quinta-feira, 19 de setembro de 2019

AS MARCAS E A INDÚSTRIA DA MODA




Luana Otoni de Paula André
Advogada Sócia de Homero Costa Advogados


Assunto relevante e contemporâneo é a maneira como a moda evoluiu. Nesse contexto evolutivo, é necessário analisar a economia e a tecnologia, com vistas à ampliação dos lucros e deferência aos consumidores. A locução dos estilos não possui balizas: evolução dos materiais, linhas de produção e distribuição, somados a elementos ligados a ecologia. Fato é que a evolução faz presente de forma altiva no mundo fashion.

A marca e o seu criador, as grifes e todas as formas de identificação de um produto estão simbioticamente conectados, sobretudo com a moda. A relação é essencial e natural porque um não existe sem o outro.

Em tempos digitais o que instiga é preservar a verdade de uma marca. Até então apenas as grandes e icônicas marcas que existem no mercado há quase ou mais de um século[1] conseguiram fazer.

O contexto histórico, aliado a um exímio trabalho de marketing e de publicidade que atraem o público endorser (aquele consumidor que se identifica com a marca em seus pormenores e atributos, sua história e suas origens) são critérios preponderantes para que as marcas se estabeleçam no mercado.

A Internacional Trademark Association (INTA) realizou conferência em Nova Iorque em 22 e 23 de março de 2017 e a pauta mais debatida foi o valor das marcas icônicas. Nenhum segredo foi compartilhado. Apenas restou confirmado que o bom trabalho, aliado a intensos aportes financeiros em administração de um “produto” intangível as marcas somado a criações de alta qualidade em materiais e cuidados nos detalhes são os segredos do sucesso.

O artigo 122 da Lei nº 9.279/96[2] especifica que “são suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais”, ou seja, os sinais identificáveis pelo público.

O acordo TRIP’s (Trade Relates Aspects o Intellectual Property Rights)[3], por sua vez, estabelece que “qualquer sinal, ou combinação de sinais, capaz de distinguir bens e serviços de um empreendimento daqueles de outro empreendimento, poderá constituir uma marca. Estes sinais, em particular palavras, inclusive nomes próprios, letras, numerais, elementos figurativos e combinação de cores, bem como qualquer combinação desses sinais, serão registráveis como marcas.”

Sejam as marcas de produtos ou de serviços, como tipos adequados de marcas ao ramo da moda, sejam em suas formas de apresentação nominativa (somente palavras ou expressões que visa proteger), mista (associação de palavras, expressões, siglas, acrônimos a escritas estilizadas, normalmente em forma de logotipo), figurativa (somente elemento em figuras, desenhos, sem nenhuma referência direta de leitura) ou tridimensional (forma plástica e ornamental de um objeto em três dimensões), todas possuem a mesmas funções: ter distinção e indicação de origem.

A distinção é relevante porque informa e atrai os consumidores. Esse atributo serve para garantir ao consumidor a identificação da identidade da origem do produto ou serviço, e faz, por conseguinte, uma ligação direta com a função de indicação de origem do fabricante ou titular da marca, sendo uma função derivada da outra (artigo 123 da Lei nº 9.279/96)[4].

Igualmente importante a função da indicação de origem da marca, sobretudo no ramo da moda, quando o nome do criador é adotado como marca.

As marcas formadas pelos nomes de pessoas conhecidas, por exemplo, sempre carregam a reputação e o peso da pessoa que detém esse bem da personalidade para a venda de produtos mesmo que a marca não pertença mais a ela.

Um exemplo clássico é o da empresa francesa LVMH Moët Hennessy – Louis Vuitton. A LMHV é a titular de várias marcas formadas por nomes de pessoas conhecidas (Dior, Emilio Pucci, Kenzo, Marc Jacobs, dentre outros). A despeito da titularidade estar em nome da LMHV, as pessoas naturais e suas características pessoais serão sempre indicações de origem e do estilo do produto que porta a marca.

