quarta-feira, 20 de maio de 2020

MEDIDA PROVISÓRIA 936/2020 - REDUÇÃO PROPORCIONAL DE JORNADA DE TRABALHO E DE SALÁRIO - SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DO CONTRATO DE TRABALHO - ASPECTOS GERAIS


   Orlando José de Almeida
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados


                                                                           Bernardo Gasparini Furman
Advogado Associado de Homero Costa Advogados




Em recente artigo[1], enfatizamos que no dia 11 de março do ano em curso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a existência de uma pandemia global decorrente do Novo Coronavírus.
Destacamos, naquela oportunidade, que os efeitos da crise nas relações do trabalho restaram sentidos.

De fato, várias normas já foram editadas tendo como pressuposto fundamental a aplicação do artigo 501, da CLT, ao estabelecer que “entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente”.

Objetivando a implementação, de modo mais célere, procurou-se flexibilizar ou simplificar procedimentos exigidos em normas existentes ou naquelas instituídas, para serem aplicadas durante o estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Legislativo 06/2020, ou seja, até 31.12.2020.
Nessa direção, em 01.04.2020, foi publicada a Medida Provisória 936, que criou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.
E para atingir a finalidade, resumidamente, foi autorizada a celebração de acordo entre empregador e empregado, ou entre empregador e sindicato, de forma a permitir a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho, com a participação do governo, mediante pagamento de Benefício Emergencial que será custeado com recursos da União.
É importante esclarecer que as medidas provisórias produzem efeitos imediatos, ou seja, após a publicação, mas dependem de aprovação do Congresso Nacional para transformação definitiva em lei. O prazo de vigência é de sessenta dias, prorrogáveis uma vez por igual período. Além do mais estão também sujeitas ao controle de constitucionalidade.
1. Aspectos Gerais da Medida Provisória 936/2020.

A Medida Provisória 936/2020, consoante apontado, instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, e dispôs sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública em virtude do coronavírus (covid-19).
O Programa Emergencial tem como objetivo: I - preservar o emprego e a renda; II - garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais; e, III - reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.
As ações a serem adotadas para atingir as finalidades são: I - o pagamento do Benefício Emergencial; II - a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário; e, III - a suspensão temporária do contrato de trabalho.
Consta expressamente na Medida Provisória que as suas normas não tem incidência “no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos órgãos da administração pública direta e indireta, às empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive às suas subsidiárias, e aos organismos internacionais”.
Ademais, o Benefício Emergencial não será devido ao empregado que esteja ocupando cargo ou emprego público, cargo em comissão de livre nomeação e exoneração ou a titular de mandato eletivo. Também não alcança empregado em gozo de: a) benefício de prestação continuada do Regime Geral de Previdência Social ou dos Regimes Próprios de Previdência Social, ressalvado o recebimento de pensão ou auxílio acidente; b) seguro-desemprego, em qualquer de suas modalidades; e, c) bolsa de qualificação profissional de que trata o art. 2º-A da Lei n° 7.998, de 1990.
O empregado com mais de um vínculo formal de emprego poderá receber, cumulativamente, o Benefício Emergencial para cada vínculo com redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou com suspensão temporária do contrato de trabalho.
E especificamente quanto ao empregado com contrato de trabalho intermitente, ele fará jus ao benefício emergencial mensal, no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), pelo período de três meses, mas referente a apenas um contrato nessa modalidade e não pode ser acumulado com o pagamento de outro auxílio emergencial.
O Benefício Emergencial será custeado com recursos da União e quitado nas hipóteses em que ocorrer a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário, ou da suspensão temporária do contrato de trabalho, observando-se as ressalvas acima.

A benesse será paga mensalmente enquanto durar uma ou outra das situações mencionadas.

