segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

PL 3985 - BACHARÉIS E OUTROS PROFISSIONAIS, COM GRADUAÇÃO EM CURSO DE NÍVEL SUPERIOR, PODERÃO INTEGRAR A SOCIEDADE SIMPLES DE ADVOCACIA

 


Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

O anterior Estatuto da Advocacia, Lei 4.215, de 27 de abril de 1963, prescreveu em seu artigo 47: “Art. 47. A Ordem dos Advogados do Brasil compreende os seguintes quadros: I - advogados; II - estagiários; III - provisionados.”.

Em seu artigo 77, previa: “Art. 77. Os advogados poderão reunir-se, para colaboração profissional reciproca, em sociedade civiI do trabalho, destinada a disciplina do expediente e dos resultados patrimoniais auferidos na prestação de serviços de advocacia (art. 1.371 do Código Civil arts. 1º e 44, § 2º da Lei nº 154, de 25 de novembro de 1947).”. E o § 6º do mesmo artigo 77, permitia: “§ 6º Os estagiários poderão fazer parte das sociedades de advogados.”.

A Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), revogou a Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963, prescrevendo que somente advogados podem integrar uma das espécies das sociedades de advogados: “Art. 15.  Os advogados podem reunir-se em sociedade simples de prestação de serviços de advocacia ou constituir sociedade unipessoal de advocacia, na forma disciplinada nesta Lei e no regulamento geral.” (Redação dada pela Lei nº 13.247, de 2016).

O PL 3985/2023 pretende, ao permitir que não advogados, bacharéis e outros profissionais, com formação em curso superior, integrem as Sociedades de Advogados, a mudança da estrutura societária destas.

A abrangência que pretende o PL 3985 é grande: bacharéis e outros profissionais, com formação em curso superior.

O atual artigo 16 da Lei 8.906, prevê:

Art. 16.  Não são admitidas a registro nem podem funcionar todas as espécies de sociedades de advogados que apresentem forma ou características de sociedade empresária, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam como sócio ou titular de sociedade unipessoal de advocacia pessoa não inscrita como advogado ou totalmente proibida de advogar.    (Redação dada pela Lei nº 13.247, de 2016).

O PL 3985 pretende dar nova redação ao artigo 16, retirando o substantivo “sócio nos seguintes termos:

Art. 16.  Não são admitidas a registro nem podem funcionar todas as espécies de sociedades de advogados que apresentem forma ou características de sociedade empresária, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam como titular de sociedade unipessoal de advocacia pessoa não inscrita como advogado ou totalmente proibida de advogar. (...)” (NR).

E o PL 3985 prossegue criando o artigo 16-A e seus parágrafos:

Art. 16-A Bacharéis e outros profissionais, com graduação em curso de nível superior, poderão integrar a sociedade simples de advocacia, desde que exerçam atividade correlata com à advocacia e, cumulativamente, contribuam para os serviços prestados pela respectiva sociedade.

§1º É vedada a mercantilização das atividades exercidas pelos sócios mencionados no caput deste artigo. 

§2º Nenhum profissional integrante de sociedade de advogados poderá integrar mais de uma sociedade, seja ela simples ou unipessoal.

§3º Nas sociedades de advogados, a escolha do sócio administrador não poderá recair sobre pessoa não inscrita nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.

§4º Nos casos previsto no caput deste artigo a sociedade simples de advogado deverá ser constituída por, no mínimo, dois sócios inscritos regularmente nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.

§5° Os profissionais indicados neste artigo estarão sujeitos as obrigações estabelecidas nesta lei, além do regime próprio a que se subordinem.”

O citado Art. 16-A, ao permitir que bacharéis e outros profissionais, com graduação em curso de nível superior, integrem a sociedade simples de advocacia, condicionou que cumulativamente eles deverão exercer atividade correlata com à advocacia e que contribuam para os serviços prestados pela respectiva sociedade.

Fico pensando na denominada “atividade correlata com à advocacia”, até porque as espécies de sociedades de advogados somente podem exercer a advocacia, por seus sócios e advogados associados.

Deve ser lembrado que: É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade (§ 3º, Art. 1º, Lei 8.906).

O objeto social da sociedade é a colaboração recíproca na advocacia, cujos serviços são prestados exclusivamente pelos sócios e associados, em conjunto ou individualmente, na forma da Lei nº 8.906/1994.