A marca dialoga com o consumidor em tempo real e, por esse motivo, os players desse mercado precisam estar atentos para que sigam atraindo os consumidores. A sua identidade representa um indicador do quanto a marca é capaz de permanecer próxima ou de se afastar da linha traçada como objetivo para a entrega satisfatória da promessa que faz ao mercado.

Quanto maior for a conexão entre marca e consumidor mais assertiva uma empresa será em definir seu escopo e missão de negócio de acordo com as necessidades e desejos de seu público.


[1] Gucci – 98 anos (1921, Florença, Itália); Prada – 106 anos (1913, Milão, Itália); Chanel – 109 anos (1910, Paris, França); Lanvin – 130 anos (1889, Paris, França); Louis Vouitton – 165 anos (1854, Paris, França), Hermès – 182 anos (1837, Paris, França), dentre outras.

[2] Lei nº 9.279 de 14.05.1996 - Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.

[3] O Acordo TRIP’s é um Tratado Internacional, integrando do conjunto de acordos assinados em 1994 que encerrou a Rodada Uruguai e criou a Organização Mundial do Comércio (“OMS”).

[4] Leia o artigo Direito Marcário, disponível no seguinte endereço: (https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI295913,41046-Direito+marcario)

PEC 108/2019 – O FUTURO DOS CONSELHOS PROFISSIONAIS



Ana Luisa Augusto Soares Naves
Advogada Sócia de Homero Costa Advogados


O atual Ministro da economia, Paulo Guedes, apresentou, no último dia 09.07.2019, proposta de PEC – Projeto de Emenda Constituição nº 108/2019 para regulamentar a atuação dos Conselhos Profissionais, impondo limitações de atuação e fiscalização, encerrando a obrigatoriedade do registro de Profissionais e Empresas para alguns conselhos e alterando regime de contratação dos profissionais.

O principal objetivo da PEC é cessar com a discussão acerca da natureza jurídica dos Conselhos Profissionais que são equiparados às autarquias federais, incluindo-os no rol de órgãos da Administração Pública, o que proporcionaria um regime de contratação peculiar, poderes de fiscalização e autonomia, tanto interna quanto externa. Com a aprovação da Emenda Constitucional, os Conselhos passarão a ser Entidades Privadas sem fins lucrativos, que atuam em colaboração com o Poder Público, mas não o integram.

Com a nova natureza jurídica vários aspectos serão alterados, dentre eles, a sua estruturação organizacional interna e o regime celetista a ser aplicado aos seus servidores.

A PEC visa alterar o art. 174 da Constituição Federal de 1988, incluindo o dispositivo 174-A, com o seguinte texto: “A lei não estabelecerá limites ao exercício de atividades profissional ou obrigação de inscrição em conselho profissional sem que a ausência de regulação caracterize risco de dano concreto à vida, à saúde, à segurança ou à ordem social”.

O dispositivo acima vem gerando uma certa insegurança jurídica porque não estabelece quais Conselhos passarão a ter a sua adesão facultativa, quais serão os critérios objetivos para a definição, bem como a especificação dos procedimentos a serem adotados para a efetiva alteração das regras atualmente aplicáveis ao caso.

Logo na sequência, no §2º do art. 174- B (também inovação da PEC), há previsão de necessidade de criação de Lei Federal que disponha sobre a criação; os princípios de transparência aplicáveis; a delimitação dos poderes de fiscalização e de aplicação de sanções, o valor máximo das taxas, das anuidades e das multas.

Ou seja, haverá uma uniformização de regulamentos de Conselhos Profissionais, encerrando a autonomia existente, a qual viabiliza a cada Conselho escolher como serão suas eleições, cargos e funções, valores de multa, anuidades, penalidades e até mesmo o processamento e julgamento de processos administrativos que decorram da relação ali estabelecida.

Há diversas críticas negativas à PEC, inclusive advindas dos próprios Conselhos Profissionais existentes no Brasil. Isso porque há o entendimento de que, com sua aprovação, há o risco de vários dos Conselhos Profissionais serem extintos, porque serão alteradas características essenciais de sua atual configuração.  