Para tanto, o empregador deverá informar ao Ministério da Economia, no prazo de dez dias, que foi firmado o ajuste com o empregado. A primeira parcela será paga em trinta dias. Os prazos indicados serão contados da data da celebração do acordo.
Se o empregador não prestar a informação dentro do prazo indicado, ficará responsável pelo pagamento da remuneração no valor anterior à redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho. Neste caso, a data de início da concessão do Benefício Emergencial será a da informação e o mesmo será devido pelo restante do período.
O Benefício Emergencial terá como base de cálculo o valor mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria direito.
Quando se tratar de redução de jornada de trabalho e de salário, será calculado aplicando-se sobre a base de cálculo o percentual da redução.
Já na suspensão temporária do contrato de trabalho o valor mensal corresponderá, em regra, a cem por cento do montante do seguro-desemprego a que o empregado teria direito.
Porém, a quantia será equivalente a setenta por cento do seguro-desemprego, quando a empresa que tiver obtido, em 2019, receita bruta superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais). Em contrapartida, o empregador concederá ajuda compensatória mensal de trinta por cento do valor do salário do empregado, durante o período da suspensão temporária de trabalho.
A redução proporcional da jornada de trabalho e de salário pode ser pactuada no máximo em até noventa dias, ainda que em ajustes sucessivos, desde que: a) seja preservado o valor do salário-hora; b) seja firmada por acordo individual escrito entre empregador e empregado, ressalvada determinação abaixo, o qual deverá ser encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos; e, c) sejam observados os percentuais de vinte e cinco por cento, ou de cinquenta por cento, ou de setenta por cento.
De outro lado, a suspensão temporária do contrato de trabalho pode ser ajustada por até sessenta dias, fracionada em dois períodos de trinta dias, desde que seja celebrada por acordo individual escrito entre empregador e empregado, ressalvada determinação abaixo, o qual deverá ser encaminhado ao empregado com antecedência de, no mínimo, dois dias corridos.
Merece ser enfatizado que durante o período de suspensão temporária do contrato, o empregado tem direito de auferir todos os benefícios concedidos pelo empregador e, ainda, fica autorizado a recolher para o INSS na qualidade de segurado facultativo.
No interregno temporal da suspensão temporária do contrato de trabalho é vedado ao empregado desempenhar quaisquer atividades laborais, mesmo de forma parcial, inclusive se estiver em regime de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância, sob pena de ser a mesma descaracterizada. Como se não bastasse, o empregador ficará sujeito ao pagamento imediato da remuneração e dos encargos sociais referentes a todo o período, além de incidir as penalidades previstas em lei, convenção ou em acordo coletivo.
É importante destacar que é estabelecido na norma que a jornada de trabalho e o salário pago anteriormente, ou o contrato de trabalho, serão restabelecidos no prazo de dois dias corridos contados da cessação do estado de calamidade pública, ou da data prevista para encerramento da redução ou suspensão pactuadas, ou, ainda, da data da comunicação do empregador informando ao empregado sobre a sua decisão de antecipar o fim do período de redução ou da suspensão ajustadas.
O Benefício Emergencial poderá ser acumulado com o pagamento, pelo empregador, de ajuda compensatória mensal, em decorrência da redução de jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária de contrato de trabalho.
A ajuda compensatória mensal: a) deverá ter o valor definido no acordo individual pactuado ou em negociação coletiva (exceto na hipótese em que o seu percentual foi fixado na norma em 30%); b) terá natureza indenizatória; c) não integrará a base de cálculo do imposto de renda retido; d) não integrará a base de cálculo da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salários; e) não integrará a base de cálculo do valor devido ao FGTS; e, f) poderá ser excluída do lucro líquido para fins de determinação do imposto sobre a renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real.
Além das disposições indicadas no parágrafo anterior, quando se tratar de redução proporcional de jornada e de salário, a ajuda compensatória não integrará ao salário do empregado.
O empregado que receber o Benefício Emergencial será portador de garantia provisória no emprego durante a vigência do ajuste e, ainda, por igual período após o término.
A garantia de emprego não se aplica ao empregado que der motivo ao rompimento do contrato por pedido dispensa ou por justa causa.
Mas se o empregador promover a dispensa, sem justa causa, durante o período da garantia provisória no emprego, além do pagamento das parcelas rescisórias previstas na legislação em vigor, indenizará o empregado no valor de: a) cinquenta por cento do salário a que o empregado teria direito no referido período, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a vinte e cinco por cento e inferior a cinquenta por cento; b) setenta e cinco por cento do salário a que o empregado teria direito no referido período, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a cinquenta por cento e inferior a setenta por cento; ou, c) cem por cento do salário a que o empregado teria direito no referido período, nas hipóteses de redução de jornada de trabalho e de salário em percentual superior a setenta por cento ou de suspensão temporária do contrato de trabalho.
As medidas de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho poderão ser celebradas por meio de negociação coletiva, observados os prazos já indicados anteriormente.
E se utilizada a via negocial apontada, na convenção ou no acordo coletivo de trabalho, poderão ser estabelecidos percentuais de redução de jornada de trabalho e de salário diversos daqueles fixados, ou seja, de vinte e cinco, ou cinquenta, ou de setenta por cento.
Destaca-se, também, que se ajustados percentuais de redução de jornada de trabalho e de salário diversos: a) não será devido o Benefício Emergencial para a redução de jornada e de salário inferior a vinte e cinco por cento; b) o Benefício Emergencial será de vinte e cinco por cento sobre a base de cálculo prevista no art. 6º (seguro-desemprego), para a redução de jornada e de salário igual ou superior a vinte e cinco por cento e inferior a cinquenta por cento; c) o Benefício Emergencial será de cinquenta por cento sobre a base de cálculo prevista no art. 6º (seguro-desemprego), para a redução de jornada e de salário igual ou superior a cinquenta por cento e inferior a setenta por cento; e, d) o Benefício Emergencial será de setenta por cento sobre a base de cálculo prevista no art. 6º (seguro-desemprego), para a redução de jornada e de salário superior a setenta por cento.
Restou indicado na Medida Provisória que as convenções ou os acordos coletivos de trabalho celebrados anteriormente poderão ser renegociados para adequação de seus termos, no prazo de dez dias corridos, contado da data da publicação da MP.
Em qualquer situação, vale dizer, se for adotada a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho, deve ser resguardado o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e das atividades essenciais.
As disposições previstas na Medida Provisória se aplicam também aos contratos de trabalho de aprendizagem e de jornada parcial.
Em caso de irregularidades na adoção das ações os infratores poderão ser autuados e penalizados.
Consta da Medida Provisória que poderão ser utilizados os meios eletrônicos para atendimento dos requisitos formais previstos no Título VI, da CLT, ao tratar das negociações coletivas, inclusive para convocação, deliberação, decisão, formalização e publicidade de convenção ou de acordo coletivo de trabalho. Foi também fixado que os prazos previstos no mencionado Título VI ficam reduzidos pela metade.
Por fim, restou estabelecido que o empregador poderá oferecer curso ou o programa de qualificação profissional, previsto no artigo 476-A, da CLT, exclusivamente na modalidade não presencial, que terá duração não inferior a um mês e nem superior a três meses.
Estes, portanto, são os pontos de maior relevância contidos na Medida Provisória.

