quinta-feira, 30 de setembro de 2021

ESTRATÉGIA BIM BR - BUILDING INFORMATION MODELLING

  

Stanley Martins Frasão

                                                      Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

                                                                                         Cristina Simões Vieira

                                                                Estagiária de Homero Costa Advogados

 

 

Na maioria dos países da Europa e América do Norte, a industrialização da construção civil chegou ainda na segunda metade do século XX, logo após a segunda grande guerra.

Em muitos países da União Europeia e gigantes asiáticos, esta industrialização seguiu-se de proposituras legais e atos normativos, não sem propósito. Isso porque muito além dos ganhos econômicos, financeiros ou de tempo, há o interesse público.

 

Governos preocupados com a transparência em apurar corretamente e auditar os custos dos gastos públicos, provocaram a criação de leis e atos normativos, provando-se uma eficiência no combate ao desperdício.

 

Esta realidade auxiliou no combate ao superfaturamento, desvios e corrupção.

 

A adoção do BIM - Building Information Modelling no mundo:

 

Iniciou-se nos Estados Unidos em 2003, com um programa nacional de incentivo ao uso do BIM, obrigando sua utilização a partir de 2006, para prédios públicos.

 

A Finlândia usa BIM desde 2001, exigindo que todos os grandes projetos de infraestrutura fossem realizados desta maneira, obrigatoriamente, a partir de 2011.

 

Hong Kong usa BIM desde 2006 no desenvolvimento de projetos populares, principalmente de habitação.

 

A Dinamarca deu seus primeiros passos em 2007, tornando-o obrigatório o uso do BIM em 2011.

Singapura exige o uso do BIM desde 2008, com obrigatoriedade a partir de 2015, para qualquer projeto acima de 5 mil m².

 

Na Holanda, desde 2011 exige-se o BIM em qualquer projeto governamental, que ultrapassasse 10 milhões de euros.

 

Iniciando-se em 2012, o Reino Unido é o mais adiantado em sua adoção, atingindo o segundo nível de maturidade ainda em 2016. Alcançou o terceiro e último nível de maturidade ainda em 2020.

 

Na Coreia do Sul, o serviço de Aquisições Públicas faz uso do BIM para todas as obras públicas acima de 50 milhões de dólares desde 2016.

 

A França adotou obrigatoriamente o BIM em 2017.

 

Na américa do Sul, o Chile desde 2020 determinou o uso do BIM em todas as obras públicas, mas as primeiras iniciativas remontam a 2011.

 

Um dos maiores motores mundiais, senão o maior, na China, o setor de Arquitetura, Engenharia e Construção (AEC) é incentivado pelo governo a usar o BIM, ainda que não obrigatório.

 

Esta “revolução” alcançou o Brasil em 2015.

 

O Decreto nº 9.983, de 22 de agosto de 2019, dispõe sobre a Estratégia Nacional de Disseminação do Building Information Modelling no Brasil - Estratégia BIM BR, instituída com a finalidade de promover um ambiente adequado ao investimento em Building Information Modelling - BIM e a sua difusão no País (art.1º.), tendo revogado o Decreto nº 9.377, de 17 de maio de 2018, que instituiu a Estratégia Nacional de Disseminação do Building Information Modelling.

 

O parágrafo único, artigo 1º., do citado Decreto, considera BIM ou Modelagem da Informação da Construção o conjunto de tecnologias e processos integrados que permite a criação, a utilização e a atualização de modelos digitais de uma construção, de modo colaborativo, de forma a servir a todos os participantes do empreendimento, potencialmente durante todo o ciclo de vida da construção.

 

Na forma do artigo 2º, a Estratégia BIM BR tem os seguintes objetivos: I - difundir o BIM e os seus benefícios; II - coordenar a estruturação do setor público para a adoção do BIM; III - criar condições favoráveis para o investimento, público e privado, em BIM; IV - estimular a capacitação em BIM; V - propor atos normativos que estabeleçam parâmetros para as compras e as contratações públicas com uso do BIM; VI - desenvolver normas técnicas, guias e protocolos específicos para adoção do BIM; VII - desenvolver a Plataforma e a Biblioteca Nacional BIM; VIII - estimular o desenvolvimento e a aplicação de novas tecnologias relacionadas ao BIM; e, IX - incentivar a concorrência no mercado por meio de padrões neutros de interoperabilidade BIM.

