quinta-feira, 30 de setembro de 2021

PARTICIPAÇÃO DE EMPREGADO MEDIANTE COAÇÃO EM RITUAL DE CUNHO RELIGIOSO – CONSEQUÊNCIAS LEGAIS

  

Orlando José de Almeida

                                                      Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

                                                                                         Cristina Simões Vieira

                                                                Estagiária de Homero Costa Advogados

 

 

No dia 1º de setembro do ano curso foi publicada notícia, no site do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, intitulada “Trabalhadora coagida a participar de ritual de cunho religioso durante jornada de trabalho em MG será indenizada”.[i]

 

A reparação por danos morais deferida teve como fundamento a dispensa de uma ex-empregada de um supermercado, que era “constrangida durante o contrato de trabalho a participar de roda de oração antes da jornada de trabalho”, sendo que “o gerente chegou a chamar sua atenção por deixar de comparecer ao ritual, e, passou a persegui-la até que houvesse a dispensa por justa causa”.

 

Na notícia foi indicado que, “para o desembargador Jorge Berg de Mendonça, relator do caso, ficou claro pelas provas que o gerente desrespeitava as convicções religiosas dos empregados de forma habitual, impondo-lhes coativamente prática de culto. Ele chamou a atenção para o estado de sujeição em que se acham os empregados, economicamente frágeis e dependentes da fonte de renda do empregador”.

 

Além da condenação em pecúnia, e diante da “constatação de que a empresa submetia coletivamente seus empregados a ritual de cunho religioso e no local de trabalho, com violação de suas garantias individuais de liberdade de crença”, foi determinada a expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho, para eventuais apurações e providências.

 

A seguir, apresentaremos uma sucinta consideração a respeito do tema.

 

O nosso ordenamento jurídico estabelece que o cidadão é livre para escolher a sua religião e praticar a sua fé.

 

A Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo 18°, dispõe que “toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”.

 

Nessa mesma direção restou positivado na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos em seu artigo 12º.

 

O Brasil de igual forma reconhece como direito fundamental a liberdade do cidadão para seguir a sua crença, sendo a matéria tratada, portanto, na nossa Lei Maior.

 

Nesse cenário, devem ser destacadas as disposições contidas nos incisos VI e VIII, do artigo 5º, da Constituição Federal:

 

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

 

Com efeito, o Estado tem o dever de prevenir e eliminar todas as formas de intolerância e discriminação religiosa, o que alcança, naturalmente, os ambientes de trabalho.

 

Isso não quer dizer que as empresas ou os empregadores não podem incentivar o fortalecimento da espiritualidade de seus colaboradores, dentro da jornada de trabalho ou do espaço em que são desenvolvidas as atividades laborais.

 

Tanto é verdade que esse fato não é incomum.

 

Rogério Rodrigues da Silva, Professor e Psicólogo, em seu artigo “Espiritualidade e Religião no Trabalho: Possíveis Implicações para o Contexto Organizacional”, menciona que “do ponto de vista da organização, a expansão desse movimento de espiritualidade no trabalho insere-se em uma perspectiva organizacional vinculada a uma postura mais humanista diante do mundo. Para Cavanagh (1999), as empresas têm adotado uma axiologia mais transcendental, ligada a valores como paz interior, verdade, respeito e honestidade, que se relaciona a uma busca por significado, por equilíbrio e por humanização e por maior integração da empresa com a sociedade”.

 

Adiante, no mesmo artigo, prossegue: “De acordo com Pauchant (2002), a espiritualidade no contexto do trabalho não está ligada a um sistema religioso, a uma tipologia específica, nem mesmo a uma ritualística organizada ou a um proselitismo dentro das organizações. Ela não envolve rituais, doutrinas ou crenças religiosas institucionalizadas, ainda que carregue valores comuns à maioria das religiões. Esse autor considera a espiritualidade no contexto organizacional uma forma de humanização e uma nova perspectiva de auto realização no trabalho”.

 

O que não pode ser tolerado é o direcionamento, mediante coação, no sentido de que o empregado participe de determinada religião ou que se abstenha de seguir a de sua escolha.

 

Para Mangoni, “forçar a mudança na fé das pessoas é uma das maiores violências, pois mexe com o todo da pessoa, com o significado de sua vida. E o ser humano não consegue viver se não conseguir significar sua vida.”[ii]

 

O empregador possui o poder diretivo na relação de emprego, mas esse poder deve ser exercido com a cautela necessária a fim de que não sejam violados direitos fundamentais de seus colaboradores e princípios previstos na Constituição, como é o caso do respeito à dignidade da pessoa humana.

 

Aliás, Ingo Wolfgang Sarlet ensina: “Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”[iii]

 

O certo é que atitudes coercitivas como as descritas acima poderão configurar assédio moral e desaguar nas consequências já apontadas, e até mesmo eventual discussão e pleito de rescisão indireta do contrato de trabalho.

 

 

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