2. Discussão a Respeito da Constitucionalidade da Medida Provisória.

No § 4º, do artigo 11, da MP, resta indicado que “os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho, pactuados nos termos desta Medida Provisória, deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração”.
Essa modalidade de ajuste foi autorizada para determinados grupos de trabalhadores, o que será adiante abordado.
E quanto ao tema esclarecemos a titulo exemplificativo, que o partido político, Rede Sustentabilidade, ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6363), perante o Supremo Tribunal Federal para tentar afastar a possibilidade de redução de jornada e salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho, mediante acordo individual, alegando ofensa aos artigos 7º e 8º da Constituição Federal.
No dia 17.04.2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, negou referendo à liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski, que estabelecia que após a comunicação dos acordos individuais, os sindicatos poderiam manifestar sobre a validade deles e deflagrar negociação coletiva.
Consequentemente, ficou mantida a eficácia da Medida Provisória 936/2020, em sua integralidade. Para ter validade os acordos individuais não dependem de anuência do sindicato da categoria profissional.
Dessa forma, segundo posicionamento do Supremo Tribunal Federal, a Medida Provisória, nos termos em que fora editada, não fere dispositivos da Constituição Federal.
O acórdão ainda não foi publicado, mas acerca do julgamento consta em notícia veiculada no site do STF[2], que prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, indicando em síntese:
a)     “Ele entende que, em razão do momento excepcional, a previsão de acordo individual é razoável, pois garante uma renda mínima ao trabalhador e preserva o vínculo de emprego ao fim da crise. Segundo ele, a exigência de atuação do sindicato, abrindo negociação coletiva ou não se manifestando no prazo legal, geraria insegurança jurídica e aumentaria o risco de desemprego”;

b)    Para o ministro, a regra não fere princípios constitucionais, pois não há conflito entre empregados e empregadores, mas uma convergência sobre a necessidade de manutenção da atividade empresarial e do emprego. Ele considera que, diante da excepcionalidade e da limitação temporal, a regra está em consonância com a proteção constitucional à dignidade do trabalho e à manutenção do emprego”; e,

