A
CONSTITUCIONALIDADE DA RESTRIÇÃO DE DIREITOS DO DEVEDOR – ART.
139, IV NCPC
Ana
Luisa Naves
Advogada Associada de Homero Costa
Advogados
Thayná
Bastiani
Sócia de Homero Costa Advogados
Bernardo
José Drumond Gonçalves
Sócio de Homero Costa Advogados
O advento do
Novo Código de Processo Civil buscou aperfeiçoar dispositivos legais já
existentes no código anterior e dar maior efetividade à jurisdição.
Sabe-se, não
é de hoje, que a satisfação de créditos executados é o ponto fraco do nosso
ordenamento jurídico, sendo indispensável a busca por novas sanções executivas
capazes de coagir o devedor ao cumprimento da obrigação pecuniária por ele
assumida.
Dentre as
inovações mais comentadas do Novo Código de Processo Civil, encontra-se
justamente uma modalidade de sanção coercitiva de cumprimento de obrigação,
qual seja, a possibilidade de se restringir direitos individuais do devedor
para satisfação de obrigações pecuniárias por ele assumidas (art. 139, IV).
O referido
dispositivo traz a possibilidade de o juiz determinar todas as medidas
indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para
assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por
objeto prestação pecuniárias. Logo, com o intuito de satisfazer as execuções,
podem ser estabelecidas medidas restritivas, para que a obrigação de pagar
quantia certa seja cumprida.
Inexiste um
rol taxativo de medidas coercitivas que possam ser determinadas. Contudo,
apesar do curto tempo de vigor da nova legislação, entende-se que medidas de
execução indireta, como apreensão do passaporte ou carteira de motorista,
proibição de participar de licitações e concurso público, bem como a de
contratar novos funcionários, além do bloqueio de cartões de crédito e gozo de
clube de vantagens.
Por se
tratarem de medidas que afetam diretamente direitos fundamentais dos devedores,
o dispositivo vem gerando discussões entre doutrinadores e magistrados.
Discute-se, acima de tudo, a constitucionalidade do texto legal, que muitas
vezes acaba sendo interpretado como fonte para medidas arbitrárias e
autoritárias.
Apesar de
merecerem respeito os entendimentos contrários, há de se ressalvar que, na
realidade, a possibilidade de se restringir direitos dos devedores deve ser
encarada como um estímulo às negociações e, portanto, como uma forma avançada e
eficaz de satisfação do crédito.
A Escola
Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) manifestou seu
posicionamento constitucional acerca do assunto, reconhecendo que “O art. 139,
IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de
medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial,
inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução
baseado em títulos extrajudiciais”.
Há de se
ressalvar que as medidas restritivas somente são tomadas mediante o prévio
esgotamento dos meios tradicionais de satisfação do débito, o que afasta
qualquer argumentação de arbitrariedade do procedimento.
Uma vez
configurada essa hipótese, conclui-se ser, portanto, cabível o deferimento da
suspensão de prerrogativas afetas a viagens ao exterior, ao usufruto de bens e
patrimônios, enquanto o crédito devido/executado não for satisfeito, a exemplo
da utilização de cartões de crédito, direção automotiva, de aeronaves ou
embarcações e clubes de vantagens.
Portanto, as
medidas coercitivas não devem ser interpretadas como privação das garantias
fundamentais do devedor, mas sim, como uma privação aos excessos que possam
estar inviabilizando a satisfação do crédito devido.
A aplicação
do artigo 139, IV do Novo Código de Processo Civil visa viabilizar a satisfação
do crédito execução, que vem sendo procrastinada pelo devedor, que, mesmo
possuindo condições de pagar a dívida, tenta ocultar seu patrimônio e frustrar
a execução.
Sendo assim,
deduz-se que não se trata de incentivo ao autoritarismo ou à discricionariedade
das decisões. Acredita-se na imposição dessas medidas de maneira responsável,
excepcional e constitucional, garantindo ao devedor todos os direitos de contra
argumentação, sem abuso ou restrição incoerente de seus direitos.
Por óbvio,
tais medidas não podem chegar ao ponto de ferir a dignidade e a subsistência do
devedor, devendo ser preservadas sobre bens/direitos essenciais à sobrevivência
do executado, e sim sobre os excessos.
A título de
exemplo, não caberia a restrição da carteira de motorista de um devedor que
precisa de seu automóvel para sua subsistência, como um taxista. E é dessa
forma que tais restrições já vêm sendo aplicadas.
Em São Paulo,
a juíza Andréa Ferraz Musa da 2ª Vara Cível - Foro Regional XI – Pinheiros,
buscando a eficácia do processo, decidiu restringir direitos patrimoniais do
devedor, utilizando-se de razoabilidade e sem ofender a dignidade do executado,
salientando que “As medidas excepcionais terão lugar desde que tenha havido o
esgotamento dos meios tradicionais de satisfação do débito, havendo indícios
que o devedor usa a blindagem patrimonial para negar o direito de crédito ao
exequente. Ora, não se pode admitir que um devedor contumaz, sujeito passivo de
diversas execuções, utilize de subterfúgios tecnológicos e ilícitos para
esconder seu patrimônio e frustrar os seus credores. A medida escolhida,
todavia, deverá ser proporcional, devendo ser observada a regra da menor
onerosidade ao devedor (art. 805 do Código de Processo Civil).Por fim,
necessário observar que a medida eleita não poderá ofender os direitos e
garantias assegurados na Constituição Federal. Por exemplo, inadmissível será a
prisão civil por dívida” (Processo 4001386-13.2013.8.26.0011; 25 de agosto de
2016).
Nesse
sentido, o dispositivo deve ser interpretado como uma ferramenta constitucional
a ser aplicada com razoabilidade, viabilizando a eficiência e celeridade
processual, sem deixar de observar as garantias fundamentais respaldadas pela
Constituição Federal.