quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

RACISMO NO AMBIENTE DE TRABALHO

 



Orlando José de Almeida 

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados 



Cristina Simões Vieira 

Estagiária de Homero Costa Advogados 



O racismo e o preconceito como é de conhecimento comum são fenômenos que acompanham a humanidade há séculos. 



Recentemente o tema vem merecendo destaque na mídia devido ao cometimento de atos de intolerância racial, como o ocorrido nos Estados Unidos, em razão de uma abordagem brutal de um policial contra um cidadão americano de nome George Floyd, que morreu suplicando por sua vida enquanto era asfixiado. A atrocidade reacendeu o movimento ativista internacional, intitulado Vidas Negras Importam, contra a violência direcionada às pessoas negras. 



Realçamos outro acontecimento que ganhou relevância internacional e que ocorreu no início de uma partida de futebol, que estava sendo realizada na França no torneio da Copa dos Campões, entre os times Paris Saint-Germain Football Club - PSG x Istanbul Basaksehir, em 08/12/2020. O quarto árbitro, o romeno Sebastien Coltescu, foi acusado da prática de racismo contra um membro da comissão técnica do time turco de nome Pierre Webo. Em protesto os jogadores das duas equipes resolveram interromper a partida e se retiraram do campo. A UEFA se pronunciou repudiando ao ato e se comprometeu a abrir uma investigação. 



E como sabemos no Brasil não é diferente. Aliás, é contraditório o fato de sermos um país multiétnico e o racismo ainda ser tão marcante. 



Merece ser realçado que o assunto não guarda reprovação apenas de grande parte da sociedade, por intermédio de veiculação de notícias, mas o racismo é também desaprovado pela legislação estrangeira e nacional. 



No dia 09 de novembro do ano em curso (2020), a Câmara dos Deputados aprovou a adesão do Brasil à Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. O texto consta do Projeto do Decreto Legislativo nº 861/17, que seguirá para o Senado. Como noticiado, a convenção veda “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, em qualquer área da vida pública ou privada, com o propósito ou efeito de anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados partes”. 



Aliás, a matéria foi objeto de recente artigo intitulado “DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA: O PAPEL DO DIREITO NA LUTA ANTIRRACISTA” [i], da lavra dos integrantes do Escritório Homero Costa, Stanley Martins Frasão e Nathália Caixeta Pereira de Castro. 

E mais, especificamente quanto ao direito do trabalho, destacamos em breve síntese: 

A Declaração dos Direitos Humanos, nos itens 1 e 2 do art. 23, estabelece in verbis:[ii]


1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 

2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 



A Convenção nº 111, da OIT, da qual o Brasil também é signatário, define no artigo 1º a discriminação como “toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão”. [iii]



Já a nossa Lei Maior, a Constituição Federal promulgada em 1988, dispõe que: 



Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: 

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: 

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. [iv]



Devido a imensurável importância, constata-se que o legislador, visando o equilíbrio nas relações de emprego, vem procurando criar mecanismos para abolir a discriminação no ambiente do trabalho. 



Nesse contexto a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, já consagrava: 



Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade. 

§ 1º. O Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos. 



E mais recentemente, com a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), foi acrescentado ao dispositivo legal: 



§ 6º. No caso de comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferenças salariais devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. [v] 



O conhecimento dos deveres e dos direitos deve fazer parte do dia a dia do trabalhador e do empregador. Estratégias de prevenção devem ser constantes para que as ações baseadas no diálogo construtivo e propositivo evitem a desigualdade social. 

E as desigualdades raciais estão bem refletidas em pesquisa. Confira-se o Perfil da Unidade Geográfica - Remuneração de Empregados (CLT) por Raça/Cor [vi]



O Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) é “destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”, e estabelece que é obrigação do estado promover a “implementação de políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho”.[vii]



Vale realçar que o Estatuto estabelece que, comete crime quem permitir o tratamento diferenciado no ambiente de trabalho e obsta a promoção funcional por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (artigo 60 ao dar nova redação aos artigos 3º e 4º, da Lei 7.716/89), sem contar que “o rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre” a reintegração ao trabalho, com o pagamento das remunerações, ou “a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento” (artigo 61 ao dar nova redação aos artigos 3º e 4º, da Lei 9.029/89). 



Chamamos a atenção, ainda, que encontra em tramitação perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5303/20, de autoria do Deputado Célio Studart (PV-CE), que pretende modificar o artigo 1º, da Lei 7.716/89, para dispor que: “Quando verificada negligência ou omissão, dolosa ou culposa e a ausência de ações efetivas contra atos discriminatórios, os proprietários, administradores e gerentes também responderão criminalmente pelos atos discriminatórios de seus funcionários, em concurso de pessoas, mesmo que terceirizados, que configurem os crimes previstos nesta lei.” 



E consta da proposta legislativa que ”as empresas cujos prepostos, mesmo que terceirizados, cometam os atos discriminatórios previstos nesta lei”, “responderão solidariamente pela reparação dos danos causados às vítimas”, sem contar que em caso de reincidência “em atos discriminatórios realizados por prepostos durante sua atividade empresarial ficarão impedidas de gozar de benefícios fiscais.” 



Diante do exposto, o que pode ser observado é que existe no ordenamento jurídico grande acervo legal com o objetivo de proteger os indivíduos contra atos de racismo, notadamente na legislação trabalhista. Dessa forma, o que se recomenda é a adoção de mecanismos claros por parte dos empregadores orientando os seus colaboradores para que não pratiquem atos de intolerância racial. 




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