Atualmente, os Conselhos sobrevivem de forma autônoma e, como órgãos da Administração Pública, contam com benefícios e regras exclusivas a entes públicos, como, por exemplo, o poder de polícia. Ao encerrar a obrigatoriedade do profissional e se filiar ao Conselho Profissional que regulamenta sua profissão, o Conselho perde a credibilidade e força perante à população, limitando autonomia na criação de próprias regras e regulamentos, determinação de funcionamento e normas para o exercício daquela profissão; o Conselho Profissional perderá sua eficácia, força e eficiência.

Outro aspecto que vem causando arrepios nos funcionários dos Conselhos Profissionais, é o regime de contratação que eles serão vinculados (celetista), com todas as suas premissas e garantias.

Além disso, com a alteração da natureza jurídica, outro aspecto que será afetado diretamente é o direito de utilização do poder de polícia. Por se tratar de Autarquia, é viabilizado aos conselhos o direito de intervir, organizar e até limitar a atividade dos profissionais e empresas em prol da sociedade, por intermédio dessa prerrogativa.

Com a liberalidade de se filiar ou não aos conselhos profissionais, certamente estes institutos perderão sua “força” de fiscalização e regulamentação das profissões, que serão exercidas livremente, sem qualquer obrigatoriedade com as normas impostas pelos Conselhos.

Na contramão da crítica trazida acima, tem-se a justificativa de criação da referida PEC. Segundo Paulo Guedes, a aprovação da PEC visa ampliar e respeitar a liberdade de exercício profissional e de associação, constitucionalmente asseguradas. Caberá ao Poder Público disciplinar somente as hipóteses de interesse da coletividade em que se justificará a regulamentação e fiscalização mediante a preservação de conselhos profissionais.

A verdade é que o texto da PEC é bem sucinto e ainda não há como prever como será, de fato, a aplicabilidade do texto, que, em sua justificativa, afirma que o objetivo das mudanças ali sugeridas é requerer visão estratégica e de futuro, buscando-se compreender a dinâmica tecnológica e seus impactos sobre as profissões e o mercado de trabalho, de modo a não criar obstáculos ao desenvolvimento econômico e social do país, o que, por sua vez, é muito bem-vindo, numa ótica liberal.

Não se sabe, por ora, ao certo, como ficará a obrigatoriedade de adesão a um e não a outros conselhos, nem quais serão os critérios para que haja essa faculdade ou até mesmo o que será objeto de alteração nas normas de cada um dos Conselhos Profissionais que existem no país. A PEC ainda está em fase prematura, aguardando despacho do Presidente da Câmara dos Deputados.

O que não se pode negar é que, com a aprovação da PEC, grandes mudanças e discussões ocorrerão nas mais diversas áreas de profissionais do Brasil.

SUSTENTABILIDADE NO ÂMBITO EMPRESARIAL




Mariana Cardoso Magalhães
Advogada Sócia de Homero Costa Advogados

Luana Otoni de Paula André
Advogada Sócia de Homero Costa Advogados

Nos últimos 100 anos, as empresas adotaram um modelo de crescimento econômico e industrial sem considerar o custo ou o sacrifício ao qual meio ambiente é submetido. A “crise ambiental” ou “crise ecológica” é decorrência desta relação entre homem e natureza, que paradoxalmente está ligada ao próprio crescimento econômico, ao elevado nível de desenvolvimento e ao padrão de vida alcançado pela civilização industrial.

Apesar de organizações com este perfil serem consideradas sucesso para a economia, de forma geral, os consumidores que detém visão crítica passaram a perceber que esse modo de produção possui conotação negativa, sobretudo para o meio ambiente.

E é nesse contexto que a sustentabilidade ganha força.

A sustentabilidade no âmbito empresarial não é um assunto novo, contudo, ainda, poucas organizações no Brasil aderiram a esta iniciativa por vontade própria. As empresas que já realizam atividades de sustentabilidade o fazem pelo fato destas serem necessárias à produção industrial, ou por utilização destas ações como marketing empresarial.

