“ONDE PASSA UM BOI, PASSA UMA BOIADA?”[1]
Daniela
Villani Bonaccorsi*[2]
Sócia do Homero Costa Advogados
Nos
próximos capítulos do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal sobre a
inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006 (posse para consumo de drogas
ilícitas), em seguida ao “surpreendente” e longo voto do relator ministro
Gilmar Mendes, que entendeu pela descriminalização da posse para consumo de
drogas ilícitas, o próximo a votar seria o mais novo em tempo de corte, Edson
Fachin.
Após
ambiente político acirrado, pediu vista, interrompeu o julgamento, e devolveu
na presente data, após cinco dias uteis. Questionado durante a sabatina pela
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania que o aprovou para ocupar a vaga
deixada por Joaquim Barbosa, em relação à descriminalização respondeu “onde passa um boi, passa uma boiada”(...)
Quem abre uma fresta para as
drogas, muitas vezes, não consegue segurar as outras portas da casa (...).
A
porta já está escancarada há tempos... não há como esconder a falência do
controle do narcotráfico, a violência , corrupção e verdadeiro
hiperencarceiramento no sistema penal. O poder punitivo vai além de todas as
garantias constitucionais e o debate público sobre a questão é impregnado de
preconceitos que impedem uma discussão racional e democrática.
Hoje um em cada quatro presos respondem
por tráfico, sem qualquer critério legal diferenciador das condutas desse e do
que portava droga para uso pessoal.
A preocupação vai além de “segurar as portas da casa” vai além do
discurso de quantidade ou direito do ser humano de consumir o que bem entender,
de forma saudável ou não... É discurso que diz respeito a uma visão
constitucional do direito penal que deve garantir uma proteção a bens
jurídicos.
A proibição de condutas consideradas
“desviadas” que não afetam qualquer bem jurídico diante de uma conduta
considerada “imoral” que não lesione o direito de outrem, não é objeto do
direito penal. Tais condutas, não repercutem diretamente sobre qualquer bem de
terceiro, de modo que o Estado "não deve se imiscuir coercitivamente na
vida moral dos cidadãos e nem tampouco promover coativamente sua moralidade,
mas apenas tutelar sua segurança, impedindo que se lesem uns aos outros”.(CARVALHO, Salo. Aplicação da pena e garantismo.
Rio de Janeiro, 2001, p. 9). Cada indivíduo decide pelo próprio modo de ser e
de viver.
O cigarro e o álcool, drogas
permitidas, que há poucos anos eram sinônimos de esportes radicais e
socialização em pleno intervalo da novela das oito. destroem famílias, saúde,
dinheiro e muito mais sim. Basta abrir qualquer periódico, ou uma caixa de
cigarro, para assistir o que o alcoolismo pode fazer com a instituição
familiar, o que os filhos herdam de um pai alcoólatra, bem como os inúmeros
males que o tabaco permitido trás.
Não, não queremos que nossos filhos
apareçam com um cigarro de maconha na mochila da escola, porque é uma grande
bobagem, porque faz mal pra saúde, porque é uma perda de tempo. Também não
queremos que apareçam com um maço de cigarro nem uma garrafa de whisky. Mas, o
mais difícil, é reconhecer que a escolha é deles.
Professor Leonardo Yarochewsky
(fonte: http://www.conjur.com.br/2015-ago-25/leonardo-yarochewsk-guerra-drogas-mata-proprias-drogas, acesso em 31/08/2015), citando Maria
Lúcia Karan, em recente artigo, descreve a grande falácia dos que insistem em
afirmar que a impunidade da posse de drogas para uso pessoal incentivaria a
disseminação das drogas: “Uma análise mais racional revela que tal afirmação
não parte de dados concretos, sendo mera suposição, que também seria possível
fazer num sentido oposto, pois não é irrazoável pensar que a ameaça de punição
pode, não só ser inócua no sentido de evitar o consumo, como até funcionar como
uma atração a mais notadamente entre os jovens e adolescentes, setor onde o
problema é especialmente preocupante” (Karam, Maria Lucia. De crimes, penas e fantasias.
Niterói, RJ: Luam, 1991). Há quem tenha uma posição liberal em relação às
drogas, mas que jamais tenha feito uso de maconha.
Há
a necessidade de se acabar com estigmatização de pessoas que optaram pelo uso
drogas sem causar danos a outras pessoas. Ao invés de preconceitos e visões
equivocadas sobre o mercado de drogas, uso de drogas e tóxico- dependência, que
se “aprende” em programas e revistas “sensacionalistas”.
É hora de investir em atividades que
possibilitem a prevenção do o uso de
drogas por jovens e literalmente ignorar mensagens simplistas como as palavras
de ordem “Basta dizer não” ou “Tolerância zero”, como de representantes do
Ministério Público que utilizando de discurso infundado sobre o tema, chegou a
afirmar que 90% dos usuários de maconha são viciados, dado este
classificado como piada por médicos. (fonte; http://justificando.com/2015/08/24/a-que-veio-o-ministro-edson-fachin/, acesso em 31/08/2015).
Necessário
substituir as estratégias de combate às drogas impostas por visões ideológicas
e conveniência política por estratégias focadas em conhecimento científico,
saúde, segurança e direitos humanos, com critérios adequados e fundamentados
para sua avaliação. Revisar a classificação internacional das drogas que contém
aberrações evidentes, como as caracterizações inadequadas quanto à nocividade
de algumas drogas. As convenções internacionais vigentes devem ser
interpretadas e/ou revisadas de forma a acolher a implantação de políticas
experimentais de redução de danos, descriminalização e regulação legal de
determinados tipos de drogas.
A
boiada já está solta. Solta e perdida.
A
criminalização do uso de drogas torna invisível o problema social, carcerário,
estigmatiza e marginaliza usuários de drogas tratados como criminosos e
excluídos da sociedade. Surge a oportunidade para postular mudanças,
extirpando-se o porte de drogas e tornando a política criminal menos irracional
e desumana. “Temos de tornar cada uma de nossas escolhas interessante. Isso só
é possível quando temos simpatia pela vida e pelos outros - o que parece
básico, mas não é no mundo de hoje. A falta de interesse pelo mundo e pelos outros
é o que pode nos acontecer de pior.” (fonte: http://www.fronteiras.com/entrevistas/contardo-calligaris-nao-quero-ser-feliz-quero-e-ter-uma-vida-interessante,
acesso em 31/08/2015).
[1] Expressão
utilizada pelo Ministro Luiz Edson Fachin em sabatina na Câmara de Constituição
e Justiça do Senado que aprovou
sua indicação
para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, por 20 votos a 7 Fonte: http://www.conjur.com.br/2015-mai-12/aprovado-sabatina-fachin-deu-detalhes-posicionamentos: acesso em
31/08/2015
[2] Advogada
Criminalista. Mestre e Doutora em Direito Processual Penal. Professora nos
curso de graduação da PUC/MG e pós-graduação da PUC/MG e Faculdade Milton
Campos.