evitar que o bem-estar econômico brasileiro seja colocado em risco apenas por
conta de uma pauta radical do governo.”
O assunto deve ser bem acompanhado!