Os Programas de Integridade, em grande ascensão no Brasil por conta da vigência da Lei Anticorrupção – nº 12.846/2013 -, também possuem como um de seus pilares a implementação do chamado Compliance Ambiental, que nada mais é do que a evolução sustentável, baseada em uma gestão “ecoeficiente”; é um ofício que deve ser guiado de modo ordenado e sistematizado.

O crescimento destas investidas empresariais no âmbito da sustentabilidade, bem como a necessidade – urgente – de mudar a forma de produção e consumo de produtos em geral no Brasil, trouxeram a iniciativa da Prefeitura de São Paulo, através do Decreto nº 58.701/2019, que definiu que será iniciada na capital paulista a fiscalização eletrônica das empresas grandes e que são geradoras de resíduos.

Através da utilização da tecnologia do "QR Code" será possível para a Prefeitura de São Paulo e pela AMLURB (Autoridade Municipal de Limpeza Urbana) o rastreamento do caminho dos resíduos gerados pelas empresas desde o container, passando pela transportadora até a destinatária final.

Empresas que atuam no ramo da moda também se atentaram para a necessidade de produzir de modo sustentável. São as chamadas empresas slow fashion[1], cuja principal ideia é a economia circular, mais especificamente a moda circular. A ideia é “nada se perde, tudo se transforma”.

Isso implica em geração zero de resíduos, uma vez que um produto se transforma em insumo para outro. Algumas maneiras de se ativar a Economia Circular são: compostagem, reciclagem e upcycling[2].

Além disso, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010) é um instrumento legal que merece ser desenvolvido e aplicado, sobretudo, no que se refere à Logística Reversa, ao responsabilizar as empresas por cuidar dos produtos finais de suas produções, ou seja, realizando a ideia “de berço a berço”, e por sua vez, alcançando a chamada Economia Circular.

O objetivo ultrapassa o de reduzir a quantidade de resíduos, sendo certo que o escopo primordial é fomentar as empresas (indústrias), ao produzir os seus produtos, o fazê-lo de forma viável à sua reinserção dentro da cadeia de produção.

O pensamento sustentável dentro do setor empresarial vai além da possibilidade de reutilização de resíduos para diminuir custos de produção, atualmente ganhou força a necessidade de um mercado mais consciente e ecológico, para a possibilidade de manutenção de um futuro para a sociedade e para o meio ambiente, fundamental para a sobrevivência do ser humano no mundo.

Podendo, recicle e cuide do resíduo que produz! Antes de jogar fora, repense, não existe “fora”.


[1] Leia o artigo Slow Fashion - Sustentabilidade e moda, disponível no seguinte endereço: (https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI309558,11049-Slow+fashion+Sustentabilidade+e+moda)

[2] Upcycling é o processo de criar algo novo e melhor a partir de itens antigos. Em contraste com a reutilização ou a reciclagem, o Upcycling usa materiais existentes para melhorar os originais.

ATLAS DA VIOLÊNCIA NO BRASIL – QUEM SÃO AS VERDADEIRAS VÍTIMAS?




Mariana Cardoso Magalhães
Advogada Sócia de Homero Costa Advogados


Neste ano de 2019 o IPEA (instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apresentou o Atlas da Violência[1] no Brasil, com dados relativos ao ano de 2017, demonstrando que no ano em questão ocorreram 65.602 homicídios no país, maior nível histórico de violência letal já registrado, sendo que de 2016 para 2017 o número de assassinatos teve um crescimento de 4,2%. Como comparativo, vê-se que este número foi superior ao correspondente de mortes no trânsito em 2017, que também aumentou cerca de 23%, totalizando 41.151 vítimas, conforme dados do DPVAT[2].

Deste número total de homicídios que ocorreram em 2017, 35.783 destas dizem respeito a jovens de 15 a 29 anos de idade. Dado este que demonstra que haverá um grande choque demográfico e econômico nos próximos anos, visto o aumento de vida de pessoas mais idosas, que estão se aposentando, com o aumento das mortes de jovens que deveriam estar ativos, no mercado de trabalho.

