Telma Pinelli Nabak Sâmia
Advogada
Bernardo José Drumond Gonçalves
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados e Coordenador do
Departamento Empresarial
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) declarou a pandemia decorrente do Covid-19. No intuito de combater
a disseminação e o colapso no sistema de saúde, o Ministério da Saúde editou a
Portaria nº 356, regulamentando os critérios de isolamento e quarentena. Os
Governadores e Prefeitos também adotaram medidas de restrição de circulação de
pessoas e mercadorias, permitindo que apenas atividades essenciais continuassem
funcionando.
Segundo
o diretor técnico da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) e professor de
Administração da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Fava Neves, “A
disseminação do coronavírus está causando um grande impacto nas variáveis
macroambientais que afetam toda cadeia produtiva do agronegócio no Brasil e no
mundo”[1].
Este
novo cenário vem impactando a economia mundial de tal forma que, segundo o
Fundo Monetário Internacional (FMI), haverá uma queda de cerca de 3% da
economia global em 2020 – considerada a maior recessão mundial desde a Grande Depressão
de 1.929[2].
E o agronegócio não deve ficar incólume, muito embora, segundo a Confederação
da Agricultura e Pecuário do Brasil (CNA), a produção e a comercialização de
soja, principal produto de exportação do Brasil[3],
não foram afetadas, batendo recorde histórico mensal no mês de abril, com 16,3
milhões de toneladas e 1,7 milhões toneladas de farelo de soja. A expectativa é
de que haja um aumento de 7,6% da safra anterior, colocando o Brasil em
primeira posição na tabela entre os principais produtores do mundo,
ultrapassando os Estados Unidos[4].
Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e
abastecimento, apontam que a participação do agronegócio no total das
exportações passou de 18,7% para 22,9% em 2020. Para o Instituto de
Economia Agrícola, “o comércio exterior só não foi deficitário devido ao
desempenho do agronegócio, uma vez que os demais setores da economia, (...),
produziram um deficit de US$12,27 bilhões no primeiro trimestre de 2020”[5].
De
acordo com os indicadores gerais Agrostat (figura 1), os cinco principais
grupos nas exportações do agronegócio brasileiro, nos quatro primeiros meses de
2020, foram: complexo de soja (responsável por 42,76%), carnes (16,93%),
produtos florestais (11,75%), complexo sucroalcooleiro (6,29%) e café (5,39%). Esses cinco grupos
agregados representam 83,12% das vendas externas setoriais brasileiras:
Figura
1: elaborado pelos autores a partir de dados
do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.[6]
Na comparação com o
primeiro quadrimestre de 2019, houve aumento da participação da soja, em 5,85%,
no complexo sucroalcooleiro, em 1,28% e da carne em 1,1%. Já, o setor de
produtos florestais e cereais, farinhas e preparações tiveram uma queda de
4,96% e 2,33% respectivamente:
Figura 2: elaborado pelos autores a
partir de dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento[7].
O mercado
interno também foi significativamente impactado pela pandemia[8].
Alguns segmentos, de forma positiva, como o da soja, milho e do café. Outros,
negativamente, como de lácteos, sucroenergético, de aves, suíno e bovino:
Impactos
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Cafeeiro
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Há uma expectativa
de crescimento de 25,7% na receita dos produtores de café, em relação à
receita de 2019.
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Soja
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A receita dos
produtores de soja crescerá 14,3% em relação à 2019. Resultado do aumento da
produção e dos preços devido à desvalorização do real em relação ao dólar.
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Milho
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Arroz
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Os produtores estão
se beneficiando da alta demanda do mercado doméstico com aumento de preços de
algumas marcas do quilo de 10% a 40%.
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Sucroenergético
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O setor vive uma
situação dramática devido à queda do consumo do açúcar e do etanol no mercado
doméstico e mundial.
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Suíno
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Várias regiões no
brasil tiveram uma queda de 20% nos abates.
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Aves
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Os pequenos
produtores e os pequenos frigoríficos sentem a desvalorização do frango vivo,
com queda de 10% nos dois primeiros dias do mês de abril.
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Bovino
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O consumo doméstico
pode registrar forte retração, no segundo semestre, devido à diminuição da
renda da população, o que tende ao consumo de proteínas mais baratas.
