quinta-feira, 17 de setembro de 2020

MODIFICAÇÃO DA COBRANÇA DO ISS PARA O DESTINO

Gustavo Pires Maia da Silva

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

Na quinta-feira, 27/08/2020, o Senado Federal aprovou Projeto de Lei Complementar que transfere o recolhimento do Imposto sobre Serviços (ISS) para o Município de destino. O projeto depende, ainda, de sanção do Presidente da República.

 

O PLP nº 170/2020 regula a cobrança e o pagamento do Imposto sobre Serviços pelo Município do tomador do serviço, e não mais pelo Município onde está localizada a empresa prestadora do serviço.

 

Os serviços que terão o recolhimento deslocado para o destino são os seguintes: planos de saúde e médico-veterinários, de administração de fundos, consórcios, cartões de crédito e débito, carteiras de clientes e cheques pré-datados e de arrendamento mercantil (leasing). 

 

Na hipótese dos planos de saúde ou de medicina, o PLP considera usuário do serviço a pessoa física vinculada à operadora por meio de convênio ou contrato. Mesmo quando houver dependentes, será considerado apenas o domicílio do titular do contrato para fins de arrecadação.

 

No que concerne aos serviços de administração de cartão de crédito ou débito, o tomador do serviço é o primeiro titular do cartão. Assim, o ISS pertencerá à cidade em que ocorrido o gasto.

 

O cotista será considerado o tomador do serviço de administração de carteira de valores mobiliários ou de gestão de fundos e clubes de investimento. Especificamente com relação às pessoas jurídicas administradoras de consórcios, o cliente do serviço é o consorciado.

 

Nos casos relacionados ao arrendamento mercantil, o tomador do serviço é o arrendatário domiciliado no país. Havendo arrendatário no exterior, o tomador é o beneficiário do serviço no país. Em todas as transações envolvendo pessoas jurídicas, será considerada tomadora aquela unidade favorecida pelo serviço, independentemente da denominação (filial, sucursal, agência, dentre outras).

 

Cumpre esclarecer que a imprescindibilidade de aprovação do PLP nº 170/2020 acontece em decorrência de mudanças promovidas pela Lei Complementar nº 157/2016, que transportou a competência da cobrança desse imposto do Município onde o prestador do serviço tem sediado o seu estabelecimento para o Município onde o serviço é prestado ao usuário final.

 

Diante do exposto, é necessário que todos os contribuintes do Imposto sobre serviços fiquem atentos, porque com a sanção do PLP nº 170/2020, o início da vigência da nova lei ocorrerá em 1º de janeiro de 2021.

 


ABORTO EM CASO DE ESTUPRO

 

Mariana Cardoso Magalhães

Advogada Sócia de Homero Costa Advogados

 

 

 

Há muito tempo a legislação penal brasileira permite a realização da interrupção de uma gravidez de feto gerado pelo ato criminoso do estupro (artigo 213 do Código Penal), não havendo qualquer consequência criminal ao médico que o realiza, sendo direito da mulher violentada.

 

Em casos recentes no Brasil reacenderam esta questão devido aos envolvimentos religiosos que uma parte da sociedade argumenta em conectar à legislação vigente, buscando a sua modificação.

 

Em 27 de agosto de 2020 foi publicada a Portaria nº 2.282[1] do Ministério da Saúde com novas obrigatoriedades no ato do procedimento médico do aborto, objetivando a geração de mais segurança jurídica ao profissional de saúde. São as modificações:

 

a)    É obrigatória a notificação à autoridade policial pelo médico (que já era prevista pelo Decreto-Lei de Contravenções Penais – nº 3.688/41 -, artigo 66), demais profissionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde que acolheram a paciente dos casos em que houver indícios ou confirmação do crime de estupro;

b)    Os profissionais deverão preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro a serem entregues imediatamente à autoridade policial;

c)    O Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei compõe-se de quatro fases que deverão ser registradas no formato de termos, arquivados anexos ao prontuário médico, garantida a confidencialidade desses termos;

d)    A primeira fase será constituída pelo relato circunstanciado do evento, realizado pela própria vítima, perante 2 (dois) profissionais de saúde do serviço;

e)    O Termo de Relato Circunstanciado deverá ser assinado pela vítima ou, quando incapaz, também por seu representante legal, bem como por 2 (dois) profissionais de saúde do serviço;

f)    A segunda fase se dará com a intervenção do médico responsável que emitirá parecer técnico após detalhada anamnese, exame físico geral, exame ginecológico, avaliação do laudo ultrassonográfico e dos demais exames complementares que porventura houver;

g)    Três integrantes, no mínimo, da equipe de saúde multiprofissional subscreverão o Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção da Gravidez, não podendo haver desconformidade com a conclusão do parecer técnico;

h)    A equipe de saúde multiprofissional deve ser composta, no mínimo, por obstetra, anestesista, enfermeiro, assistente social e/ou psicólogo;

i)     Na segunda fase procedimental a equipe médica deverá informar acerca da possibilidade de visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia, caso a vítima deseje, e essa deverá proferir expressamente sua concordância, de forma documentada;

j)     A terceira fase se verifica com a assinatura da gestante no Termo de Responsabilidade ou, se for incapaz, também de seu representante legal, e esse termo conterá advertência expressa sobre a previsão dos crimes de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal) e de aborto (art. 124 do Código Penal), caso não tenha sido vítima do crime de estupro;

k)    A quarta fase se encerra com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que conterá (i) o esclarecimento à mulher deve ser realizado em linguagem acessível; (ii) deverá ser assinado ou identificado por impressão datiloscópica, pela vítima ou, se for incapaz, também por seu representante legal; e (iii) deverá conter declaração expressa sobre a decisão voluntária e consciente de interromper a gravidez.

 

Ao contrário do que parece e do que foi, ao que parece, a intenção do Ministério da Saúde na criação de mais passos dentro deste procedimento, medidas como tornar dever do médico o requerimento detalhado do ato do estupro (que nada se relaciona com o trabalho que será realizado pelo profissional da saúde), ou a obrigação do médico em questionar à vítima se ela deseja visualizar o ultrassom do feto gerado por violência, acabou por burocratizar, ainda mais, o procedimento; gerar nova violência e constrangimento à vítima; como também a ampliar da obrigação do profissional da saúde, aumentando o receio deste na realização do procedimento, o que é completamente contrário à intenção de gerar segurança jurídica e médica.

 

Essa foi uma das críticas e do receio de muitos profissionais, tanto do Direito quanto da Medicina, mas também do senador Humberto Costa que, inclusive, quando foi Ministro da Saúde, nos anos 2003 a 2005, havia editado portaria que revogava a obrigatoriedade da vítima em registrar o Boletim de Ocorrência para conseguir realizar o procedimento de aborto[2].

 

Vale ressaltar que o momento em que uma mulher busca por auxílio para a interrupção de uma gravidez gerada por um estupro é necessário que o profissional da saúde seja o provedor do acolhimento ao sofrimento que esta já vem sofrendo, e não o amplificador de sua dor.

 

De certo ainda há muito que se discutir quanto ao tema, que por si só é polêmico perante a sociedade brasileira, mas também é preciso reconhecer que aumentar a responsabilidade do médico na realização do procedimento, bem como submeter a vítima a passar por uma série burocrática de perguntas e formulários a serem preenchidos, não assegurará que o aborto ilegal não ocorra no Brasil, muito pelo contrário, poderá ser o gatilho para a ampliação dos nascimentos de fetos gerados através de violência, bem como do abandono de muitas crianças, porque as vítimas se sentirão mais coagidas a realizar o aborto, assim como mais médicos recusarão realizar a interrupção, por receio das responsabilidades que poderão ser debitadas a eles.