c)     “O ministro Alexandre de Moraes destacou ainda a proteção ao trabalhador que firmar acordo. De acordo com a MP, além da garantia do retorno ao salário normal após 90 dias, ele terá estabilidade por mais 90 dias.”
Pelo que pode ser constatado as medidas relativas ao pagamento do Benefício Emergencial, da redução proporcional de jornada de trabalho e de salário, e da suspensão temporária do contrato de trabalho, serão implementadas por meio de acordo individual ou de negociação coletiva quando se tratar de empregados: I - com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais); ou, II - portadores de diploma de nível superior e que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Assim, quando for a hipótese, basta a simples comunicação ao Sindicato no prazo de 10 (dez) dias após a celebração dos referidos acordos individuais.
Todavia, quanto for o caso de empregados não enquadrados nos limites acima, as medidas somente poderão ser estabelecidas por convenção ou acordo coletivo, ressalvada a redução de jornada de trabalho e de salário de vinte e cinco por cento, que poderá ser pactuada por acordo individual.
Na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, ao que nos parecer, buscou-se proteger o emprego e, especialmente o empregador. Afinal, se não existir o empregador não existirá o emprego.

3. Considerações Finais.

Conforme pode ser verificado acima são várias as hipóteses fixadas na Medida Provisória 936/2020, que autorizam a celebração de acordo entre empregador e empregado, ou entre empregador e sindicato, através de redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho.

O certo é que as medidas, em regra, contarão com a participação de todos os envolvidos, ou seja, do Governo, dos empregadores e dos empregados. 

Os empregados que recebem salários no valor de até R$ 3.135,00, sofrerão um impacto menor na renda mensal. Mas até para estes o montante a ser concedido pelo Governo não cobrirá o salário pago normalmente, uma vez que o Benefício Emergencial é atrelado ao seguro-desemprego.

Entretanto, na Medida Provisória é permitida a concessão por parte das empresas, cumulativamente ao pagamento do Benefício Emergencial, de uma ajuda compensatória mensal, a qual deverá ser definida por acordo individual ou coletivo.

Assim, o empregador se desejar e se possível for, por mera liberalidade, poderá fazer a complementação da parte do Governo, permitindo que o empregado venha receber até o valor integral do seu salário.

Lembre-se que a ajuda compensatória mensal: a) terá natureza indenizatória; b) não integrará a base de cálculo do imposto de renda retido; c) não integrará a base de cálculo da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salários; d) não integrará a base de cálculo do valor devido ao FGTS; e) poderá ser excluída do lucro líquido para fins de determinação do imposto sobre a renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real; e, f) quando se tratar e redução proporcional de jornada e de salário, ela não integrará ao salário do empregado.

Dúvidas não restam de que o momento exige união, mediante estabelecimento de um verdadeiro pacto social, com a efetiva participação e colaboração de toda sociedade para que possamos superar a crise. E a edição da Medida Provisória, sob análise, contribuirá para que tal propósito seja atingido.

AGRONEGÓCIO LIVRE DE BARREIRAS FISCAIS




Gustavo Pires Maia da Silva
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

Guilherme Scarpellini Rodrigues
Estagiário de Homero Costa Advogados


O Brasil é o terceiro maior exportador individual de produtos agropecuários do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da China. O país lidera ainda o comércio externo de grãos de soja, milho e café, além das exportações de carnes bovina e de frango.

Em que pese esse protagonismo, o produto brasileiro perde competitividade no mercado global do agronegócio, em razão de barreiras impostas por um sistema tributário interno complexo e pela elevada carga fiscal.

De acordo com os dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o agronegócio respondeu por 42% de todo o faturamento do país no mercado externo, em 2018. Nesse período, a China foi a principal destinatária da produção brasileira, com investimento de US$ 35 bilhões na compra de grãos, carnes, celulose, açúcar, algodão e café.

Com a participação consolidada no mercado externo, o agronegócio fomenta a cadeia produtiva interna, gerando empregos e renda, além de incentivar a inovação e tecnologia no país. Segundo dados do Ministério da Economia, o setor agropecuário alcançou, no primeiro semestre de 2019, número recorde de criação de postos de trabalho (75 mil vagas), ficando atrás apenas do setor de serviços.

