quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

CASSINOS NO BRASIL: UMA PROIBIÇÃO ULTRAPASSADA


                                                                                                                                                                

Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

Nathália Caixeta Pereira de Castro

Estagiária de Homero Costa Advogados

 

 

Os jogos de cassinos foram legalmente proibidos no Brasil na década de 1940, quando o então presidente Eurico Gaspar Dutra emitiu o Decreto Lei 9.215/46, vedando o funcionamento dos chamados “jogos de azar” em todo o território nacional, autorizados em 1934, sob a presidência de Getúlio Vargas.

 

Tal ato, defendido primordialmente com base na moral religiosa da Primeira-dama da época, resultou no desemprego de brasileiros, fechamento de empresas e enfraqueceu o turismo no país. De acordo com a história, foi sob essa influência que Dutra utilizou de seu presidencialismo para dar início à vigência do Decreto Lei que proibiu a prática e a exploração dos cassinos no Brasil.

 

Essa falsa ótica moralista imposta pela família do presidente, entretanto, levou à baixa do faturamento do turismo no Brasil e, consequentemente, a perda de emprego de brasileiros.

 

Não fosse suficiente, tal interdição culminou também no queda da arrecadação de impostos, prejudicando a União, Estados e Municípios, o que permanece por todas estas últimas 7,5 décadas, porque a atividade clandestina dos cassinos continua existindo desde então, conforme noticiado pelas operações policiais e veiculados nas mídias.

 

Estima-se em milhões de reais o faturamento dos “Jogos do Bicho” no país, que deixam de contar com a entrada dos respectivos impostos. A legalização não é levada a termo pela própria inércia legislativa.

 

Quem quer testar a sorte nos jogos, ainda precisa recorrer a viagens ao exterior, como, por exemplo, a Las Vegas, nos Estados Unidos, ou a Macau, na China, locais cuja receita é relevantemente engrandecida graças aos jogadores, especialmente compostos por turistas.

 

No Brasil, o que mais se aproxima dessa prática são os jogos de loteria, administrados pela União por meio da Caixa Econômica Federal, e também com as loterias estaduais. Nessa consoante, o Estado restringe o leque de permissão e regulamentação dos cassinos e, por isso, impede a movimentação de capital que poderia gerar tributação, fomento dos cofres públicos e geração de empregos, enfim, circulação de riquezas.

 

Diversos projetos de lei foram introduzidos ao longo dos anos, tentando trazer evolução legislativa ao que já é adotado em grande parte do mundo. Recentemente, foram apresentados, a exemplo, os PL 530/2019 pela Câmara dos Deputados, e 2.648/2019 e 4.495/2020 pelo Senado, que buscam a implantação dos cassinos como forma de somar ao setor de turismo brasileiro. Vale lembrar, que dos 108 países que formam a Organização Mundial de Turismo, somente dois proíbem o jogo: Brasil e Cuba.

 

Em pesquisa realizada pela Paraná Pesquisas, juntamente com o Instituto Brasileiro Jogo Legal -IJL-, em 2019, foi apontado que a maior parte dos parlamentares do país estão favoráveis à liberação, sendo os contrários majoritariamente compostos por conservadores, como a bancada evangélica. Percebe-se, dessa forma, que essa proibição diz respeito ainda ao tradicionalismo ultrapassado e à dificuldade de progresso de parcela dos representantes legislativos do país.

 

Para se ter uma ideia da arrecadação de impostos e a destinação a outros, vejam o exemplo da famosa Mega-Sena, que traz diretamente do site, http://loterias.caixa.gov.br/wps/portal/loterias/landing/megasena/.  a seguinte frase: “Quem joga na Mega-Sena tem milhões de motivos para apostar e milhões de brasileiros para ajudar. Parte do valor arrecadado com as apostas é repassada ao governo federal, que pode, então, realizar investimentos nas áreas de saúde, segurança, cultura e esporte, beneficiando toda a população.” E a tabela abaixo, obtida no aludido site, é bastante elucidativa para demonstrar a forma de distribuição do valor arrecadado com as apostas:

 

Prognósticos Numéricos                                                                                 Percentual

Prêmio Bruto                                                                                                      43,35%

Seguridade Social                                                                                              17,32%

Fundo Nacional da Cultura - FNC                                                                                      2,92%

Fundo Penitenciário Nacional - FUNPEN                                                                 1%

Fundo Nacional de Segurança Pública - FNSP                                                       9,26%