MEDIAÇÃO: REPERCUSSÕES NA ADVOCACIA E NO PODER JUDICIÁRIO

 

Luana Otoni de Paula André

Advogada Sócia de Homero Costa Advogados

 

Maria Eduarda Guimarães de Carvalho Pereira Vorcaro

Advogada Sócia de Homero Costa Advogados

 

 

A cultura da Mediação vem se consolidando no Brasil, sobretudo com o advento da Lei nº 13.140/2015, que dispõe sobre a Mediação como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos, seja no âmbito judicial ou extrajudicial.

 

Dentro desse contexto, existem pontos que merecem ser desmistificados, à exemplo: (i) os impactos do Instituto na Advocacia; e (ii) a sua utilização para “desafogar”o Poder Judiciário.

 

Acerca dos impactos da Mediação na Advocacia, podemos trazer à baila que processos judiciais que discutem questões empresarias ou que tratam de questões sucessórias, com várias partes envolvidas (sendo que cada uma destas possuem interesses próprios e divergentes), podem se valer da Mediação como uma ferramenta eficaz para solucionar as controvérsias postas à apreciação do Poder Judiciário.

 

Entretanto, é importante destacar que a Mediação não retira o trabalho do advogado e, do mesmo modo, não tem a pretensão de substituir o processo judicial. Tanto é assim que o próprio Código de Processo Civil prevê a obrigatoriedade da presença do advogado na sessão de Mediação (intelecção do art. 334, §9º do CPC).

 

É preciso, porém, que a advocacia (sentido latu sensu) esteja preparada para absorver o Instituto da Mediação. Em outras palavras, é imprescindível que o advogado assimile essa abordagem transformativa que a Mediação traz, concedendo aos envolvidos protagonismo e autonomia (dentro dos ditames legais), através do diálogo.

 

Em regra, no exercício da advocacia está arraigada a cultura da litigiosidade. Na sessão de mediação, porém, o advogado deverá adotar uma postura consultiva e colaborativa.

De outro lado, o Código de Processo Civil deu ênfase à Mediação. Nesse particular, o disposto no artigo 3º, §3º do CPC:

 

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

(...)

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

 

É importante ter claro que a Mediação – instituto que contém Princípios e Metodologias próprios[1], não seja utilizada apenas como ferramenta para “desafogar” o Poder Judiciário --- definitivamente esta não é a sua missão.

 

A Mediação “é definida acima de tudo como um processo de comunicação ética baseada na responsabilidade e autonomia dos participantes, em que um terceiro – imparcial, independente e neutro, tendo como a única autoridade o reconhecimento dos parceiros – promove, através de entrevistas confidenciais, o estabelecimento, o restabelecimento do vínculo social (...).”[2]

 

A Mediação foi pensada como um instrumento de solução de controvérsia que é escolhido de acordo com o tipos de processo, tendo como base o Princípio da Adequação. Nesse sentido, o “esvaziamento” do Poder Judiciário traduz-se como uma consequência e não o motivo para existência e/ou utilização do Instituto.

 

Frente a todas as colocações expostas, é imprescindível entender a Mediação como um Instituto constituído e consolidado, sendo certo que os profissionais (sobretudo os da área do direito), assim a vejam, entendendo-a com excelência e cuidado na sua aplicação, utilizando-se, sempre, a ética.



[1] Leia o Artigo Conheça a Mediação (https://www.migalhas.com.br/depeso/329782/conheca-a-mediacao).

 

[2] HOFNUNG – Michèle Guillaume, A Mediação, Belo Horizonte, 2018, Editora RTM – Mário Gomes da Silva, p. 82.

LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO E TRABALHISTA - RESPONSABILIDADE

 

Orlando José de Almeida

           Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

                                     Bernardo Gasparini Furman

     Advogado Associado de Homero Costa Advogados

              

A doutrina denomina limbo jurídico previdenciário e trabalhista, o período compreendido entre a negativa da previdência social em manter o benefício, devido à doença ou acidente do trabalho, e o reconhecimento de inaptidão por parte do médico do empregador para autorizar o retorno do empregado ao trabalho para desempenhar as suas funções.


Dessa forma, existe um verdadeiro conflito.


O médico do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) entende que o segurado não necessita de permanecer em gozo do benefício, motivo pelo qual encontra habilitado para trabalhar.


