Mariana Cardoso Magalhães
Advogada Sócia de Homero Costa Advogados
Há muito tempo a
legislação penal brasileira permite a realização da interrupção de uma gravidez
de feto gerado pelo ato criminoso do estupro (artigo 213 do Código Penal), não
havendo qualquer consequência criminal ao médico que o realiza, sendo direito
da mulher violentada.
Em casos
recentes no Brasil reacenderam esta questão devido aos envolvimentos religiosos
que uma parte da sociedade argumenta em conectar à legislação vigente, buscando
a sua modificação.
Em 27 de agosto
de 2020 foi publicada a Portaria nº 2.282[1] do
Ministério da Saúde com novas obrigatoriedades no ato do procedimento médico do
aborto, objetivando a geração de mais segurança jurídica ao profissional de
saúde. São as modificações:
a) É obrigatória
a notificação à autoridade policial pelo médico (que já era prevista pelo
Decreto-Lei de Contravenções Penais – nº 3.688/41 -, artigo 66), demais
profissionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde que
acolheram a paciente dos casos em que houver indícios ou confirmação do crime
de estupro;
b) Os profissionais deverão preservar possíveis
evidências materiais do crime de estupro a serem entregues imediatamente à
autoridade policial;
c) O Procedimento de Justificação e Autorização da
Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei compõe-se de quatro fases que deverão ser
registradas no formato de termos, arquivados anexos ao prontuário médico,
garantida a confidencialidade desses termos;
d) A primeira
fase será constituída pelo relato
circunstanciado do evento, realizado pela própria vítima, perante 2 (dois) profissionais de saúde do
serviço;
e) O Termo de Relato Circunstanciado deverá ser
assinado pela vítima ou, quando incapaz, também por seu representante legal,
bem como por 2 (dois) profissionais de saúde do serviço;
f) A segunda
fase se dará com a intervenção do médico responsável que emitirá parecer
técnico após detalhada anamnese,
exame físico geral, exame ginecológico, avaliação do laudo ultrassonográfico e
dos demais exames complementares que porventura houver;
g) Três
integrantes, no mínimo, da equipe de saúde multiprofissional subscreverão o
Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção da Gravidez, não podendo haver desconformidade com a conclusão
do parecer técnico;
h) A equipe de saúde multiprofissional deve ser
composta, no mínimo, por obstetra, anestesista, enfermeiro, assistente social
e/ou psicólogo;
i) Na segunda fase procedimental a equipe médica deverá informar acerca da
possibilidade de visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia,
caso a vítima deseje, e essa deverá proferir expressamente sua concordância, de
forma documentada;
j) A terceira
fase se verifica com a assinatura da gestante no Termo de Responsabilidade
ou, se for incapaz, também de seu representante legal, e esse termo conterá
advertência expressa sobre a previsão dos crimes de falsidade ideológica (art.
299 do Código Penal) e de aborto (art. 124 do Código Penal), caso não tenha
sido vítima do crime de estupro;
k) A quarta
fase se encerra com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que
conterá (i) o esclarecimento à mulher deve ser realizado em linguagem
acessível; (ii) deverá ser assinado ou identificado por impressão
datiloscópica, pela vítima ou, se for incapaz, também por seu representante
legal; e (iii) deverá conter declaração expressa sobre a decisão voluntária e
consciente de interromper a gravidez.
Ao contrário do
que parece e do que foi, ao que parece, a intenção do Ministério da Saúde na
criação de mais passos dentro deste procedimento, medidas como tornar dever do
médico o requerimento detalhado do ato do estupro (que nada se relaciona com o
trabalho que será realizado pelo profissional da saúde), ou a obrigação do
médico em questionar à vítima se ela deseja visualizar o ultrassom do feto
gerado por violência, acabou por burocratizar, ainda mais, o procedimento; gerar
nova violência e constrangimento à vítima; como também a ampliar da obrigação
do profissional da saúde, aumentando o receio deste na realização do
procedimento, o que é completamente contrário à intenção de gerar segurança
jurídica e médica.
Essa foi uma das
críticas e do receio de muitos profissionais, tanto do Direito quanto da
Medicina, mas também do senador Humberto Costa que, inclusive, quando foi
Ministro da Saúde, nos anos 2003 a 2005, havia editado portaria que revogava a
obrigatoriedade da vítima em registrar o Boletim de Ocorrência para conseguir
realizar o procedimento de aborto[2].
Vale ressaltar
que o momento em que uma mulher busca por auxílio para a interrupção de uma
gravidez gerada por um estupro é necessário que o profissional da saúde seja o
provedor do acolhimento ao sofrimento que esta já vem sofrendo, e não o
amplificador de sua dor.
[1] Portaria nº 2.282
MS: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-2.282-de-27-de-agosto-de-2020-274644814
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