Ministério do Esporte (Ministério da Cidadania)                                                     2,46%

Fenaclubes                                                                                                          0,04%

Secretarias de esporte, ou órgãos equivalentes, dos Estados e do Distrito Federal        1%

Comitê Brasileiro de Clubes - CBC                                                                                   0,50%

Confederação Brasileira do Desporto Escolar - CBDE                                                       0,22%

Confederação Brasileira do Desporto Universitário - CBDU                                              0,11%

Comitê Olímpico do Brasil - COB                                                                                      1,73%

Comitê Paralímpico Brasileiro - CPB                                                                    0,96%

Despesas de custeio e manutenção:

Comissão dos lotéricos *                                                                                      - 8,61%

Custeio de despesas operacionais -                                                                         9,57%

Fundo de Desenvolvimento de Loterias - FDL -                                                         0,95%  Total                                                                                                                100%

*Comissão dos lotéricos referente às vendas nos Canais Eletrônicos   3,11%

 

Em resumo, a alíquota de 30% (Imposto de Renda) incidirá sobre o pagamento do prêmio bruto (alíquota de 30% sobre 43,35% = 13%_IR) e os restantes 56.65% são destinados aos investimentos em áreas prioritárias para garantir o desenvolvimento social do Brasil, explicitado na tabela acima.

 

É diante desse cenário que se faz necessária a evolução social e política do Brasil em relação aos cassinos, sendo imperioso o reconhecimento de que os jogos são fonte de renda para o país, além de gerarem empregos direta e indiretamente nos setores de comércio e serviço, especialmente no turismo, sem a necessidade de incentivos fiscais.

 

A proibição emanada pelo Decreto Lei 9.215/1946 não é apenas obsoleta, mas, neste Século, em 2020, é inclusive retrógrada. Não encontra embasamento que não seja a religiosidade da época, já sedenta em ser superada em um Brasil tão turístico, onde seriam encontradas grandes vantagens tributárias, econômicas e empregatícias.

 

O coordenador da frente parlamentar dos jogos no Congresso Nacional, deputado Bacelar (Pode-BA) disse: “Esse conjunto de jogos pode gerar 600 mil empregos para o país e cerca de R$ 15 bilhões anualmente de impostos”. Estes 74 anos de perdas devem ser paralisados, o Brasil precisa seguir, saindo da clandestinidade para a legalidade dos jogos, principalmente neste momento peculiar da pandemia gerada pelo Covid-19, que trouxe e trará, ainda, reflexos negativos nos próximos anos.

 

Por esses motivos, as apostas nos “jogos de azar”, ou melhor, nos jogos de sorte, mostram mais aspectos positivos, superando os negativos, estes podendo ser minimizados pela própria legistação. A redução da criminalidade pela falta de regulamentação dos cassinos, bem como a empregabilidade e a tributação são os principais dos vários pontos abarcados pelo avanço dos projetos de lei em tramitação. Espera-se que seja da maioria o posicionamento parlamentar para que o país entre nas estatísticas de concessões legais pelos cassinos e, consequentemente, avance também em outros setores necessários, inclusive os sociais.

 

Façam suas Apostas!

A ISENÇÃO TRIBUTÁRIA DO IMPOSTO SOBRE A RENDA NO CASO DE MOLÉSTIAS GRAVES

 

Gustavo Pires Maia da Silva

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados




A isenção tributária é conceituada como um ato de dispensa do crédito tributário que tem natureza infraconstitucional e que impede o nascimento de origem do tributo, conforme dispõe o Artigo 175 do Código Tributário Nacional. De acordo com a Constituição da República de 1988 (“CR/1988”) e o Código Tributário Nacional (“CTN”) a isenção sempre vai derivar da lei. 

A isenção é a dispensa legal do pagamento do tributo devido, verificando-se em uma situação na qual há legitima incidência, porquanto se deu um fato gerador, e o legislador, por expressa disposição legal, optou por dispensar o recolhimento do tributo. 

O Código Tributário Nacional apresenta o regramento da isenção tributária nos Artigos 176 a 179, sendo que sua aplicação está condicionada à interpretação literal prevista no Artigo 111 do mesmo diploma legal. 

A Carta Magna concebeu inúmeros mandamentos que garantem a proteção e os direitos das pessoas com doenças graves, sendo um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, consoante Artigo 1º, Inciso III. Apresenta, ainda, como fundamental, o direito à saúde. 