Aliás, o Provimento 112/2006 do Conselho Federal da OAB, em seu Art. 2º., II, que: “ - o objeto social, que consistirá, exclusivamente, no exercício da advocacia, podendo especificar o ramo do direito a que a sociedade se dedicará;

Sem necessidade este dispositivo que se pretende a inclusão na Lei 8.906, porque não há sentido, de qualquer espécie, em desnaturar a estrutura societária das Sociedades de Advogados, autorizando-se a multidisciplinaridade, que só permite sejam sócios os advogados inscritos nas Seccionais da OAB.

A pretendida diluição da especialidade jurídica será danosa.

A Advocacia é uma profissão que exige não apenas conhecimento específico, mas também um compromisso ético e moral com a justiça e a legalidade.

Permitir que indivíduos não licenciados como advogados integrem sociedades de advocacia dilui o caráter especializado da profissão.

Os riscos são Éticos e Legais, porque introduzir profissionais de outras áreas nas Sociedades de Advogados abre portas para conflitos de interesse e riscos éticos significativos.

A advocacia possui um Código de Ética rigoroso, projetado para proteger a confidencialidade e os interesses dos clientes. Profissionais não vinculados por este Código podem inadvertidamente comprometer esses princípios, levando a consequências legais e danos à reputação da Sociedade de Advogados.

Isso pode levar a uma degradação da qualidade dos serviços jurídicos prestados, porque membros não advogados poderiam influenciar decisões e estratégias legais sem possuir a formação adequada ou o compromisso ético requerido pela OAB.

Ao abrir as Sociedades de Advogados para a participação de capital e influência externa, corre-se o risco de priorizar o lucro em detrimento da justiça e da integridade legal. Isso contradiz diretamente o espírito do Estatuto da Advocacia e do Código de Ética da OAB, que visam preservar a Advocacia como uma função essencial à Justiça, e não como um mero negócio.

Os profissionais, não advogados, que eventualmente prestam serviços às Sociedades de Advogados não precisam ser sócios destas. A admissão serviria certamente para possibilitar a ingerência de capital estranho na Sociedade de Advogados, o que implicaria na mercantilização desta.

O Código de Ética e Disciplina da OAB traz em seu artigo 5º: “Art. 5º O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização.”, que pode ser completado com o artigo 7º. “Art. 7º É vedado o oferecimento de serviços profissionais que implique, direta ou indiretamente, angariar ou captar clientela.”

Os parágrafos do Art. 16-A se relacionam exclusivamente a não advogados. Sem sentido o Caput do Art. 16-A, os parágrafos seguem o mesmo fim.

Um outro ponto, diz respeito é quanto à responsabilidade, que na forma do artigo 17 da Lei 8.906, é:

Art. 17.  Além da sociedade, o sócio e o titular da sociedade individual de advocacia respondem subsidiária e ilimitadamente pelos danos causados aos clientes por ação ou omissão no exercício da advocacia, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que possam incorrer. (Redação dada pela Lei nº 13.247, de 2016).

O PL 3985 traz o risco de atos serem praticados pelos “bacharéis e outros profissionais, com graduação em curso de nível superior”, autorizados a ingressarem na Sociedade, sem assumirem a responsabilidade dos sócios advogados (Art. 17), porque somente estes estão habilitados e exercem a advocacia, têm o jus postulandi.

Outra questão, o PL 3985 afetará a incidência da tributação, atualmente, do ISSQN, que as legislações municipais exigem que as sociedades regulamentadas, listadas no Decreto-lei nº 406/1968, com redação dada pela Lei Complementar nº 56/87, sejam formadas com profissionais de mesma habilitação. Isso sem falar nos reflexos que o PL poderá, se convertido em Lei, impactar a tributação prevista na Reforma Tributária aprovada, que em breve deverá ser regulamentada.

O risco de infrações éticas (Lei 8.906, Art. 34, III - valer-se de agenciador de causas, mediante participação nos honorários a receber; IV - angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros;), geradas pelos “bacharéis e outros profissionais, com graduação em curso de nível superior” estará presente.

O PL 3985, embora possa ser motivado por uma intenção de modernizar e diversificar a prática da Advocacia, representa uma ameaça significativa à integridade, ética e qualidade da profissão jurídica.

A Advocacia, como uma das profissões mais antigas e respeitadas, deve manter seu caráter especializado e seu compromisso inabalável com a Ética e a Justiça.