 

O Comitê Gestor da Estratégia do Building Information Modelling instituído pelo Decreto é órgão deliberativo destinado a implementar a Estratégia BIM BR e gerenciar as suas ações, tendo por competência as atribuições listadas no art. 5º e sua composição listada no art. 6º. do Decreto.

 

Registra-se que a participação no Comitê Gestor da Estratégia BIM BR, no Grupo Técnico da Estratégia BIM BR e nos grupos de trabalho será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada (Art. 13.).

 

Em 3 de abril de 2020, foi publicado o Decreto nº 10.306, de 2 de abril de 2020, que estabelece a utilização do Building Information ModellingBIM ou Modelagem da Informação da Construção na execução direta ou indireta de obras e serviços de engenharia, realizada pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal, no âmbito da Estratégia Nacional de Disseminação do Building Information Modelling- Estratégia BIMBR, instituída pelo Decreto nº 9.983, de 22 de agosto de 2019 (art.1º).

A implementação (art. 4º.) do BIM ocorrerá de forma gradual, obedecidas as seguintes fases: I - primeira fase - a partir de 1º de janeiro de 2021, o BIM deverá ser utilizado no desenvolvimento de projetos de arquitetura e engenharia, referentes a construções novas, ampliações ou reabilitações, quando consideradas de grande relevância para a disseminação do BIM; II - segunda fase - a partir de 1º de janeiro de 2024, o BIM deverá ser utilizado na execução direta ou indireta de projetos de arquitetura e engenharia e na gestão de obras, referentes a construções novas, reformas, ampliações ou reabilitações, quando consideradas de grande relevância para a disseminação do BIM; III - terceira fase: a partir de 1º de janeiro de 2028, o BIM deverá ser utilizado no desenvolvimento de projetos de arquitetura e engenharia e na gestão de obras referentes a construções novas, reformas, ampliações e reabilitações, quando consideradas de média ou grande relevância para a disseminação do BIM.

 

O art. 6º prescreve a obrigação de o contratado utilizar o BIM, devendo abranger, no mínimo, os requisitos indicados nos incisos de I a IX e § § 1º e 2º.

 

O Decreto, em seu art. 9º, prescreve que os projetos de arquitetura e engenharia que não tenham requisitos mínimos estabelecidos por lei federal, quando exigidos pelos editais ou instrumentos contratuais publicados ou firmados pelos órgãos e pelas entidades vinculados à disseminação do BIM, deverão ser elaborados pelo contratado e deverão atender: I - aos parâmetros mínimos estabelecidos neste Decreto; II - às melhores práticas para a execução de fluxos de trabalho com o uso do BIM; e, III -quando couber, ao disposto nas normas técnicas pertinentes.

 

A Estratégia BIM BR foi testada e aprovada em Florianópolis (SC), o projeto da escola de Tapera, que possibilitou detectar 286 erros de projeto; permitiu o estudo e a aplicação das soluções necessárias antes do início das obras; eliminou a necessidade de aditamento do contrato; permitiu o acompanhamento em tempo integral; reduziu o tempo de execução da obra; reduziu custo com mão de obra; e gerou transparência na execução da obra. (http://www.vilaron.com.br/case-bim-da-prefeitura-de-florianopolis-em-santa-catarina)

 

Mesmo diante de tantos avanços significativos nos últimos 10 anos, a realidade do uso do BIM nas contratações públicas ainda está longe de ser realidade, principalmente pelos desconhecimentos técnico e jurídico no âmbito de elaboração/manutenção de contratos, na fase licitatória e, após vencido o certame, e ainda, bem antes, no momento de analisar os editais; e por manobras jurídicas discutíveis explorando brechas.