A legislação prevê a isenção do imposto de renda para portadores de doenças graves, sobre os rendimentos relativos a aposentadoria, pensão ou reforma (outros rendimentos não são isentos), incluindo também a complementação recebida de entidade privada e a pensão alimentícia. 

Os valores recebidos a título de pensão em cumprimento de acordo ou decisão judicial, ou ainda por escritura pública, inclusive a prestação de alimentos provisionais, estão abrangidos pela isenção de portadores de moléstia grave. 

Conforme Artigo 6º, Inciso XIV, da Lei nº 7.713/88, ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas: os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma. 

Para ter direito à isenção, com a identificação da doença grave, o contribuinte deverá procurar o serviço médico oficial da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para que seja emitido laudo pericial comprovando a moléstia. O laudo deverá ser apresentado à fonte pagadora para que esta, verificando o cumprimento de todas as condições para o gozo do benefício, deixe de reter o imposto de renda na fonte. 

A isenção do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física por motivo de moléstia grave não dispensa o contribuinte de apresentar a Declaração do IRPF caso ele se enquadre em uma das condições de obrigatoriedade. 

Vale ressaltar que no Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Og Fernandes votou no julgamento do Recurso Especial nº 1.814.919/DF e no julgamento do Recurso Especial nº 1.836.091/PI, que a isenção do IR não se aplica "aos rendimentos do portador de moléstia grave que está no exercício da atividade laboral". Ele foi seguido pelos ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães, Regina Helena Costa, Francisco Falcão e Herman Benjamin. Apenas Napoleão Nunes Maia Filho foi contrário. 

Cumpre esclarecer que, como regra, as pessoas portadoras de doenças graves são tidas como impossibilitadas e/ou incapacitadas, razão pela qual, consequentemente, essa conduta sobre a isenção do imposto de renda é adequada à capacidade de cada contribuinte quanto ao seu pagamento, fundamentando aí a questão humanitária, porque essas pessoas não possuem capacidade para o trabalho, não podendo ser comparadas com pessoas nas melhores condições de saúde. 

Frente ao exposto, apesar de termos no Brasil uma legislação tributária bastante complexa, com muitas singularidades, é de extrema importância que o cidadão portador de moléstia grave esteja atento ao que evidencia a Lei nº 7.713/88, para gozar do seu direito de não pagar o Imposto de Renda nos casos em que se configure a isenção tributária.

RACISMO NO AMBIENTE DE TRABALHO

 



Orlando José de Almeida 

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados 



Cristina Simões Vieira 

Estagiária de Homero Costa Advogados 



O racismo e o preconceito como é de conhecimento comum são fenômenos que acompanham a humanidade há séculos. 



Recentemente o tema vem merecendo destaque na mídia devido ao cometimento de atos de intolerância racial, como o ocorrido nos Estados Unidos, em razão de uma abordagem brutal de um policial contra um cidadão americano de nome George Floyd, que morreu suplicando por sua vida enquanto era asfixiado. A atrocidade reacendeu o movimento ativista internacional, intitulado Vidas Negras Importam, contra a violência direcionada às pessoas negras. 



Realçamos outro acontecimento que ganhou relevância internacional e que ocorreu no início de uma partida de futebol, que estava sendo realizada na França no torneio da Copa dos Campões, entre os times Paris Saint-Germain Football Club - PSG x Istanbul Basaksehir, em 08/12/2020. O quarto árbitro, o romeno Sebastien Coltescu, foi acusado da prática de racismo contra um membro da comissão técnica do time turco de nome Pierre Webo. Em protesto os jogadores das duas equipes resolveram interromper a partida e se retiraram do campo. A UEFA se pronunciou repudiando ao ato e se comprometeu a abrir uma investigação. 



E como sabemos no Brasil não é diferente. Aliás, é contraditório o fato de sermos um país multiétnico e o racismo ainda ser tão marcante. 



Merece ser realçado que o assunto não guarda reprovação apenas de grande parte da sociedade, por intermédio de veiculação de notícias, mas o racismo é também desaprovado pela legislação estrangeira e nacional. 



No dia 09 de novembro do ano em curso (2020), a Câmara dos Deputados aprovou a adesão do Brasil à Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. O texto consta do Projeto do Decreto Legislativo nº 861/17, que seguirá para o Senado. Como noticiado, a convenção veda “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, em qualquer área da vida pública ou privada, com o propósito ou efeito de anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados partes”. 