Vale ressaltar que estas mortes, em 2017, representaram 54,5% do total de mortes do ano, sendo que esta faixa etária – 15 a 29 anos de idade – representam apenas 24,6% da população total do Brasil.

Além do mais, esta pesquisa indicou também que houve um aumento de homicídios contra mulheres, com cerca de 13 assassinatos por dia, chegando ao total de 4.936 homicídios de mulheres em 2017.

A Lei Maria da Penha – nº 11.340 – entrou em vigor no ano de 2006, com o intuito de proteção à mulher contra a violência doméstica. O IPEA mostrou que de 2007, logo após a vigência da lei, até 2017 ocorreu um crescimento de 30,7% no número de homicídios cometidos contra mulheres. Sendo que 28,5% destes casos ocorreram dentro das residências das vítimas, ou seja, causados por violência doméstica.

Ressalta-se que foi verificado, ainda, que em 2017, 75% das vítimas de homicídios no Brasil foram negras, ou seja, 49.201 pessoas. Tendo o IPEA apresentado o dado de que, nesse ano, para cada indivíduo não negro vítima de homicídio, aproximadamente, 2,7 negros também foram vítimas de assassinatos no Brasil.

Este Atlas da Violência, em uma seção inédita, informou que com relação à violência à população LGBTI+, inicialmente, já houve uma grande dificuldade em gerar a estatística destes dados, visto que o IBGE sequer realiza estudos para catalogar informações com relação à orientação sexual populacional no Brasil.

Através dos dados catalogados pelo Disque 100 – canal de denúncias de violações de direitos humanos – verificou-se que o número de homicídios registrados em 2016, com relação a LGBTI+, foi de 85 pessoas e em 2017 atingiu 193 vítimas, mais do que o dobro de um ano para o outro, o que demonstra a ascensão desta violência contra esta população.

Estes dados apenas coadunam com a importância que políticas públicas em todos os âmbitos – legislativo, executivo e judiciário – são relevantes para a tentativa de preservação da vida daqueles que são considerados os mais fragilizados em nossa sociedade, quais sejam, jovens, mulheres, negros e os LGBTI+.

Pesquisas aprofundadas, como esta do IPEA, demonstram, claramente, que é preciso manter e realizar efetivas e periódicas ações públicas em todos os estados e cidades brasileiras sob a conscientização do aumento dos índices de violência no país, como um todo, com o intuito de auxiliar na diminuição destes índices com o consequente aumento da segurança para os indivíduos considerados mais fragilizados na sociedade brasileira.

(I)LEGALIDADE DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA



Gustavo Pires Maia da Silva
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

Guilherme Scarpellini Rodrigues
Estagiário de Homero Costa Advogados

Em meio ao congestionamento do Judiciário, é salutar a proposta em tramitação no Senado Federal — Projeto de Lei n° 4.257/19 — que institui a arbitragem como forma de solução dos conflitos na cobrança do crédito tributário. A aplicabilidade na forma prevista, no entanto, mostra-se pouco viável, haja vista depender de alterações também na Lei de Arbitragem e no Código Tributário Nacional.
Limitando-se a trazer inovações apenas na Lei de Execução Fiscal, a proposta prevê a possibilidade de o contribuinte optar pela via arbitral ao se defender da cobrança de crédito inscrito em dívida ativa. Para isso, tal qual na via judicial, exige-se a garantia do juízo, por meio de apólice de seguro, carta fiança bancária ou depósito integral do montante.
Todavia, ao considerarmos a receita tributária como sendo direito indisponível do Estado, a medida encontra entrave na própria Lei de Arbitragem, que veda a atuação da Fazenda Pública nessa circunstância. Sendo assim, somente modificações em dispositivos específicos da legislação a tornaria viável.
É verdade que parte da doutrina admite a relativização da indisponibilidade do crédito tributário, defendendo a desnecessidade de alteração na lei arbitral nesse sentido. De qualquer modo, a previsão expressa dessa hipótese é o caminho adequado para evitar interpretações divergentes.
Ponto incontroverso, por outro lado, é a necessidade de alteração no Código Tributário Nacional. Ao autorizar a arbitragem como procedimento adequado a dirimir conflitos em matéria tributária, faz-se imprescindível incluir a sentença arbitral no rol das causas extintivas do crédito inscrito em dívida ativa, do Art. 156.
Por força da Constituição, tal modificação somente poderia ser implementada por meio de Lei Complementar, aprovada por maioria absoluta de votos em cada Casa Legislativa.
Entretanto, considerando o contexto em que as execuções fiscais são hoje o principal gargalo do Judiciário, segundo dados do CNJ, os esforços para instituir a arbitragem tributária no Brasil devem ser comemorados.
Mas não se deve perder de vista os limites da legalidade, buscando modernizar o Direito sem que para isso seja necessário sacrificar os pilares da segurança jurídica.