 

Muitos editais simplesmente ignoram o decreto e atos normativos. O governo federal é o maior comprador neste setor da economia, principalmente na contratação de obras de infraestrutura.

 

Grandes empresas, principalmente de manufatura, já usavam BIM desde o início dos anos 2000, junto com as primeiras iniciativas governamentais de outros países. Neste sentido, a correta e clara interpretação jurídica, na disseminação e implantação do BIM devem ser pautadas, visando subsidiar as administrações municipais, estaduais e federal, além de empresas interessadas em participar destas obras. Em frente Brasil!

 

 

O ITBI E O ITCD DEVEM SER CALCULADOS DE ACORDO COM O VALOR VENAL

  

Gustavo Pires Maia da Silva

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

 

Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (“ITBI”) é um tributo municipal, cobrado pelas prefeituras.

 

O ITBI está previsto no Artigo 156, Inciso II, da Constituição da República de 1988 e nos Artigos 35 a 42 do Código Tributário Nacional (“CTN”).

 

O Artigo 38 do CTN preconiza que a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.

 

O ITBI é imposto sujeito a lançamento por homologação, cabendo ao contribuinte declarar o valor da operação que sofrerá a incidência do tributo.

 

Identificado pela Fiscalização do Município a incorreção do valor declarado como base de cálculo, deverá instaurar procedimento administrativo fiscal, nos termos do Artigo 148 do CTN.

 

Cumpre esclarecer que nenhum tributo será instituído, nem aumentado, a não ser por intermédio de lei, com exceção das hipóteses previstas na Constituição Federal. Portanto, a Lei ou Decreto Municipal não pode, em hipótese alguma, extrapolar seu limite regulamentar, convencionando base de cálculo diversa da antevista, sob pena de violação ao princípio da legalidade tributária estrita, previsto no Artigo 150, Inciso I, da CR/88 e no Artigo 97, Inciso II, §1º do Código Tributário Nacional.

 

Configura afronta ao princípio da segurança jurídica estampado no Artigo 5º “caput”, da CF/88 e ao da legalidade estrita previsto nos Artigos 37 e 150 da Carta Magna, caso, no mesmo exercício, o Município adote um valor venal para o cálculo do IPTU e um outro, mais elevado, para o cálculo do ITBI.

 

Nesse sentido, o Poder Judiciário tem concedido aos contribuintes, decisões favoráveis, determinando que os Municípios apliquem o valor venal do imóvel utilizado para o cálculo do IPTU para efeitos de apuração do ITBI. Não é razoável que um mesmo imóvel apresente valores venais distintos, segundo se trate de lançamento de ITBI ou de IPTU.

Temos alguns precedentes importantes no sentido de que os Municípios devem empregar o valor venal do imóvel utilizado para o cálculo do IPTU para efeitos de contagem do ITBI.

 

A mesma ideia vale para o cálculo do ITCD nas operações que envolvam bens imóveis.

Diante de todo o exposto, se algum contribuinte estiver em situação semelhante de cobrança equivocada do ITBI e/ou do ITCD, sem a aplicação pelas Municipalidades ou Estados do valor venal do imóvel, contido na guia de IPTU, restará ao Poder Judiciário a solução.

 

PARTICIPAÇÃO DE EMPREGADO MEDIANTE COAÇÃO EM RITUAL DE CUNHO RELIGIOSO – CONSEQUÊNCIAS LEGAIS

  

Orlando José de Almeida

                                                      Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

                                                                                         Cristina Simões Vieira

                                                                Estagiária de Homero Costa Advogados

 

 

No dia 1º de setembro do ano curso foi publicada notícia, no site do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, intitulada “Trabalhadora coagida a participar de ritual de cunho religioso durante jornada de trabalho em MG será indenizada”.[i]

 

A reparação por danos morais deferida teve como fundamento a dispensa de uma ex-empregada de um supermercado, que era “constrangida durante o contrato de trabalho a participar de roda de oração antes da jornada de trabalho”, sendo que “o gerente chegou a chamar sua atenção por deixar de comparecer ao ritual, e, passou a persegui-la até que houvesse a dispensa por justa causa”.