Aliás, a matéria foi objeto de recente artigo intitulado “DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA: O PAPEL DO DIREITO NA LUTA ANTIRRACISTA” [i], da lavra dos integrantes do Escritório Homero Costa, Stanley Martins Frasão e Nathália Caixeta Pereira de Castro. 

E mais, especificamente quanto ao direito do trabalho, destacamos em breve síntese: 

A Declaração dos Direitos Humanos, nos itens 1 e 2 do art. 23, estabelece in verbis:[ii]


1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 

2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 



A Convenção nº 111, da OIT, da qual o Brasil também é signatário, define no artigo 1º a discriminação como “toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão”. [iii]



Já a nossa Lei Maior, a Constituição Federal promulgada em 1988, dispõe que: 



Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: 

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: 

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. [iv]



Devido a imensurável importância, constata-se que o legislador, visando o equilíbrio nas relações de emprego, vem procurando criar mecanismos para abolir a discriminação no ambiente do trabalho. 



Nesse contexto a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, já consagrava: 



Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade. 

§ 1º. O Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos. 



E mais recentemente, com a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), foi acrescentado ao dispositivo legal: 



§ 6º. No caso de comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferenças salariais devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. [v] 



O conhecimento dos deveres e dos direitos deve fazer parte do dia a dia do trabalhador e do empregador. Estratégias de prevenção devem ser constantes para que as ações baseadas no diálogo construtivo e propositivo evitem a desigualdade social. 

E as desigualdades raciais estão bem refletidas em pesquisa. Confira-se o Perfil da Unidade Geográfica - Remuneração de Empregados (CLT) por Raça/Cor [vi]



O Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) é “destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”, e estabelece que é obrigação do estado promover a “implementação de políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho”.[vii]



Vale realçar que o Estatuto estabelece que, comete crime quem permitir o tratamento diferenciado no ambiente de trabalho e obsta a promoção funcional por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (artigo 60 ao dar nova redação aos artigos 3º e 4º, da Lei 7.716/89), sem contar que “o rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre” a reintegração ao trabalho, com o pagamento das remunerações, ou “a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento” (artigo 61 ao dar nova redação aos artigos 3º e 4º, da Lei 9.029/89). 



Chamamos a atenção, ainda, que encontra em tramitação perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5303/20, de autoria do Deputado Célio Studart (PV-CE), que pretende modificar o artigo 1º, da Lei 7.716/89, para dispor que: “Quando verificada negligência ou omissão, dolosa ou culposa e a ausência de ações efetivas contra atos discriminatórios, os proprietários, administradores e gerentes também responderão criminalmente pelos atos discriminatórios de seus funcionários, em concurso de pessoas, mesmo que terceirizados, que configurem os crimes previstos nesta lei.” 



E consta da proposta legislativa que ”as empresas cujos prepostos, mesmo que terceirizados, cometam os atos discriminatórios previstos nesta lei”, “responderão solidariamente pela reparação dos danos causados às vítimas”, sem contar que em caso de reincidência “em atos discriminatórios realizados por prepostos durante sua atividade empresarial ficarão impedidas de gozar de benefícios fiscais.” 



Diante do exposto, o que pode ser observado é que existe no ordenamento jurídico grande acervo legal com o objetivo de proteger os indivíduos contra atos de racismo, notadamente na legislação trabalhista. Dessa forma, o que se recomenda é a adoção de mecanismos claros por parte dos empregadores orientando os seus colaboradores para que não pratiquem atos de intolerância racial. 




terça-feira, 17 de novembro de 2020

DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA: O PAPEL DO DIREITO NA LUTA ANTIRRACISTA

 

Stanley Martins Frasão

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

Nathália Caixeta Pereira de Castro

Estagiária de Homero Costa Advogados

 

 

O Dia da Consciência Negra é celebrado no Brasil na data de 20 de novembro, em referência a Zumbi, líder do Quilombo de Palmares, que lutou contra a escravidão no Nordeste, até seu falecimento, em 1695.

 

Tal data foi incluída no calendário escolar pelo artigo 79-B, da Lei 10.639/03, e oficialmente instituída no país pela Lei 12.519/11. Apesar de legalmente novo, o Dia da Consciência Negra é pauta de discussão no Brasil desde a década de 1970, quando um grupo de quilombolas gaúchos trouxe à tona o assunto, questionando o legado da escravidão no país, que culminou no trágico assassinato de Zumbi.