A maior parte do sucesso do agronegócio se deve à criação de políticas públicas de crédito, ao espírito empreendedor e inovador dos produtores rurais e a aspectos naturais do país, como o clima favorável e a disponibilidade de terras adequadas ao cultivo.

Deve-se reconhecer ainda que medidas de desonerações fiscais, como imunidades, isenções, diferimentos e compensações, aplicáveis aos bens destinados à exportação, são mecanismos sem os quais as negociações com outros países não seriam tão viáveis.

Exemplo do esforço de fortalecer a participação do país no mercado externo é o entendimento firmado pelo STF, em fevereiro último, que estendeu a imunidade tributária prevista no Artigo 149, §2º, I, da CR/88, às chamadas exportações indiretas — operações realizadas por meio de empresas intermediárias no país.

No entanto, os altos custos financeiros e operacionais decorrentes de um sistema tributário complexo e oneroso, em que há incidência de diversos tributos sobre a produção, faturamento, lucro e circulação da mercadoria, acabam se sobrepondo aos benefícios fiscais, o que torna o produto brasileiro menos competitivo no mercado externo.

Diante de um cenário de mercados cada vez mais exigentes, faz-se necessário o equilíbrio entre o aprimoramento das técnicas de produção, negociação e a gestão das obrigações de ordem fiscal.

Para isso, é imperativo o conhecimento do sistema de tributos incidente sobre a atividade do agronegócio. Os produtores rurais devem exigir o enquadramento nas hipóteses legais de redução de alíquotas e de bases de cálculos, além de direitos às imunidades, isenções e compensações.

Além disso, faz-se necessário o acompanhamento constante dos entendimentos jurisprudenciais, com vistas a adotar os procedimentos adequados à desoneração da produção do agronegócio. Somente assim é possível vencer as barreiras fiscais e tornar o produto brasileiro mais competitivo.




AGRONEGÓCIO E OS IMPACTOS DA PANDEMIA



Telma Pinelli Nabak Sâmia
Advogada

Bernardo José Drumond Gonçalves
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados e Coordenador do Departamento Empresarial





Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia decorrente do Covid-19. No intuito de combater a disseminação e o colapso no sistema de saúde, o Ministério da Saúde editou a Portaria nº 356, regulamentando os critérios de isolamento e quarentena. Os Governadores e Prefeitos também adotaram medidas de restrição de circulação de pessoas e mercadorias, permitindo que apenas atividades essenciais continuassem funcionando.

Segundo o diretor técnico da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) e professor de Administração da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Fava Neves, “A disseminação do coronavírus está causando um grande impacto nas variáveis macroambientais que afetam toda cadeia produtiva do agronegócio no Brasil e no mundo”[1].

Este novo cenário vem impactando a economia mundial de tal forma que, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), haverá uma queda de cerca de 3% da economia global em 2020 – considerada a maior recessão mundial desde a Grande Depressão de 1.929[2]. E o agronegócio não deve ficar incólume, muito embora, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuário do Brasil (CNA), a produção e a comercialização de soja, principal produto de exportação do Brasil[3], não foram afetadas, batendo recorde histórico mensal no mês de abril, com 16,3 milhões de toneladas e 1,7 milhões toneladas de farelo de soja. A expectativa é de que haja um aumento de 7,6% da safra anterior, colocando o Brasil em primeira posição na tabela entre os principais produtores do mundo, ultrapassando os Estados Unidos[4].

Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e abastecimento, apontam que a participação do agronegócio no total das exportações passou de 18,7% para 22,9% em 2020. Para o Instituto de Economia Agrícola, “o comércio exterior só não foi deficitário devido ao desempenho do agronegócio, uma vez que os demais setores da economia, (...), produziram um deficit de US$12,27 bilhões no primeiro trimestre de 2020”[5].

De acordo com os indicadores gerais Agrostat (figura 1), os cinco principais grupos nas exportações do agronegócio brasileiro, nos quatro primeiros meses de 2020, foram: complexo de soja (responsável por 42,76%), carnes (16,93%), produtos florestais (11,75%), complexo sucroalcooleiro (6,29%) e café (5,39%). Esses cinco grupos agregados representam 83,12% das vendas externas setoriais brasileiras:

Figura 1: elaborado pelos autores a partir de dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.[6]

Na comparação com o primeiro quadrimestre de 2019, houve aumento da participação da soja, em 5,85%, no complexo sucroalcooleiro, em 1,28% e da carne em 1,1%. Já, o setor de produtos florestais e cereais, farinhas e preparações tiveram uma queda de 4,96% e 2,33% respectivamente:

Figura 2:  elaborado pelos autores a partir de dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento[7].

