DIREITO DE CONCORRÊNCIA
HEREDITÁRIA NO REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS
Bernardo José Drumond Gonçalves
Advogado Sócio
do Escritório Homero Costa Advogados
Manoella Queiroz Duarte Freitas
Estagiária do
Departamento Empresarial do Escritório Homero Costa Advogados
Ao julgar o Recurso
Especial nº 992.749[1], que tratou sobre o afastamento do direito sucessório
do cônjuge supérstite (sobrevivente), no caso da separação convencional de
bens, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), em relatoria da Relatoria da
Ministra Nancy Andrighi, deu tratamento esclarecedor ao texto de lei vigente.
No caso específico,
foi interposto Recurso Especial contra acórdão proferido pelo Tribunal de
Justiça do Mato Grosso do Sul, no qual havia sido reconhecido o direito
hereditário ao cônjuge “sobrevivente”, apesar de ser casado sob o regime de
separação de bens.
Inconformados com a
decisão, os herdeiros do falecido recorreram ao Superior Tribunal de Justiça,
que deu provimento ao recurso, reconhecendo que o cônjuge “sobrevivente” não seria
herdeiro necessário:
(...) Cônjuge
sobrevivente casado pelo regime de separação convencional de bens, celebrado
por meio de pacto antenupcial por escritura pública. Interpretação do art.
1.829, I, do CC/02. Direito de concorrência hereditária com descendentes do
falecido. Não ocorrência.
Antes de se adentrar
à discussão sobre o julgado, é importante ressaltar os atuais regimes de bens
tipificados no Código Civil:
- comunhão parcial;
- comunhão universal;
- separação total; e
- participação final nos aquestos.
Esses regimes
tipificados não são taxativos, podendo o casal escolher um dos regimes
tipificados, adequar um dos regimes específicos ou, até mesmo, adotar um regime
misto. Neste sentido, o Enunciado 331 da IV Jornada de Direito Civil.
Em relação à
possibilidade de escolha do regime pelos nubentes, antes da Lei do Divórcio
(Lei nº 6.515/77), sabe-se que a modalidade supletiva era o da comunhão
universal de bens. Com o advento dessa lei, passou-se então a adotar a comunhão
parcial – aplicável diante da invalidez ou da própria ausência do pacto
antenupcial.
Após a escolha do
regime de bens, é necessário lavrar-se o pacto antenupcial, que apenas será
dispensado para realização do casamento no caso da comunhão parcial (artigo
1.640, parágrafo único, do Código Civil).
Especificamente
quanto ao regime de separação de bens, em regra, o patrimônio dos cônjuges não
se comunica, permanecendo sob a administração exclusiva de cada um, podendo até
ser alienado ou gravado de ônus real. Segundo a Súmula 377 do Supremo Tribunal
Federal, nesse regime, apenas os bens adquiridos na constância do matrimônio
seriam comunicáveis.
A decisão do STJ,
contudo, exclui a possibilidade de o cônjuge sobrevivente, casado pelo regime
de separação de bens na espécie “convencional”, ter direito à concorrência
hereditária com descendentes do cônjuge falecido. No caso em referência, as
partes escolheram em seu pacto antenupcial pela incomunicabilidade de
patrimônios adquiridos tanto antes, quanto após o casamento, inclusive
rendimentos e frutos. Em outras palavras, foi priorizada a liberdade e
autonomia da vontade privada e o princípio pacta sunt servanda.
A esse respeito, ao
concluir que em nenhuma das hipóteses de separação de bens cabe direito a meação
ou herança, a Ministra Relatora consignou:
(...)
Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à
meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens
estipulado, que obriga as partes na vida e na morte.
Essa
posição do STJ traz interpretação, no mínimo, esclarecedora, em relação à
literalidade do artigo 1.845 do Código Civil, que elenca o cônjuge como um dos
herdeiros necessários, ignorando as particularidades atinentes aos regimes de
bens.
Não obstante,
sabe-se que, nem sempre, o cônjuge supérstite será herdeiro necessário. Ainda
que se leve em consideração a literalidade do artigo 1.829 do Código Civil, que
elenca a “separação obrigatória de bens”
como uma daquelas em que estariam excluídas da ordem de sucessão legítima.
Com base
nessa leitura, parte da doutrina, representada por Walsir Edson Rodrigues
Júnior[2] e Mauro Antonini[3], aponta favoravelmente à inclusão do
cônjuge, mesmo casado sob o regime de separação de bens, como herdeiro:
“uma
vez que o inciso I exclui a concorrência no regime da separação obrigatória de
bens, sem mencionar a separação convencional, passou-se a entender na doutrina
que, sendo convencional, o cônjuge concorre à herança em todos os bens.”