Conversei com o Professor Paulo Roberto de Gouvêa Medina, Medalha Rui Barbosa, que lhe foi entregue durante a abertura da XXII Conferência Nacional dos Advogados, no Rio de Janeiro, sobre o PL 3985, que se manifestou: “De pleno acordo com sua objeção ao malsinado projeto. Trata-se, na verdade, de um “Cavalo de Tróia”. Com ele, se introduzem na profissão pessoas a ela estranhas; burla-se o Exame de Ordem, bem como o sistema de incompatibilidade, possibilitando-se a prática disfarçada de atos privativos de advogados a quem não se acha habilitado ou exerce funções que o impossibilitam de advogar; alarga-se o campo propício à transformação da advocacia em atividade empresarial; põe-se em risco a observância do Código de Ética. Há, por outro lado, antiga tentativa de amesquinhar a advocacia ou torná-la profissão de nível tecnológico. Lembro que já se pretendeu reduzir o curso de graduação em Direito a três anos. E permitir a composição de currículos sem exigência de disciplinas jurídicas básicas.”

Espera-se que o PL 3985 seja rejeitado no Congresso Nacional.

Com a palavra o Conselho Federal da OAB.

ONLINE E OFFLINE


 

Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

Desde 1º. de janeiro de 2024, por determinação do governo holandês, em uma tentativa de limitar as distrações durante as aulas, celulares, tablets e smartwatches estão banidos das salas de aula, com as ressalvas de necessários para habilidades digitais, por motivos médicos ou para pessoas com deficiência. No Brasil, o jornal eletrônico The News, noticiou que “No Rio, alunos da rede pública municipal não podem mais usar os aparelhos nas salas de aula e nem mesmo durante os intervalos.” E que “No estado de SP, a conexão wi-fi ou via cabo bloqueia automaticamente a abertura de redes sociais, streamings e apps de vídeo como o TikTok.”.

Foi noticiado que durante o Réveillon passado em Paris muitas pessoas não se abraçaram ou se beijaram à meia-noite, sem brindes, porque estavam filmando os fogos no Arco do Triunfo.

E tem também a notícia de um mergulhador, que depois de se preparar por meses para o tão sonhado mergulho com um tubarão-baleia, acabou perdendo a integralidade do momento, porque não sabia se filmava ou se apreciava o animal.

Isso sem falar nas salas de cinema, teatro, shows, mesas de refeições, dentre outros, que algumas pessoas se perdem com a tela do celular deixando os mencionados eventos em segundo plano.

Online e Offline, vivemos na chamada Vida Real, que mais parece uma galáxia, com estes dois planetas bastante peculiares.

Imagine que você é um viajante espacial, e sua missão é manter o equilíbrio entre explorar esses dois mundos – uma tarefa mais emocionante do que parece!

O planeta Online é um lugar vibrante, onde você pode se mover para qualquer lugar em questão de segundos, fazer amigos em todas as esquinas do universo e construir castelos no ar com apenas alguns cliques. Mas cuidado para não se perder na ilusão de curtidas e notificações.

E para fomentar a experiência virtual, a Apple apresentou, no dia 05/02/24, o Apple Vision Pro, que é um headset de realidade mista, que mistura elementos de realidade aumentada com realidade virtual.

Vamos sair do planeta Online, aterrissando no planeta Offline.

Ah, que lugar! Aqui, você pode sentir o solo sob seus pés, o sol em sua pele ou o frio e a brisa em seus cabelos. Os abraços e beijos são reais e as risadas não precisam de emojis. Este é o território das aventuras desplugadas, onde cada momento é uma descoberta sensorial.

São olhos nos olhos.

O segredo da felicidade, caro explorador, acredito, é saber quando usar seu jetpack tecnológico e quando simplesmente caminhar.

No planeta Offline, você vai encontrar tesouros escondidos em hobbies esquecidos, na contemplação da natureza e na simplicidade de "estar".

Imagine que o planeta Offline é um parque temático cheio de montanhas-russas emocionantes chamadas "Experiências Reais". Você pode sentir a adrenalina de conversas cara a cara, onde cada expressão facial é um loop vertiginoso, e cada gesto compartilha uma história. Aqui, as conexões pessoais são como carrosséis coloridos – cada volta é uma oportunidade de fortalecer laços sem a necessidade de uma rede Wi-Fi.