CONTROLE DE JORNADA E O REGISTRO DE PONTO POR EXCEÇÃO SOB A PERSPECTIVA DA MEDIDA PROVISÓRIA n° 881/2019


  Orlando José de Almeida
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

                                                                           Bernardo Gasparini Furman
Estagiário de Homero Costa Advogados



A Medida Provisória nº 881/2019, conhecida como “Medida Provisória da Liberdade Econômica”, tem como objetivo principal melhorar o ambiente de negócios em nosso país, com a desburocratização das atividades empresariais.
Nessa seara, visando substancial redução da intervenção do Estado, trouxe “normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica”. Buscou-se, como regra, valorizar e dar credibilidade aos contratos celebrados, interpretando-os “em favor da liberdade econômica”, respeitando ao máximo o postulado da boa-fé.
O texto final da Medida Provisória foi encaminhado ao Presidente da República, que deverá sancioná-la, com a sua conversão em lei. Contém novidades em vários ramos do direito, inclusive, traz algumas mudanças em artigos da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.
O objeto do presente é a análise das alterações e acréscimos ao artigo 74, da CLT, que versa sobre o registro de horário de trabalho dos empregados.
Para melhor compreensão, segue quadro comparativo entre o que está previsto na CLT, atualmente, e a nova redação com as alterações e a inclusão do parágrafo 4°, pela Medida Provisória:


 Art. 74 CLT
Art. 74 - MP 881/2019

Caput: O horário do trabalho constará de quadro, organizado conforme modelo expedido pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, e afixado em lugar bem visível. Esse quadro será discriminativo no caso de não ser o horário único para todos os empregados de uma mesma seção ou turma.

Caput: O horário de trabalho será anotado em registro de empregados.

§1° O horário de trabalho será anotado em registro de empregados com a indicação de acordos ou contratos coletivos porventura celebrados.

§1° REVOGADO

§2° Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória à anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso. 

§2° Para os estabelecimentos com mais de 20 (vinte) trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções expedidas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, permitida a pré-assinalação do período de repouso.  

§3° Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará, explicitamente, de ficha ou papeleta em seu poder, sem prejuízo do que dispõe o § 1º deste artigo.


§3° Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará do registro manual, mecânico ou eletrônico em seu poder, sem prejuízo do que dispõe o caput deste artigo.





§4° Fica permitida a utilização de registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