 

A despeito de todo reconhecimento trazido junto à celebração do Dia da Consciência Negra, a luta antirracista ainda enfrenta grandes batalhas. É evidente a necessidade da evolução de uma sociedade que, ainda, se mostra segregacional e que carrega o pesado fardo da escravidão no Brasil.

 

Nessa conjuntura, a mídia mostra, com frequência, casos em que o racismo violenta e, até mesmo, mata os negros no Brasil e no mundo. Recentemente, ganhou grande destaque o caso de assassinato de George Floyd, após um policial branco se ajoelhar em seu pescoço até sufocá-lo, mesmo enquanto George pedia por sua vida dizendo “não consigo respirar”. O caso aconteceu em Minnesota, nos Estados Unidos, mas ganhou repercussão mundial.

 

Foi então que ascendeu o movimento “Black Lives Matter” ou, em português,  “Vidas Negras Importam”, criado em 2013 por ativistas negros norte-americanos. O Black Lives Matter teve início com o objetivo principal de combater a violência racista, mas abrangeu sua luta como um movimento pelos direitos da população negra como um todo.

 

É preciso compreender que o racismo não se trata apenas de atitudes visíveis e óbvias, como foi o assassinato de Georde Floyd, mas também da ausência de direitos necessários enquanto reparação histórica pela escravidão. O racismo, antes de tudo, é uma questão estrutural, que acontece de forma sistemática e singela, e que deve ser combatido desde a sua raiz.

 

A plataforma Change.org lançou um abaixo-assinado ‘Justiça para George Floyd’, iniciado em maio deste ano, registrando um fenômeno que se tornou recordista em assinaturas, chegando a 19,6 milhões de apoiadores em todo o mundo, conforme informação obtida em 01/10/2020. O Brasil é o quarto país mais engajado nessa causa, que levou a discussão sobre o antirracismo para um novo patamar de visibilidade.

 

Diante disso, não somente a legislação do país, mas também as outras esferas abarcadas pelo Direito trazem consigo a necessidade de reparar o infeliz legado deixado pela desigualdade racial e, majoritariamente, pelo período da escravatura.

 

A luta antirracista é constante e atual e, por isso, faz-se necessária a devida criação e aplicação de um sistema legislativo e jurídico que abrace essa causa, compreendendo que a Constituição de 1988 é um marco contra a discriminação. O Princípio Constitucional de Igualdade, pelo qual é garantido tratamento isonômico pela Lei, é reiterado no que se refere ao racismo no artigo 4º, VIII:

 

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

(...)

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

 

Dentro do dever de repúdio ao racismo e de reparação histórica, fala-se sobre o sistema de cotas universitárias, por exemplo, que vem com o objetivo de mudar as estatísticas, que sempre mostraram uma menor frequência de negros nos ambientes acadêmicos e que, agora, têm o seu lugar garantido nas universidades. 

O CESA - Centro de Estudos das Sociedades de Advogados realizou um levantamento informal em 2016, junto a alguns dos escritórios associados, que indicou que menos de 1% de todo o quadro profissional é composto por pessoas negras. Segundo o mesmo estudo, nas seleções promovidas para a contratação de estagiários – principal meio de ingresso aos escritórios de advocacia – o número de candidatos negros é ínfimo ou, em alguns casos, inexistente. O CESA lançou o Projeto Incluir Direito, cujo objetivo é a maior participação de negros no universo jurídico e desenvolver uma atuação coerente e afirmativa, que contribua para a redução das desigualdades e da discriminação.

Para maiores informações: http://www.cesa.org.br/projeto_incluir_direito.html

 

Não apenas no âmbito da educação, como também no mercado de trabalho, em campanhas publicitárias, na arte, na moda e em tantas outras esferas sociais, o que se busca é a representatividade e a inclusão devida da população negra em todos os setores e segmentos, que, por tanto tempo, foi marginalizada.

 

É imperioso o entendimento de que a luta antirracista também é uma luta contra a omissão e contra o desleixo diante da carga histórica carregada pelos negros. É uma luta a favor de quem ocupa mais da metade da população brasileira, que assim se declara, e, ainda assim, não goza do mesmo lugar que a branquitude ocupa. Faz-se sempre importante o papel do Direito e dos juristas em buscar não apenas a criação de um corpo legislativo que abomine a discriminação racial, mas que, principalmente, o aplique e o faça respeitado por todos.