No entanto, o planeta Online não é apenas uma tela de ilusões; é também uma biblioteca cósmica com conhecimento infinito, uma sala de concertos com música de todas as culturas e um ponto de encontro onde almas semelhantes podem se conectar além das fronteiras físicas. É um espaço de expressão e inovação onde você pode lançar seus sonhos como foguetes para o céu estrelado da criatividade.

Não é que o planeta Online seja um vilão, que rouba seu tempo – longe disso! Ele tem suas maravilhas e pode ser um lugar mágico. No entanto, alguns viajantes ficam obcecados com a caça de "likes" como se fossem estrelas em uma constelação de aprovação. Isso lembra o episódio “Queda Livre” da série Black Mirror, terceira temporada, da Netflix (“Uma mulher desesperada para ser notada nas mídias sociais acha que tirou a sorte grande ao ser convidada para um casamento luxuoso, mas nem tudo sai como o planejado.”).

Lembre-se: o brilho mais satisfatório é aquele que encontramos na conquista de metas reais e na construção de castelos que podemos tocar.

Para manter o bem-estar em sua jornada espacial, é preciso ser um pouco guardião do tempo, saber equilibrar-se entre os planetas.

Desligue os motores da sua nave (sim, estou falando do seu smartphone!) e se entregue ao universo das interações cara a cara. Mergulhe em conversas profundas que não são interrompidas por "dings" e "buzzes".

E lembre-se, no planeta Offline, a gravidade mantém você enraizado. Lá, você cria memórias tangíveis – como aquela vez que você escalou a montanha da Determinação ou quando nadou nas águas cristalinas da Tranquilidade. Essas são as joias que adornam a coroa da sua felicidade.

A autorreflexão é sua bússola. Ela o guia de volta quando você se perde nas órbitas das redes sociais. Avalie seu nível de alegria no planeta Offline para saber se você precisa ajustar o curso da sua viagem.

O universo te dá uma mensagem em forma de estrela cadente: A felicidade é um planeta duplo, onde o Online e o Offline giram em harmonia. Explore ambos, mas nunca esqueça de onde você veio e para onde você vai.

E assim, com essa sabedoria cósmica, você está pronto para ser um viajante estelar equilibrado, desfrutando das maravilhas de ambos os mundos, construindo uma vida que é verdadeiramente out-of-this-world!

A chave para desfrutar desses dois mundos é a moderação. Como um bom astronauta, você deve monitorar os níveis de oxigênio e não se perder no vácuo cibernético. Dedique tempo para cultivar o seu jardim de interesses no planeta Offline e você verá que ele floresce com cores que nenhum filtro digital pode replicar.

Ao alternar entre os planetas, você se torna um mestre em construir pontes – não apenas conexões de internet, mas pontes de compreensão entre o digital e o físico, o virtual e o real. Em cada ponte que você cruza, você leva consigo um pedaço de sabedoria, uma história para contar e um sorriso que nasceu longe de qualquer tela.

Ao fim da viagem, você descobrirá que você também está feliz com sua vida offline; será um mapa estelar para uma existência plena. Ela é a luz das estrelas que guia você pela imensidão do espaço, lembrando-o de que a vida é um equilíbrio delicado entre os mundos que exploramos externamente e as paisagens que valorizamos internamente.

Equipado com a sabedoria das estrelas e a riqueza das experiências reais, você continua sua aventura cósmica, sabendo que a verdadeira felicidade é o equilíbrio entre os momentos compartilhados com os outros e aqueles que brilham internamente em sua própria companhia.

Aprenda a dançar entre as estrelas do planeta Online e as raízes profundas do planeta Offline, cada uma essencial para a dança celestial da vida. E com essa harmonia, você não apenas sobrevive na vastidão do universo – você vive e prospera.

LIMITAÇÃO DE COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA POR MP É INCONSTITUCIONAL

 

 

Gustavo Pires Maia da Silva

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

 

Os créditos de natureza tributária referentes a indébitos tributários federais reconhecidos pelo Poder Judiciário estão subordinados a limitações de compensações mensais, determinados por ato do Ministério da Fazenda. Essa é a continência imposta desmedidamente pela Medida Provisória (MP) nº 1.202/2023, que apresenta modificações relevantes na legislação tributária brasileira.