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Lácteos
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O setor aumentou a
produção dos produtos em pó, diminuindo a produção de UHT. O setor de queijos
teve uma queda de 40%.
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Aquícola
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É o mais lesado,
podendo o prejuízo chegar à casa dos R$6bilhões no ano de 2020.
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Diante do atual cenário, o Governo Federal
apresentou inúmeras medidas para o setor, observando as nuances de cada
segmento. Para o consultor do Instituto Pensar Agropecuário (IPA), Eduardo
Lourenço, as medidas tributárias adotadas para minorar os prejuízos derivados da
pandemia refletem no agronegócio, tais como a “prorrogação de prazos para o
cumprimento de obrigações fiscais, o adiamento da entrega da declaração de
imposto de renda e a redução de alíquota, caso do IOF”.
O Governo Federal ainda prorrogou as dívidas de
crédito rural. A previsão é de que até R$70 bilhões de dívidas sejam
renegociadas. Para Ricardo Alfonsin, Presidente da Comissão de Direito Agrário
e Agronegócio da OAB-RS, esta é uma medida totalmente ineficiente, tendo em
vista que "estamos vendo muitas tradings de cerealistas entrando em
recuperação judicial porque não estão conseguindo cumprir os contratos lá fora.
Isso vai trazer sérios problemas para o produtor”[9].
A
MP 927 abre um crédito extraordinário de R$500 milhões em favor do Ministério
da Cidadania para atender ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – política
pública que adquire produtos da agricultura familiar e os distribui a entidades
filantrópicas e famílias carentes. Os agricultores de pequeno e médio porte
contam com novas linhas de créditos. Para as cooperativas e cerealistas, foi
concedido o financiamento para estocagem e comercialização com recursos do
crédito rural.
Os
Estados de Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Paraíba, Ceará, Pernambuco, Rio Grande
do Norte e Sergipe foram beneficiados pela antecipação do “garantia-safra” (benefício
social para agricultores atingidos pela seca). Estima-se que a manutenção da
merenda escolar injete R$1bilhão no setor, garantindo uma fonte de renda para
os pequenos produtores.
O
INCRA prorrogou por até 60 dias o prazo de vencimento de pagamentos referentes
ao Crédito Instalação, a concessão de título de terra e outras taxas
administrativas. A CEF e o Banco do Brasil ampliaram suas linhas em R$178
bilhões. Os créditos para o agronegócio somam R$30 bilhões, 16,9% do total
disponível. O BB prorrogou as parcelas para 180 dias após o vencimento nas
operações de custeio e 1 ano nas operações de investimento para os produtores
de hortaliças, frutas e flores/plantas ornamentais. O BC flexibilizou as regras
de acesso à Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), concedendo uma expansão da
captação de crédito em R$ 6,3 bilhões, também com o objetivo de facilitar o
crédito para o agronegócio.
O
Banco Mundial prevê que a economia brasileira sofra uma retração de 5% em 2020,
devido aos impactos gerados pela pandemia[10]. As incertezas
perpassam à economia e atingem o âmbito jurídico, sendo necessário a adoção de
medidas judiciais que busquem amenizar os efeitos provocados pela pandemia no
setor agrícola.
Foi
aprovado em Plenário o Projeto de Lei nº 1.179 que, dentre inúmeras medidas,
flexibiliza as regras dos contratos agrários enquanto durar a quarentena. Para
o Ministro do STJ, Ricardo Villas Bôas Cueva, uma importante ferramenta
neste período é a negociação paritária e simétrica entre os agentes do mercado
do agronegócio. A mediação já vinha tomando espaço no setor. Foram ainda apresentados
dois projetos na Câmara dos Deputados: o PL nº 6.279, que possibilita que o
produtor rural no regime jurídico empresarial possa requerer recuperação
judicial, e o PL nº 1397, que institui medidas de caráter emergencial
destinadas a prevenir a crise econômico-financeira do agente econômico,
suspende ações judiciais de execução, decretação de falência e institui uma
negociação preventiva com os credores, entre outras mudanças.