O mercado interno também foi significativamente impactado pela pandemia[8]. Alguns segmentos, de forma positiva, como o da soja, milho e do café. Outros, negativamente, como de lácteos, sucroenergético, de aves, suíno e bovino:

Impactos
Cafeeiro
Há uma expectativa de crescimento de 25,7% na receita dos produtores de café, em relação à receita de 2019.
Soja
A receita dos produtores de soja crescerá 14,3% em relação à 2019. Resultado do aumento da produção e dos preços devido à desvalorização do real em relação ao dólar.
Milho
Arroz
Os produtores estão se beneficiando da alta demanda do mercado doméstico com aumento de preços de algumas marcas do quilo de 10% a 40%.
Sucroenergético
O setor vive uma situação dramática devido à queda do consumo do açúcar e do etanol no mercado doméstico e mundial.
Suíno
Várias regiões no brasil tiveram uma queda de 20% nos abates.
Aves
Os pequenos produtores e os pequenos frigoríficos sentem a desvalorização do frango vivo, com queda de 10% nos dois primeiros dias do mês de abril.
Bovino
O consumo doméstico pode registrar forte retração, no segundo semestre, devido à diminuição da renda da população, o que tende ao consumo de proteínas mais baratas.
Lácteos
O setor aumentou a produção dos produtos em pó, diminuindo a produção de UHT. O setor de queijos teve uma queda de 40%.
Aquícola
É o mais lesado, podendo o prejuízo chegar à casa dos R$6bilhões no ano de 2020.

Diante do atual cenário, o Governo Federal apresentou inúmeras medidas para o setor, observando as nuances de cada segmento. Para o consultor do Instituto Pensar Agropecuário (IPA), Eduardo Lourenço, as medidas tributárias adotadas para minorar os prejuízos derivados da pandemia refletem no agronegócio, tais como a “prorrogação de prazos para o cumprimento de obrigações fiscais, o adiamento da entrega da declaração de imposto de renda e a redução de alíquota, caso do IOF”.

O Governo Federal ainda prorrogou as dívidas de crédito rural. A previsão é de que até R$70 bilhões de dívidas sejam renegociadas. Para Ricardo Alfonsin, Presidente da Comissão de Direito Agrário e Agronegócio da OAB-RS, esta é uma medida totalmente ineficiente, tendo em vista que "estamos vendo muitas tradings de cerealistas entrando em recuperação judicial porque não estão conseguindo cumprir os contratos lá fora. Isso vai trazer sérios problemas para o produtor”[9].

A MP 927 abre um crédito extraordinário de R$500 milhões em favor do Ministério da Cidadania para atender ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – política pública que adquire produtos da agricultura familiar e os distribui a entidades filantrópicas e famílias carentes. Os agricultores de pequeno e médio porte contam com novas linhas de créditos. Para as cooperativas e cerealistas, foi concedido o financiamento para estocagem e comercialização com recursos do crédito rural.

Os Estados de Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Paraíba, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe foram beneficiados pela antecipação do “garantia-safra” (benefício social para agricultores atingidos pela seca). Estima-se que a manutenção da merenda escolar injete R$1bilhão no setor, garantindo uma fonte de renda para os pequenos produtores.

O INCRA prorrogou por até 60 dias o prazo de vencimento de pagamentos referentes ao Crédito Instalação, a concessão de título de terra e outras taxas administrativas. A CEF e o Banco do Brasil ampliaram suas linhas em R$178 bilhões. Os créditos para o agronegócio somam R$30 bilhões, 16,9% do total disponível. O BB prorrogou as parcelas para 180 dias após o vencimento nas operações de custeio e 1 ano nas operações de investimento para os produtores de hortaliças, frutas e flores/plantas ornamentais. O BC flexibilizou as regras de acesso à Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), concedendo uma expansão da captação de crédito em R$ 6,3 bilhões, também com o objetivo de facilitar o crédito para o agronegócio.