A controversa inserção do Artigo 74-A à Lei nº 9.430/1996, pela mencionada MP restringe as compensações tributárias em função do valor total do crédito objeto de cada pedido de habilitação. A contenção não recairá sobre os créditos inferiores à 10 milhões de reais e a moderação gradativa dos encontros de contas mensais foi há pouco organizada pela Portaria Normativa do Ministério da Fazenda nº 14/2024, que instituiu a porção mínima e máxima do crédito fiscal que pode ser compensada mensalmente, entre doze e sessenta vezes, consoante o montante de crédito alcançado pela empresa.

Frente a essa mudança, os contribuintes ficam proibidos de compensarem seus créditos inteiramente e o valor que ultrapassar o limite mensal será considerado como não declarado, nos termos do Artigo 74, §12, Inciso I, da Lei nº 9.430/1996. Tido como não declarado, o débito será remetido diretamente para a inscrição em dívida ativa, sem oportunidade de apresentação de defesa.

As recentes diretivas demarcam inconstitucionalmente o direito dos contribuintes. Isto, porque aqueles que já conquistaram o direito à compensação, por intermédio decisão judicial transitada em julgado, em data antecedente à publicação da norma sob exame, não poderiam, em hipótese alguma, ser acertados pelas transformações legais subsequentes, porque a compensação é regida pela lei vigente no tempo da propositura da ação judicial, de acordo com a convicção consolidada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de recurso repetitivo, no julgamento do REsp nº 1.137.738/SP.

Além disso, a restrição da compensação também representa inconstitucionalidade, porque a matéria é reservada à lei complementar, nos moldes do Artigo 146, Inciso III, Alínea b, da Constituição da República de 1988, significa entrave para a observância dos provimentos jurisdicionais e possui nítido caráter confiscatório, contradizendo os princípios da capacidade contributiva e da isonomia tributária, porque os demais créditos ou indébitos reconhecidos administrativamente não se curvam à anunciada delineação.

Foi essa a compreensão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nºs 2.356, 7.064 e 7.047, estabelecendo-se o juízo sobre a inconstitucionalidade de estipulação de limites anuais e de regras de parcelamento no pagamento de precatórios.

Para mais, a limitação imposta pela MP, prorrogando a restituição dos valores indevidamente pagos, caracteriza-se como um empréstimo compulsório maquiado, criado sem cumprir as formalidades estabelecidas pelo Artigo 148 da Constituição da República.

Conclui-se que, as novidades apresentadas pela MP n° 1.202/2023, deixam inteligível o descontentamento da União com os fracassos sofridos perante o Poder Judiciário e com a obrigação de reembolsar os contribuintes por valores pagos impropriamente aos cofres públicos em prejuízo dos seus interesses arrecadatórios.

 

RECONHECIMENTO OU NÃO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM O TOMADOR DE SERVIÇOS – SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL X JUSTIÇA DO TRABALHO

 

                                                            

                                                             Orlando José de Almeida    

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

 

                                                                                                                                    Ana Flávia da Silva Costa  

                                                                         Estagiária de Homero Costa Advogados

 

 

Conforme amplamente divulgado na imprensa o Supremo Tribunal Federal e a Justiça do Trabalho possuem posicionamentos antagônicos com relação a alguns aspectos do campo de aplicação da terceirização e de outras formas de relação de trabalho.

 

O conflito tem acarretado inúmeras Reclamações Constitucionais e respectivos julgamentos proferidos no âmbito do STF, declarando a nulidade de decisões prolatadas por órgãos da Justiça do Trabalho, que reconhecem o vínculo de emprego com o tomador dos serviços.

 

Para melhor elucidação sobre o tema, destacam-se algumas normas em vigor e jurisprudências consolidadas.

 

O artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, traz os requisitos para o reconhecimento da relação de emprego ao estabelecer que “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”

 

A Justiça do Trabalho, por força da Emenda Constitucional 45/2004, possui competência para julgar, além daquelas especificadas nos incisos I a VIII, do artigo 114, “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei” – inciso IX.

 

Relativamente à terceirização a antiga Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho, estabelece:

 

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

(...)

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

(...)

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

 

Posteriormente, por intermédio da Lei 13.429/2017, foi atribuída nova redação ao artigo 10, da Lei 6.019/1974, que trata do trabalho temporário, sendo especificado que “qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não existe vínculo de emprego entre ela e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário.”