 

 

 

 

NÃO INCIDÊNCIA DO ITCD/ITCMD SOBRE HERANÇA OU DOAÇÃO DERIVADAS DO ESTRANGEIRO

 

Gustavo Pires Maia da Silva

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados


O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal iniciou no dia 23/10/2020 o julgamento do Recurso Extraordinário nº 851.108, que tem como tema a constitucionalidade de leis estaduais que estabelecem a incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD/ITCMD) de bens provenientes do exterior.  O Ministro Dias Toffoli, Relator do recurso, e o Ministro Edson Fachin, votaram a favor dos contribuintes, ao definir que os Estados não podem cobrar o imposto. O Ministro Alexandre de Morais pediu vista dos autos e o julgamento foi suspenso em 24/102020. Os demais Ministros ainda não votaram.

 

Na Constituição da República de 1988, o Imposto Sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação foi introduzido na competência impositiva estadual. Perceba o que dispõe o Artigo 155, Inciso I, da CR/88:

 

“Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos;”

 

Muito embora o Artigo 146 da Constituição Federal reclame a fixação antecipada do fato gerador de impostos enumerados na Carta Magna por Lei Complementar, a doutrina e a jurisprudência firmaram entendimento no sentido da recepção do Artigo 35 do Código Tributário Nacional, cujo campo de incidência descrito é menor do que o adotado pelo texto Constitucional vigente.

 

O exercício da competência tributária outorgada a um Ente Político de maneira privativa, com o objetivo de assegurar-lhe autonomia político-administrativa, não pode achar-se ao bel prazer do legislador ordinário.

 

Cumpre ressaltar que, na ausência de normas gerais editadas pela União, o Estado pode exercer a competência legislativa plena para atender a suas peculiaridades.

 

Todavia, por manifesta disposição do texto constitucional, nas circunstâncias abrangidas no §1º, do Artigo 155, da Constituição da República de 1988, o Estado somente pode criar o imposto de conformidade com a regulamentação feita por Lei Complementar. Veja:

 

Art. 155 (...)

“§ 1º. O imposto previsto no inciso I:

III – terá a competência para sua instituição regulada por lei complementar:
a) se o doador tiver domicílio no exterior;
b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior.”

 

A inteligência dessa reserva constitucional encontra-se na necessidade de preservar o Princípio Federativo de Autonomia e Independência dos Estados membros, bem como a harmonia entre eles.

 

Por esta razão, não se empregam nesses casos as disposições dos §§3º e 4º do Artigo 24 da Constituição Federal de 1988, circunstância que poderia conduzir a conflitos de competência tributária, resultando em bitributação, constitucionalmente proibida.

 

Não existe, no momento, Lei Complementar a respeito, pelo que o Fisco de alguns Estados da Federação, como por exemplo, o de São Paulo, não pode exigir o ITCD/ITCMD sobre os bens advindos do exterior, seja na espécie causa mortis, seja na categoria de doação.

 

Compete à Lei Complementar fixar o sujeito ativo do imposto em se tratando de bens oriundos do exterior, para dirimir conflitos de competência impositiva entre os Estados da Federação, o que não existe no momento, e que, portanto, impossibilita a cobrança do imposto pelas Fazendas Públicas Estaduais.

 

Diante do exposto, infere-se pela total impossibilidade da exigência pelos Fiscos Estaduais, do ITCD/ITCMD que recaia sobre bens procedentes do estrangeiro, independentemente da modalidade (herança ou doação), defronte a inexistência de Lei Complementar específica.


CRESCIMENTO DO TELETRABALHO DURANTE A PANDEMIA DECORRENTE DA COVID-19 E CONSEQUÊNCIAS

 

 

 Orlando José de Almeida

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

Cristina Simões Vieira

Estagiário de Homero Costa Advogados

 

 

Em artigo anterior enfatizamos que estamos atravessando um momento sem precedentes, devido à contaminação de milhões de pessoas, em diversos países, em decorrência da COVID-19.[1]

 

E para diminuir deslocamentos, preservar postos de trabalho e, principalmente, a saúde do trabalhador, uma medida que vem sendo amplamente praticada é a adoção do teletrabalho ou do trabalho home office.

 

Essa modalidade foi trazida com a Lei nº 13.467, em 2017, conhecida como Lei da Reforma Trabalhista, quando foi inserida na legislação regramentos a respeito do trabalho realizado no âmbito do domicílio do empregado ou à distância.