O Banco Mundial prevê que a economia brasileira sofra uma retração de 5% em 2020, devido aos impactos gerados pela pandemia[10]. As incertezas perpassam à economia e atingem o âmbito jurídico, sendo necessário a adoção de medidas judiciais que busquem amenizar os efeitos provocados pela pandemia no setor agrícola.

Foi aprovado em Plenário o Projeto de Lei nº 1.179 que, dentre inúmeras medidas, flexibiliza as regras dos contratos agrários enquanto durar a quarentena. Para o Ministro do STJ, Ricardo Villas Bôas Cueva, uma importante ferramenta neste período é a negociação paritária e simétrica entre os agentes do mercado do agronegócio. A mediação já vinha tomando espaço no setor. Foram ainda apresentados dois projetos na Câmara dos Deputados: o PL nº 6.279, que possibilita que o produtor rural no regime jurídico empresarial possa requerer recuperação judicial, e o PL nº 1397, que institui medidas de caráter emergencial destinadas a prevenir a crise econômico-financeira do agente econômico, suspende ações judiciais de execução, decretação de falência e institui uma negociação preventiva com os credores, entre outras mudanças.

A Lei nº 13.986/2020, promulgada com base na MP 897/2019 (conhecida como MP do Agro), trouxe itens de grande importância para o setor durante a pandemia: a equalização das taxas de juros ao tomador do crédito rural por todos os bancos públicos e privados, no intuito de estimular a competitividade entre os agentes, a constituição de propriedade fiduciária de imóveis rurais em favor de estrangeiros e ampliou as possibilidade de garantias ao crédito rural, com a criação do Fundo Garantidor Solidário (FGS) e a criação do patrimônio de afetação.  Tais medidas tendem a tornar o mercado de financiamento agrícola mais competitivo.

Como afirmou o vice-presidente da União Brasileira dos Agraristas Universitários (Ubau), Albenir Querubini, diante do cenário atualmente vivido pela economia, “por conta da especialidade das relações jurídicas decorrente das cadeias produtivas do setor agrário e de sua importância essencial para a economia e a sociedade brasileira, torna-se cada vez mais importante a interação do Poder Judiciário com os profissionais técnicos e jurídicos que atuam e estudam as questões do agro”.[11]


[1] Diretor da SNA avalia impacto do coronavírus na cadeia produtiva do agro. Disponível em: https://www.sna.agr.br/doutor-agro-o-impacto-do-coronavirus-na-cadeia-produtivo-do-agronegocio/  Acesso em: 30 abr 2020.
[2] FMI prevê para este ano maior recessão global desde 1929. Disponível em: https://nacoesunidas.org/fmi-preve-para-este-ano-maior-recessao-global-desde-1929/. Acesso em 30 abr 20.
[3] Até março de 2020 o complexo de soja representava 35,04% das exportações brasileiras do agronegócio, segundo dados do Ministério da Economia. Disponível em: http://indicadores.agricultura.gov.br/index.htm
[4] Com supersafra em 2020, Brasil retoma o trono mundial da soja.  Disponível em:  https://brasil.elpais.com/economia/2020-04-08/com-supersafra-em-2020-brasil-retoma-o-trono-mundial-da-soja.html Acesso em 30 abr 20.
[5] Balança Comercial dos Agronegócios Paulista e Brasileiro, Primeiro Trimestre de 2020. Disponível em: http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/out/TerTexto.php?codTexto=14787 Acesso em 12 mai 2020.
[6] Disponível em: http://indicadores.agricultura.gov.br/index.htm Acesso em: abr. 2020         
[7] Disponível em: http://indicadores.agricultura.gov.br/index.htm Acesso em: abr. 2020.
[9] Juristas debatem medidas para minimizar os efeitos da pandemia no agro. Disponível em: https://www.sna.agr.br/juristas-debatem-medidas-para-minimizar-os-efeitos-da-pandemia-no-agro/. Acesso em 07 abr 2020.
[10] Banco Mundial prevê queda de 5% para economia brasileira este ano. Disponível em: https://nacoesunidas.org/banco-mundial-preve-queda-de-5-para-economia-brasileira-este-ano/; Acesso em: 07 abr. 2020.
[11] Juristas debatem medidas para minimizar os efeitos da pandemia no agro. Disponível em: https://www.sna.agr.br/juristas-debatem-medidas-para-minimizar-os-efeitos-da-pandemia-no-agro/. Acesso em 07 abr 2020.