Stanley
Martins Frasão
Advogado Sócio de Homero
Costa Advogados
O
anterior Estatuto da Advocacia, Lei 4.215, de 27 de abril de 1963, prescreveu
em seu artigo 47: “Art. 47. A
Ordem dos Advogados do Brasil compreende os seguintes quadros: I - advogados;
II - estagiários; III - provisionados.”.
Em
seu artigo 77, previa: “Art. 77. Os advogados poderão
reunir-se, para colaboração profissional reciproca, em sociedade civiI do
trabalho, destinada a disciplina do expediente e dos resultados patrimoniais
auferidos na prestação de serviços de advocacia (art. 1.371 do Código Civil
arts. 1º e 44, § 2º da Lei nº 154, de 25 de novembro de 1947).”. E
o § 6º do mesmo artigo 77, permitia: “§
6º Os estagiários poderão fazer parte das sociedades de advogados.”.
A Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe
sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), revogou
a Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963, prescrevendo que somente advogados
podem integrar uma das espécies das sociedades de advogados: “Art.
15. Os advogados podem reunir-se em sociedade
simples de prestação de serviços de advocacia ou constituir sociedade
unipessoal de advocacia, na forma disciplinada nesta Lei e no regulamento
geral.” (Redação dada pela Lei nº 13.247, de 2016).
O PL 3985/2023 pretende, ao permitir que não
advogados, bacharéis e outros profissionais, com formação em curso superior,
integrem as Sociedades de Advogados, a mudança da estrutura societária destas.
A abrangência que pretende o PL 3985 é grande:
bacharéis e outros profissionais, com formação em curso superior.
O atual artigo 16 da Lei 8.906, prevê:
Art. 16. Não são admitidas a registro nem podem
funcionar todas as espécies de sociedades de advogados que apresentem forma ou
características de sociedade empresária, que adotem denominação de fantasia,
que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam como sócio ou
titular de sociedade unipessoal de advocacia pessoa não inscrita como advogado
ou totalmente proibida de advogar.
(Redação dada pela Lei nº 13.247, de 2016).
O PL 3985 pretende dar nova redação ao artigo
16, retirando o substantivo “sócio” nos seguintes termos:
“Art. 16. Não são admitidas a registro nem podem
funcionar todas as espécies de sociedades de advogados que apresentem forma ou
características de sociedade empresária, que adotem denominação de fantasia,
que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam como titular de
sociedade unipessoal de advocacia pessoa não inscrita como advogado ou
totalmente proibida de advogar. (...)” (NR).
E
o PL 3985 prossegue criando o artigo 16-A e seus parágrafos:
“Art.
16-A Bacharéis e outros profissionais, com graduação em curso de nível
superior, poderão integrar a sociedade simples de advocacia, desde que exerçam
atividade correlata com à advocacia e, cumulativamente, contribuam para os
serviços prestados pela respectiva sociedade.
§1º É vedada a
mercantilização das atividades exercidas pelos sócios mencionados no caput
deste artigo.
§2º Nenhum profissional
integrante de sociedade de advogados poderá integrar mais de uma sociedade,
seja ela simples ou unipessoal.
§3º Nas sociedades de
advogados, a escolha do sócio administrador não poderá recair sobre pessoa não
inscrita nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.
§4º Nos casos previsto no
caput deste artigo a sociedade simples de advogado deverá ser constituída por,
no mínimo, dois sócios inscritos regularmente nos quadros da Ordem dos
Advogados do Brasil.
§5° Os profissionais
indicados neste artigo estarão sujeitos as obrigações estabelecidas nesta lei,
além do regime próprio a que se subordinem.”
O
citado Art. 16-A, ao permitir que bacharéis e outros profissionais, com
graduação em curso de nível superior, integrem a sociedade simples de
advocacia, condicionou que cumulativamente eles deverão exercer atividade correlata
com à advocacia e que contribuam para os serviços prestados pela respectiva
sociedade.
Fico
pensando na denominada “atividade correlata com à advocacia”, até porque as
espécies de sociedades de advogados somente podem exercer a advocacia, por seus
sócios e advogados associados.
Deve
ser lembrado que: É vedada a divulgação de advocacia em
conjunto com outra atividade (§
3º,
Art. 1º, Lei
8.906).
O
objeto social da sociedade é a colaboração recíproca na advocacia, cujos
serviços são prestados exclusivamente pelos sócios e associados, em conjunto ou
individualmente, na forma da Lei nº 8.906/1994.
Aliás,
o Provimento 112/2006 do Conselho Federal da OAB, em seu Art. 2º., II, que: “ -
o
objeto social, que consistirá, exclusivamente, no exercício da advocacia,
podendo especificar o ramo do direito a que a sociedade se dedicará;”
Sem
necessidade este dispositivo que se pretende a inclusão na Lei 8.906, porque
não há sentido, de qualquer espécie, em desnaturar a estrutura societária das
Sociedades de Advogados, autorizando-se a multidisciplinaridade, que só permite
sejam sócios os advogados inscritos nas Seccionais da OAB.
A
pretendida diluição da especialidade jurídica será danosa.