A primeira alteração, que ocorreu no caput, do artigo 74, indica que não será mais necessária a fixação de quadro em lugar visível, contendo o horário de trabalho. Com essa mudança, meramente administrativa, bastará a anotação do horário de trabalho em registro de empregados.
No parágrafo segundo, consta que o controle de jornada passará a ser obrigatório para estabelecimentos com mais de vinte empregados, sendo que essa imposição é para empresas com mais dez trabalhadores. A intenção, portanto, foi a de simplificar o controle de jornada abrangendo um número bem maior de empresas.
Sem dúvida, a modificação de maior impacto foi à inclusão do parágrafo quarto, que permite a adoção do “registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”.
Dessa forma, o empregado ficará dispensado de anotar sua entrada, saída e intervalos ou de fazer a pré-assinalação destes, registrando apenas as horas extras realizadas, ou eventos como afastamentos, atrasos, saídas antecipadas ou faltas.
De outro lado, devemos lembrar que a discussão sobre a possibilidade do registro de ponto por exceção não é nova.
A jurisprudência trabalhista se posicionava na direção de que não era válida cláusula admitindo essa modalidade, mesmo que ajustada em instrumentos normativos, tendo em vista que era contrária ao regramento previsto na CLT (artigo 74, § 2º).
No entanto, com a edição da Lei nº 13.467/2017 (conhecida como reforma trabalhista), foi previsto que a convenção e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei, quando dispuserem a respeito da “modalidade de registro de jornada de trabalho” (inciso X, do artigo, 611-A da CLT), o que, aliás, está em consonância com a sinalização do Supremo Tribunal Federal ao julgar os Recursos Extraordinários 590.415 e 895.759. Naquelas oportunidades o STF interpretou que a autonomia coletiva da vontade prevista no inciso XXVI (reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho), do artigo 7º, da Constituição Federal, deveria prevalecer.
A partir da nova legislação, o TST começou a reconhecer a validade da marcação de ponto por exceção em caso de expressa previsão em norma coletiva, como ocorreu quando dos julgamentos do RR 0002016-02.2011.5.03.0011 e do RR 1001704-59.2016.5.02.0076.
Na realidade, a MP 881/2019 busca a pacificação dessa matéria, para admitir o ponto por exceção através de autorização em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho e, ainda, por intermédio de acordo individual entre empregado e empregador.
Contextualizados os fatos, uma reflexão no que tange às consequências desse novo método se faz necessária.
Após a inclusão na MP 881/2019 das modificações ao artigo 74, da CLT, existem questionamentos de parte da doutrina, de alguns membros do Ministério Público do Trabalho e de alguns Magistrados integrantes da Justiça do Trabalho.
Destacam que nos casos em que o estabelecimento possui mais de vinte empregados, e em sendo adotado o controle de ponto por exceção, o ônus da prova em uma eventual reclamação trabalhista, contendo pleitos de horas extras, que até então era do empregador (Súmula 338 do TST), passará a ser do empregado, como acontece nas hipóteses em que não há obrigatoriedade dos controles de ponto. 
Aduzem que tais medidas poderão prejudicar a fiscalização quanto ao cumprimento de jornada de trabalho e o adimplemento de horas extras e, consequentemente, ensejarão o aumento das ações judiciais, o que de fato não pode ser desconsiderado e ignorado.
Mas se inseridas as alterações definitivamente no ordenamento jurídico, o que se espera para aqueles que adotarem o ponto por exceção, notadamente mediante acordo individual escrito, é que o façam dentro do espírito da MP 881/2019.
O Governo pretende é a simplificação dos procedimentos referentes aos registros de jornada, observando-se em especial o princípio da boa-fé entre as partes – empregador e empegado – de modo a evitar, se assim for feito, a formação de passivo trabalhista e desgastes na relação entre elas. 