 

Nesse contexto, foram acrescentados à CLT os artigos 75-A a 75-E, e o teletrabalho foi conceituado como “prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”.

 

Mas “o comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho”, tal como preceituado no parágrafo único do artigo 75-B.

 

Aliás o contato, mesmo que esporádico, é salutar como forma de evitar o isolamento e de fazer com que o empregado fique mais próximo dos fatos relevantes e vinculados ao seu empregador e ao seu trabalho.

 

A norma estabelece que a contratação do empregado para laborar no regime de teletrabalho deve ser precedida de ajuste entre empregado e empregador, mediante contrato escrito, contendo a indicação das atividades a serem desenvolvidas.

 

Vale mencionar que é permitido seja o regime do teletrabalho pactuado em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho (artigo 611, VIII, da CLT).

 

O legislador trouxe também outras particularidades que merecem ser enfatizadas, como é o caso da obrigatoriedade de indicar, por intermédio de contrato escrito, os meios e equipamentos necessários para o desenvolvimento dos trabalhos, bem como a respeito do reembolso ao empregado das despesas, se por este realizadas.

 

Outro ponto de considerável relevância está relacionado ao fato de que o artigo 75-E dispõe que “o empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”, e que o empregado precisa  firmar um termo de responsabilidade e se comprometer a observar as orientações repassadas.

 

A importância dessa questão se deve ao fato de que a prática do teletrabalho ou do trabalho home office, vem se tornando cada vez mais comum, especialmente nesse momento em que estamos passando em razão da pandemia, consoante já realçado.

 

E a grande utilização dessa modalidade de trabalho tem propiciado variados debates e discussões, relativamente à interpretação dos dispositivos legais apontados acima, o que levou o Ministério Público do Trabalho a editar, no mês de setembro, a Nota Técnica 17/2020, “com o objetivo de indicar as diretrizes a serem observadas nas relações de trabalho por empresas, sindicatos e órgãos da Administração Pública, a fim de garantir a proteção de trabalhadoras e trabalhadores no trabalho remoto ou home office.”

 

As principais recomendações presentes na Nota Técnica dizem respeito: (i) respeitar a ética digital no relacionamento com os trabalhadores e trabalhadoras, preservando o espaço de autonomia para realização de escolhas quanto à sua intimidade, privacidade e segurança pessoal e familiar; (ii) observar e fazer observar os parâmetros de ergonomia e fornecer os equipamentos de trabalho adequados; (iii) oferecer apoio tecnológico, orientação técnica e capacitação; (iv) instruir os empregados, de maneira expressa, clara e objetiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças, físicas e mentais e acidentes de trabalho; (v) observar a jornada contratual; (vi) adotar modelos de etiqueta digital com orientação de toda a equipe, com especificação de horários para atendimento virtual da demanda, assegurando os repousos legais e o direito à desconexão do trabalho; e, (vii) atenção especial aos empregados idosos e portadores de deficiência.

 

As recomendações previstas na Nota Técnica, embora direcionadas com ênfase para o período da pandemia, se aplicam a outros tempos.

 

Em matéria publicada na Folha de São Paulo, no dia 12 de novembro, o Ministro do TST - Tribunal Superior do Trabalho, Alexandre de Souza Agra Belmonte, destacou que a legislação que versa sobre o teletrabalho precisa ser aprimorada. 


O Ministro realçou que “o trabalho remoto, o trabalho home office, foi colocado à prova. É como se fosse um teste durante a pandemia. Tanto que ele aumentou significativamente. Não é justo que isso [custos] seja colocado a esse tipo de ajuste [acordo individual], porque o trabalhador fica totalmente à mercê do empregador. O que se pretende é uma modificação da lei, fazendo o contrário. A regra seria o empregador oferecer equipamento e manutenção, mas, se o empregado tiver e quiser alugar, nada impediria, por exemplo.”

 

Salientou, mas sem especificar sobre “o conteúdo delas”, que o Governo estuda alterações na legislação trabalhista, notadamente, no que tange ao teletrabalho.

 

Assim, até que nova norma venha a ser editada, ratificamos posição que manifestamos anteriormente, no sentido de que ao permitir ou determinar a prestação de serviços fora de suas dependências, o empregador deverá orientar o empregado, mediante regras claras, especialmente sobre ergonomia, atribuições a serem desenvolvidas, horários de trabalho para execução das mesmas e pausas.