A
Advocacia é uma profissão que exige não apenas conhecimento específico, mas
também um compromisso ético e moral com a justiça e a legalidade.
Permitir
que indivíduos não licenciados como advogados integrem sociedades de advocacia
dilui o caráter especializado da profissão.
Os
riscos são Éticos e Legais, porque introduzir profissionais de outras áreas nas
Sociedades de Advogados abre portas para conflitos de interesse e riscos éticos
significativos.
A
advocacia possui um Código de Ética rigoroso, projetado para proteger a
confidencialidade e os interesses dos clientes. Profissionais não vinculados
por este Código podem inadvertidamente comprometer esses princípios, levando a
consequências legais e danos à reputação da Sociedade de Advogados.
Isso
pode levar a uma degradação da qualidade dos serviços jurídicos prestados, porque
membros não advogados poderiam influenciar decisões e estratégias legais sem
possuir a formação adequada ou o compromisso ético requerido pela OAB.
Ao
abrir as Sociedades de Advogados para a participação de capital e influência
externa, corre-se o risco de priorizar o lucro em detrimento da justiça e da
integridade legal. Isso contradiz diretamente o espírito do Estatuto da
Advocacia e do Código de Ética da OAB, que visam preservar a Advocacia como uma
função essencial à Justiça, e não como um mero negócio.
Os
profissionais, não advogados, que eventualmente prestam serviços às Sociedades
de Advogados não precisam ser sócios destas. A admissão serviria certamente
para possibilitar a ingerência de capital estranho na Sociedade de Advogados, o
que implicaria na mercantilização desta.
O
Código de Ética e Disciplina da OAB traz em seu artigo 5º: “Art.
5º O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de
mercantilização.”,
que pode ser completado com o artigo 7º. “Art. 7º É vedado o oferecimento
de serviços profissionais que implique, direta ou indiretamente, angariar ou
captar clientela.”
Os
parágrafos do Art. 16-A se relacionam exclusivamente a não advogados. Sem
sentido o Caput do Art. 16-A, os parágrafos seguem o mesmo fim.
Um
outro ponto, diz respeito é quanto à responsabilidade, que na forma do artigo
17 da Lei 8.906, é:
Art. 17. Além da sociedade, o sócio e o titular da
sociedade individual de advocacia respondem subsidiária e ilimitadamente pelos
danos causados aos clientes por ação ou omissão no exercício da advocacia, sem
prejuízo da responsabilidade disciplinar em que possam incorrer. (Redação dada
pela Lei nº 13.247, de 2016).
O
PL 3985 traz o risco de atos serem praticados pelos “bacharéis e outros
profissionais, com graduação em curso de nível superior”, autorizados a
ingressarem na Sociedade, sem assumirem a responsabilidade dos sócios advogados
(Art. 17), porque somente estes estão habilitados e exercem a advocacia, têm o jus
postulandi.
Outra
questão, o PL 3985 afetará a incidência da tributação, atualmente, do ISSQN,
que as legislações municipais exigem que as sociedades regulamentadas, listadas
no Decreto-lei nº 406/1968, com redação dada pela Lei Complementar nº 56/87,
sejam formadas com profissionais
de mesma habilitação. Isso sem falar nos reflexos que o PL poderá, se
convertido em Lei, impactar a tributação prevista na Reforma Tributária
aprovada, que em breve deverá ser regulamentada.
O
risco de infrações éticas (Lei 8.906, Art. 34, III - valer-se de agenciador
de causas, mediante participação nos honorários a receber; IV - angariar ou
captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros;), geradas pelos “bacharéis
e outros profissionais, com graduação em curso de nível superior” estará
presente.
O
PL 3985, embora possa ser motivado por uma intenção de modernizar e
diversificar a prática da Advocacia, representa uma ameaça significativa à
integridade, ética e qualidade da profissão jurídica.
A
Advocacia, como uma das profissões mais antigas e respeitadas, deve manter seu
caráter especializado e seu compromisso inabalável com a Ética e a Justiça.
Conversei
com o Professor Paulo Roberto de Gouvêa Medina, Medalha Rui Barbosa, que lhe
foi entregue durante a abertura da XXII Conferência Nacional dos Advogados, no
Rio de Janeiro, sobre o PL 3985, que se manifestou: “De pleno acordo com
sua objeção ao malsinado projeto. Trata-se, na verdade, de um “Cavalo de
Tróia”. Com ele, se introduzem na profissão pessoas a ela estranhas; burla-se o
Exame de Ordem, bem como o sistema de incompatibilidade, possibilitando-se a
prática disfarçada de atos privativos de advogados a quem não se acha
habilitado ou exerce funções que o impossibilitam de advogar; alarga-se o campo
propício à transformação da advocacia em atividade empresarial; põe-se em risco
a observância do Código de Ética. Há, por outro lado, antiga tentativa de
amesquinhar a advocacia ou torná-la profissão de nível tecnológico. Lembro que
já se pretendeu reduzir o curso de graduação em Direito a três anos. E permitir
a composição de currículos sem exigência de disciplinas jurídicas básicas.”
Espera-se
que o PL 3985 seja rejeitado no Congresso Nacional.
Com a palavra o Conselho Federal da
OAB.