 

Adiante, com a edição da Lei 13.467/2017 – conhecida como “Reforma Trabalhista” –, a mencionada Lei 6.019/1974 foi modificada para esclarecer que “considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução”.

 

No que tange à matéria o Supremo Tribunal Federal já emitiu inúmeros julgamentos.

 

Dentre eles, firmou a tese de repercussão geral que ensejou o tema 725, segundo o qual “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.”

 

Julgou a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 324/DF -, “procedente para assentar a licitude da terceirização de atividade-fim ou meio.”

 

Dessa forma, o campo de abrangência da terceirização foi ampliando, sendo permitida, inclusive, na atividade-fim do tomador dos serviços.

 

O ponto principal da divergência de posicionamentos entre o Supremo Tribunal Federal e a Justiça do Trabalho, como já assentado, é voltado ao pronunciamento de eventuais fraudes nas respectivas contratações, de modo a ensejar ou evitar a formação de vínculo empregatício com o tomador dos serviços.

 

Em matéria publicada in https://www.conjur.com.br/2023-set-01/stf-jt-travam-guerra-terceirizacao-ou-vinculo-emprego/, Fabíola Marques, sócia do escritório Abud e Marques Sociedade de Advogadas e professora da PUC-SP, diz que "não é a Justiça do Trabalho que não está aplicando os precedentes do Supremo. Na verdade, é o STF que está invadindo a competência da Justiça do Trabalho".

 

Ressalta que “a confusão ocorre porque a pejotização só é válida se não houver pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade. Se estiverem presentes tais requisitos, descritos na CLT, somente a Justiça do Trabalho poderá dizer se há uma relação de emprego.”

 

Arremata asseverando que em outras palavras, a "transferência da responsabilidade do exercício de uma determinada atividade para outra empresa" é plenamente possível. Todavia, para que “a terceirização seja válida, o prestador de serviços não pode, por exemplo, ter horários e reuniões a cumprir, ou mesmo obrigação de atender a determinados clientes, sem poder recusar. Nesses casos, considera-se que, na prática, a terceirização não existiu.”

 

Os advogados que participam da sociedade Machado Meyer, Andrea Giamondo Massei, Amanda Dias Nunes e Roberto Nasato Kaestner, em artigo intitulado “O CONFLITO ENTRE O STF E A JUSTIÇA DO TRABALHO”, com notável propriedade aduziram:

 

“Por força legal e constitucional, as decisões proferidas pelo STF em ações de controle concentrado de constitucionalidade – como é o caso das proferidas na ADPF 324, ADC 48, ADIs 3.961 e 5.625, assim como no acórdão do RE 958252, que ocasionou a tese de repercussão geral prevista no enunciado do Tema 725 – consistem em fontes formais do direito do trabalho.

Essas decisões não podem, como vem fazendo parte dos magistrados trabalhistas, ser ignoradas na entrega da prestação jurisdicional. É legítima, portanto, a intenção do STF de frear as decisões que, amparadas em atos discricionários, ignoram a existência de decisões vinculantes.

Por outro lado, a existência de decisões vinculantes mencionadas acima não pode ter o poder de afastar a competência funcional da Justiça do Trabalho, prevista na Constituição, de processar e julgar conflitos relacionados às relações de trabalho. Aos magistrados trabalhistas cabe a prerrogativa de proceder com a interpretação hermenêutica do direito do trabalho, em todas as suas fontes, o que inclui as decisões vinculantes, com a autonomia para deixar de aplicá-las, desde que devidamente utilizadas as técnicas para a superação de precedentes, com destaque para o distinguishing e o overruling.”

Naturalmente, não faz sentido a divergência no que tange àqueles abrangidos por normas claras como, por exemplo, é o caso dos advogados associados. É que o artigo 39, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, dispõe expressamente que “a sociedade de advogados pode associar-se com advogados, sem vínculo de emprego, para participação nos resultados.”

 

O que pode ser observado é que atualmente existe flagrante divergência de posicionamentos entre o Supremo Tribunal Federal e a Justiça do Trabalho, relativamente à aplicação da terceirização e de outras formas de relação de emprego, ao reconhecerem ou negarem o vínculo empregatício com o tomador dos serviços, notadamente quanto a interpretação e aplicação dos requisitos do artigo 3º, da CLT.

 

O que se espera é o apaziguamento entre estes relevantes órgãos do Poder Judiciário. Afinal o que os jurisdicionados pretendem é a almejada segurança jurídica.