 

Na notícia foi indicado que, “para o desembargador Jorge Berg de Mendonça, relator do caso, ficou claro pelas provas que o gerente desrespeitava as convicções religiosas dos empregados de forma habitual, impondo-lhes coativamente prática de culto. Ele chamou a atenção para o estado de sujeição em que se acham os empregados, economicamente frágeis e dependentes da fonte de renda do empregador”.

 

Além da condenação em pecúnia, e diante da “constatação de que a empresa submetia coletivamente seus empregados a ritual de cunho religioso e no local de trabalho, com violação de suas garantias individuais de liberdade de crença”, foi determinada a expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho, para eventuais apurações e providências.

 

A seguir, apresentaremos uma sucinta consideração a respeito do tema.

 

O nosso ordenamento jurídico estabelece que o cidadão é livre para escolher a sua religião e praticar a sua fé.

 

A Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo 18°, dispõe que “toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”.

 

Nessa mesma direção restou positivado na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos em seu artigo 12º.

 

O Brasil de igual forma reconhece como direito fundamental a liberdade do cidadão para seguir a sua crença, sendo a matéria tratada, portanto, na nossa Lei Maior.

 

Nesse cenário, devem ser destacadas as disposições contidas nos incisos VI e VIII, do artigo 5º, da Constituição Federal:

 

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

 

Com efeito, o Estado tem o dever de prevenir e eliminar todas as formas de intolerância e discriminação religiosa, o que alcança, naturalmente, os ambientes de trabalho.

 

Isso não quer dizer que as empresas ou os empregadores não podem incentivar o fortalecimento da espiritualidade de seus colaboradores, dentro da jornada de trabalho ou do espaço em que são desenvolvidas as atividades laborais.

 

Tanto é verdade que esse fato não é incomum.

 

Rogério Rodrigues da Silva, Professor e Psicólogo, em seu artigo “Espiritualidade e Religião no Trabalho: Possíveis Implicações para o Contexto Organizacional”, menciona que “do ponto de vista da organização, a expansão desse movimento de espiritualidade no trabalho insere-se em uma perspectiva organizacional vinculada a uma postura mais humanista diante do mundo. Para Cavanagh (1999), as empresas têm adotado uma axiologia mais transcendental, ligada a valores como paz interior, verdade, respeito e honestidade, que se relaciona a uma busca por significado, por equilíbrio e por humanização e por maior integração da empresa com a sociedade”.

 

Adiante, no mesmo artigo, prossegue: “De acordo com Pauchant (2002), a espiritualidade no contexto do trabalho não está ligada a um sistema religioso, a uma tipologia específica, nem mesmo a uma ritualística organizada ou a um proselitismo dentro das organizações. Ela não envolve rituais, doutrinas ou crenças religiosas institucionalizadas, ainda que carregue valores comuns à maioria das religiões. Esse autor considera a espiritualidade no contexto organizacional uma forma de humanização e uma nova perspectiva de auto realização no trabalho”.

 

O que não pode ser tolerado é o direcionamento, mediante coação, no sentido de que o empregado participe de determinada religião ou que se abstenha de seguir a de sua escolha.

 

Para Mangoni, “forçar a mudança na fé das pessoas é uma das maiores violências, pois mexe com o todo da pessoa, com o significado de sua vida. E o ser humano não consegue viver se não conseguir significar sua vida.”[ii]

 

O empregador possui o poder diretivo na relação de emprego, mas esse poder deve ser exercido com a cautela necessária a fim de que não sejam violados direitos fundamentais de seus colaboradores e princípios previstos na Constituição, como é o caso do respeito à dignidade da pessoa humana.

 

Aliás, Ingo Wolfgang Sarlet ensina: “Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”[iii]

 

O certo é que atitudes coercitivas como as descritas acima poderão configurar assédio moral e desaguar nas consequências já apontadas, e até mesmo eventual discussão e pleito de rescisão indireta do contrato de trabalho.