DEPRESSÃO - DOENÇA PROFISSIONAL



  Orlando José de Almeida
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

                                                                           Bernardo Gasparini Furman
Estagiário de Homero Costa Advogados 

Atualmente, em razão de vários fatores em nossa sociedade, principalmente devido à revolução tecnológica, é cada vez maior a ocorrência de transtornos mentais e de cunho comportamental.
Os transtornos mais comuns são a depressão, o estresse, a ansiedade, os bipolares e a síndrome de Burnout.
A depressão é considerada a doença do século XXI. A Associação Brasileira de Psiquiatria estima que de 20% a 25% da população já teve, possui ou terá quadro depressivo. É a segunda causa de afastamento do trabalho, somente ficando atrás das Lesões por Esforços Repetitivos (LER), também denominados Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT).
Para a Organização Mundial da Saúde ela pode ser definida como transtorno mental comum caracterizado pela tristeza persistente, falta de interesse em realizar atividades, ausência de prazer, oscilações entre sentimentos de culpa e baixa autoestima, distúrbios do sono ou do apetite, além de sensação de cansaço e falta de concentração. A depressão na sua forma mais grave pode levar ao suicídio.
A atividade laboral, em determinadas circunstâncias, desempenha relevante papel no desenvolvimento e na evolução de distúrbios psíquicos, e podem ter como causa: (i) as jornadas de trabalho abusivas; (ii) exigência que os empregados permaneçam conectados após o horário de trabalho, não possibilitando, consequentemente, o descanso regular; (iii) assédio moral; (iv) assédio sexual; (v) conexão por longos períodos em aparelhos tecnológicos; (vi) pressões por resultados e metas; dentre outras.
E no campo do direito do trabalho, a jurisprudência vem se firmando no sentido de que se a doença resultar das condições em que o trabalho é executado, e se comprovado o dolo ou a culpa do empregador para que ela ocorra, será devida uma indenização.
Ou seja, demonstrando-se que foi o ambiente laborativo que deu origem ou agravou o quadro de depressão, poderá ocorrer a condenação do empregador para arcar com uma reparação por danos materiais ou morais.
Com relação ao assédio moral, por exemplo, Margarida Maria Silveira Barreto, médica do trabalho, o define como “a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-a a desistir do emprego”.
A Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em acórdão de Relatoria da Juíza Convocada, Sabrina de Faria F. Leão, qualificou o assédio moral “como ato de violência psicológica, que se expressa com gestos, palavras, atitudes ou escritos tendentes a comprometer/desestabilizar o equilíbrio emocional ou a integridade psíquica do trabalhador, por ofensivos à sua dignidade, personalidade ou valor pessoal, representando achaques geralmente intentados sob o manto do regular exercício das prerrogativas patronais.” (RO 0001211-07.2013.5.03.0067).
Com efeito, não pairam dúvidas no sentido de que o assédio moral provoca danos à personalidade, à dignidade e à integridade psíquica do empregado, ocasionando-lhe inequívocos danos à saúde, podendo ser causa de depressão.
Ressalte-se que no processo acima apontato, em avaliação do quadro clínico do Autor, o Perito Médico do Trabalho constatou a existência de “transtorno misto ansioso depressivo, com etiologia relacionada a fatores de ordem laborativa”, sendo arbitrada uma reparação por danos morais.
O que se vê é que, na realidade, o empregador não pode mais se furtar à sua responsabilidade de promover e manter o bem-estar e a saúde do trabalhador no ambiente de trabalho, sob pena de arcar com o pagamento de indenização por danos morais ou até mesmo materiais.
O ambiente deverá ser o local em que o empregado sinta-se confortável, atuando para que ocorra de forma natural a produção das atividades, sem o desenvolvimento de doenças, seja nas dependências ou não do empregador.
Vale a pena destacar que a prestação de serviços realizada fora das dependências do empregador, e sem a vigilância direta deste, nem sempre significa que o empregado não possa adoecer em virtude de sua execução.
É o caso, a título de ilustração, do chamado trabalho em regime de home office.
Estudos recentes têm demonstrado que essa modalidade, apesar de se mostrar extremamante atrativa, pode desencadear sérios problemas de saúde. Isso porque a ausência de disciplina no desempenho das atividades, como iniciar e terminar a jornada, a não fixação de pausas para descanso e refeição, ou o silêncio levando ao isolamento pessoal, em diversas ocasiões reultam em depressão.
Aliás, no artigo 75-E, da CLT, do capítulo referente ao Teletrabalho, o legislador estabeleceu:
O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.
Parágrafo Único: O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.
Diante das considerações acima, em razão da prestação de serviços nas suas dependências ou em outro local, o empregador deverá orientar o empregado, mediante normas claras, especificando ao máximo as atribuições a serem desenvolvidas, os horários de trabalho para execução das mesmas, as pausas, enfim, como deverá proceder de modo a evitar doenças e acidentes de trabalho. Também é bastante salutar que essas medidas sejam complementadas em ações desenvolvidas por especialistas da área de saúde.
O que se recomenda, portanto, é a adoção de métodos para prevenir a incidência de infortúnios, inclusive que possam desaguar em depressão, o que é benéfico, tanto para o empregado, que é o destinatário destas medidas, tanto para o empregador, que evitará condenações.