De outro lado, o médico da empresa posiciona no sentido de que o emprego não pode retornar, porque não possui condições para executar as suas atividades.


Diante desse impasse, a autarquia previdenciária não se vê responsável em conceder o benefício. O empregador na ausência da principal contrapartida do empregado na relação de emprego, que é a prestação dos serviços, não se vê responsável pelo pagamento dos salários.


Já o empregado, consequentemente, fica desguarnecido, sem receber o benefício previdenciário ou o salário.


Em razão desse contexto, podem surgir alguns desdobramentos, sendo que dentre eles destacamos.


O empregado ajuíza ação contra o empregador reivindicando a responsabilização pelos salários, sendo, ainda, comum nessa circunstância, deduzir pretensão de declaração de rescisão indireta e reparação por danos morais.


A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho - TST - possui julgados em todas as suas Turmas responsabilizando o empregador, enquanto perdurar a situação de indefinição. Confira-se a título de exemplo:


RECURSO DE REVISTA. LEI 13.467/17. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. EMPREGADO CONSIDERADO APTO PELO INSS E INAPTO PELO EMPREGADOR. PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE A ALTA PREVIDENCIÁRIA E O RETORNO AO TRABALHO. TRANSCENDÊNCIA. O entendimento desta c. Corte Superior é de que é responsabilidade do reclamado o pagamento de salários ao empregado impedido de retornar ao trabalho pelo empregador, que o considerou inapto, não obstante a cessação do benefício e alta previdenciária. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-1675-64.2017.5.12.0059, 6ª Turma, Relator Ministro Aloysio Correa da Veiga, DEJT 13/03/2020).


A principal justificativa para assim decidir, encontra-se embasada no artigo 476, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Sustenta-se que ao terminar o benefício previdenciário o contrato de trabalho volta a gerar todos os efeitos, devendo o empregado prestar serviços e o empregador pagar salários.

 

E se o empregado está impossibilitado de retornar às suas atividades anteriores, devido ao posicionamento do médico da empresa, a primeira alternativa para evitar a responsabilização, se for possível e viável, é realocar ou encaminhar o trabalhador para reabilitação ou readaptação em função compatível com a sua condição pessoal, tal como previsto 89, da Lei 8.213/91.

 

Nessa direção, o Ministro Mauricio Godinho Delgado, recentemente mencionou em julgado de sua relatoria:

 

Dessa forma, cabia ao empregador, na incerteza quanto à aptidão da Reclamante para o exercício de suas funções, realocá-la em atividade compatível com suas limitações físicas, e não puramente recusar seu retorno ao trabalho - ante o seu demonstrado interesse em voltar às atividades laborais e diante da divergência entre as conclusões médicas do INSS (consubstanciada na concessão da alta previdenciária) e a do médico da própria empresa (que a considerou inapta para retornar). Isso porque, segundo o ordenamento jurídico pátrio, o empregador também é responsável pela manutenção e respeito aos direitos fundamentais do empregado, devendo zelar pela afirmação de sua dignidade e integração no contexto social - e a readequação de suas funções no processo produtivo da empresa faz parte deste mister. (Ag-AIRR-1000483-39.2016.5.02.0012, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 29/05/2020).

 

De todo modo, recomenda-se que após o resultado da perícia do INSS, que fez cessar o benefício ou concluiu pela impossibilidade da reabilitação, o empregado munido de laudo e exames médicos, busque a reconsideração da decisão da autarquia e, posteriormente se necessário, ajuíze a competente ação para tentar o restabelecimento do benefício, com as repercussões financeiras decorrentes.

 

Vale realçar que algumas empresas tem realizado o pagamento dos salários referentes ao período do limbo previdenciário, e ajuizado ação contra o INSS para tentar o ressarcimento.

 

O que pode observar é que diante do posicionamento que vem sendo adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho, no sentido de responsabilizar o empregador, em regra, este deve adotar as cautelas devidas para evitar o passivo trabalhista ou, pelo menos, que tenha meios de buscar o reembolso de eventuais quantias dispendidas.