A Lei
nº 13.986/2020, promulgada com base na MP 897/2019 (conhecida como MP do Agro),
trouxe itens de grande importância para o setor durante a pandemia: a
equalização das taxas de juros ao tomador do crédito rural por todos os bancos
públicos e privados, no intuito de estimular a competitividade entre os
agentes, a constituição de propriedade fiduciária de imóveis rurais em favor de
estrangeiros e ampliou as possibilidade de garantias ao crédito rural, com a
criação do Fundo Garantidor Solidário (FGS) e a criação do patrimônio de
afetação. Tais medidas tendem a tornar o
mercado de financiamento agrícola mais competitivo.
Como afirmou o
vice-presidente da União Brasileira dos Agraristas Universitários (Ubau),
Albenir Querubini, diante do cenário atualmente vivido pela economia, “por conta da especialidade das relações
jurídicas decorrente das cadeias produtivas do setor agrário e de sua importância
essencial para a economia e a sociedade brasileira, torna-se cada vez mais
importante a interação do Poder Judiciário com os profissionais técnicos e
jurídicos que atuam e estudam as questões do agro”.[11]
[1] Diretor da SNA
avalia impacto do coronavírus na cadeia produtiva do agro. Disponível em: https://www.sna.agr.br/doutor-agro-o-impacto-do-coronavirus-na-cadeia-produtivo-do-agronegocio/ Acesso em: 30 abr 2020.
[2] FMI prevê para este
ano maior recessão global desde 1929. Disponível em: https://nacoesunidas.org/fmi-preve-para-este-ano-maior-recessao-global-desde-1929/.
Acesso em 30 abr 20.
[3] Até março de 2020 o
complexo de soja representava 35,04% das exportações brasileiras do
agronegócio, segundo dados do Ministério da Economia. Disponível em: http://indicadores.agricultura.gov.br/index.htm
[4] Com supersafra em
2020, Brasil retoma o trono mundial da soja.
Disponível em: https://brasil.elpais.com/economia/2020-04-08/com-supersafra-em-2020-brasil-retoma-o-trono-mundial-da-soja.html
Acesso em 30 abr 20.
[5] Balança Comercial
dos Agronegócios Paulista e Brasileiro, Primeiro Trimestre de 2020. Disponível
em: http://www.iea.agricultura.sp.gov.br/out/TerTexto.php?codTexto=14787 Acesso em 12 mai
2020.
[8] Elaborada com base
em dados disponibilizados pela MilkPointi, disponível em: http://milkpoint.com.br/noticias-e-mercado/giro-noticias/coronavirus-impactos-no-mercado-lacteo-atualizacoes-em-tempo-real-218510/; O informativo.
Disponível em: https://www.informativo.com.br/geral/impactos-da-pandemia-no-setor-lacteo-preocupa-entidades-e-produtores,357863.jhtml; TCP Partners.
Disponível em: http://tcp-partners.com/wp-content/uploads/2020/04/Panorama-do-agroneg%C3%B3cio-brasileiro-2020.pdf; Estadão.
Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,um-quarto-das-usinas-do-pais-pode-fechar-as-portas,70003289912; AviSITE.
Disponível em: https://www.avisite.com.br/index.php?page=noticias&subpage=noticiasclippings&id=37764; CEPEA. Disponível
em: https://cepea.esalq.usp.br/br/categoria/agromensal.aspx?mes=4&ano=2020; EMBRAPA.
Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/51932081/embrapa-divulga-estudo-sobre-tendencias-e-novos-desafios-do-agro-com-a-covid-19; Governo de São
Paulo. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/sala-de-imprensa/release/secretaria-de-agricultura-apresenta-novidades-que-facilitam-aquicultura-em-sp/; e Confederação da
Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Disponível em: https://www.cnabrasil.org.br/areas-de-atuacao/aquicultura.
[9] Juristas debatem
medidas para minimizar os efeitos da pandemia no agro. Disponível em: https://www.sna.agr.br/juristas-debatem-medidas-para-minimizar-os-efeitos-da-pandemia-no-agro/. Acesso em 07 abr
2020.
[10] Banco Mundial prevê
queda de 5% para economia brasileira este ano. Disponível em: https://nacoesunidas.org/banco-mundial-preve-queda-de-5-para-economia-brasileira-este-ano/; Acesso em: 07 abr.
2020.
[11] Juristas debatem
medidas para minimizar os efeitos da pandemia no agro. Disponível em: https://www.sna.agr.br/juristas-debatem-medidas-para-minimizar-os-efeitos-da-pandemia-no-agro/.
Acesso em 07 abr 2020.
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