Nessa
mesma linha, o posicionamento do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - ARROLAMENTO SUMÁRIO – EXCLUSÃO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE - SEPARAÇÃO UNIVERSAL DE BENS – REGIME CONVENCIONAL E NÃO OBRIGATÓRIO - DIREITO Á SUCESSÃO LEGÍTIMA - INTELIGÊNCIA DO ART. 1829, I, DO CC/02. 1. Não há falar em cerceamento de defesa se a parte teve acesso aos autos e aos documentos acostados. 2. O art. 1.829, inciso I, do CC/02, prevê o direito do cônjuge sobrevivente à sucessão legítima em concorrência com os descendentes, não configurando óbice o regime convencional da separação universal de bens, porquanto a exceção prevista na norma diz respeito ao regime de separação obrigatório previsto no art. 1640, parágrafo único, do mesmo diploma legal. (TJMG, Oitava Câmara Cível, Processo nº 1.0479.03.050346-6/001, Relator: Des. Elpídio Donizetti, Data do julgamento: 12/07/2012) (Grifou-se).
EMENTA:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO - DIREITOS SUCESSÓRIOS - CÔNJUGE SOBREVIVENTE - REGIME DA SEPARAÇÃOCONVENCIONAL DE BENS - ARTIGOS 1.829, INCISO I E 1.845, AMBOS DO CC/02 -
INTERPRETAÇÃO - CÔNJUGE COMO
HERDEIRO LEGÍTIMO E NECESSÁRIO, EM CONCORRÊNCIA COM OS HERDEIROS DO AUTOR DA
HERANÇA - REMOÇÃO DO INVENTARIANTE - ART.995 DO CPC - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO
DE CONDUTA ILÍCITA, DESLEAL OU ÍMPROBA - REGULAR ADMINISTRAÇÃO DO ESPÓLIO -
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE REMOÇÃO – RESPEITO. À ORDEM LEGAL PREVISTA NO ART.
990 DO CPC. A mais adequada
interpretação, no que respeita à separação convencional
de bens, é aquela que
entende ter o cônjuge direitos
sucessórios em concorrência com os herdeiros do autor da herança, sendo essa,
de resto, a interpretação literal e lógica do próprio dispositivo. Soma-se a
isso o fato de que o direito à meação não se confunde com o direito à sucessão. Ademais, através da
detida análise dos elementos trazidos aos autos, neste momento processual, não
há como concluir, em juízo de cognição sumária, pela ilicitude na conduta do
agravante/inventariante, o que justifica sua manutenção no cargo, mesmo porque
respeitada está a ordem legal prevista no art.990 do CPC. (TJMG, Primeira
Câmara Cível, Processo nº 1.0024.09.514308-7/001, Relator: Des. Geraldo Augusto, Data do julgamento: 13/12/2011)
(Grifou-se)
No mesmo sentido, outros tribunais estaduais vêm aplicando esse
posicionamento, como é o exemplo do TJRS e TJSP:
EMENTA: INVENTÁRIO. ORDEM DE VOCAÇÃO
HEREDITÁRIA. CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM O FILHO. CABIMENTO. 1. A
lei que rege a capacidade sucessória é aquela vigente no momento da abertura da
sucessão. Inteligência dos art. 1.787 do CCB. 2. Tendo o casamento sido realizado pelo regime da separação convencional
de bens, a cônjuge supérstite deve ser chamado para suceder, concorrendo com o
filho do casal aos bens deixados pelo falecido. 3. Se a cônjuge supérstite
cedeu os seus direitos hereditários à irmã do falecido, é descabida a exclusão
da cessionária do processo de inventário. Inteligência do art. 1.829, inc. I,
do CCB. (TJRS, Sétima Câmara Cível, Processo nº 70054717319, Relator: Des.
Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Data do julgamento: 21/05/2013) (Grifou-se)
AGRAVO
DE INSTRUMENTO. ARROLAMENTO. Sucessão testamentária e legítima. Casamento pelo regime da separação
convencional de bens. Cônjuge supérstite é herdeiro necessário do "de
cujus" e concorre com os descendentes na legítima, ainda que beneficiado
em testamento com 50% dos bens do espólio. Inteligência
dos artigos 1.829, I, e 1.845, do Código Civil. Recurso provido. (TJSP, Quarta Câmara de Direito Privado, Processo nº
0080738-58.2012.8.26.0000, Relator: Des. Milton Carvalho, Data do
julgamento: 30/08/2012) (Grifou-se)
Nesse
contexto, a divergência entre o posicionamento jurisprudencial dos Tribunais
Pátrios merece severa atenção não somente dos aplicadores do direito, como
também de todos os casais pretendam enlaçar-se ou que já o tenham feito, sob o
regime de separação de bens.
Daí a
necessidade da realização de um planejamento sucessório, o que ao menos
direcionará a repercussão patrimonial em caso de óbito.
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