Orlando José de Almeida
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados
Cristina Simões Vieira
Estagiária de Homero Costa Advogados
No
dia 1º de setembro do ano curso foi publicada notícia, no site do Tribunal
Regional do Trabalho da Terceira Região, intitulada “Trabalhadora coagida a
participar de ritual de cunho religioso durante jornada de trabalho em MG será
indenizada”.[i]
A
reparação por danos morais deferida teve como fundamento a dispensa de uma
ex-empregada de um supermercado, que era “constrangida durante o contrato de
trabalho a participar de roda de oração antes da jornada de trabalho”, sendo
que “o gerente chegou a chamar sua atenção por deixar de comparecer ao ritual,
e, passou a persegui-la até que houvesse a dispensa por justa causa”.
Na
notícia foi indicado que, “para o desembargador Jorge Berg de Mendonça, relator
do caso, ficou claro pelas provas que o gerente desrespeitava as convicções
religiosas dos empregados de forma habitual, impondo-lhes coativamente prática
de culto. Ele chamou a atenção para o estado de sujeição em que se acham os
empregados, economicamente frágeis e dependentes da fonte de renda do
empregador”.
Além
da condenação em pecúnia, e diante da “constatação de que a empresa submetia
coletivamente seus empregados a ritual de cunho religioso e no local de
trabalho, com violação de suas garantias individuais de liberdade de crença”,
foi determinada a expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho, para
eventuais apurações e providências.
A
seguir, apresentaremos uma sucinta consideração a respeito do tema.
O
nosso ordenamento jurídico estabelece que o cidadão é livre para escolher a sua
religião e praticar a sua fé.
A
Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo 18°, dispõe que “toda a
pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião;
este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim
como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum,
tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos
ritos”.
Nessa
mesma direção restou positivado na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos
em seu artigo 12º.
O
Brasil de igual forma reconhece como direito fundamental a liberdade do cidadão
para seguir a sua crença, sendo a matéria tratada, portanto, na nossa Lei
Maior.
Nesse
cenário, devem ser destacadas as disposições contidas nos incisos VI e VIII, do
artigo 5º, da Constituição Federal:
VI - é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a
suas liturgias.
VIII - ninguém será privado de
direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política,
salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.
Com
efeito, o Estado tem o dever de prevenir e eliminar todas as formas de
intolerância e discriminação religiosa, o que alcança, naturalmente, os
ambientes de trabalho.
Isso
não quer dizer que as empresas ou os empregadores não podem incentivar o fortalecimento
da espiritualidade de seus colaboradores, dentro da jornada de trabalho ou do
espaço em que são desenvolvidas as atividades laborais.
Tanto
é verdade que esse fato não é incomum.
Rogério
Rodrigues da Silva, Professor e Psicólogo, em seu artigo “Espiritualidade e
Religião no Trabalho: Possíveis Implicações para o Contexto Organizacional”,
menciona que “do ponto de vista da organização, a expansão desse movimento de
espiritualidade no trabalho insere-se em uma perspectiva organizacional
vinculada a uma postura mais humanista diante do mundo. Para Cavanagh (1999),
as empresas têm adotado uma axiologia mais transcendental, ligada a valores
como paz interior, verdade, respeito e honestidade, que se relaciona a uma
busca por significado, por equilíbrio e por humanização e por maior integração
da empresa com a sociedade”.
Adiante,
no mesmo artigo, prossegue: “De acordo com Pauchant (2002), a espiritualidade
no contexto do trabalho não está ligada a um sistema religioso, a uma tipologia
específica, nem mesmo a uma ritualística organizada ou a um proselitismo dentro
das organizações. Ela não envolve rituais, doutrinas ou crenças religiosas
institucionalizadas, ainda que carregue valores comuns à maioria das religiões.
Esse autor considera a espiritualidade no contexto organizacional uma forma de
humanização e uma nova perspectiva de auto realização no trabalho”.
O
que não pode ser tolerado é o direcionamento, mediante coação, no sentido de
que o empregado participe de determinada religião ou que se abstenha de seguir
a de sua escolha.
Para
Mangoni, “forçar a mudança na fé das pessoas é uma das maiores violências, pois
mexe com o todo da pessoa, com o significado de sua vida. E o ser humano não
consegue viver se não conseguir significar sua vida.”[ii]
O
empregador possui o poder diretivo na relação de emprego, mas esse poder deve
ser exercido com a cautela necessária a fim de que não sejam violados direitos
fundamentais de seus colaboradores e princípios previstos na Constituição, como
é o caso do respeito à dignidade da pessoa humana.
Aliás,
Ingo Wolfgang Sarlet ensina: “Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade
intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do
mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando,
neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a
pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como
venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos
destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres
humanos.”[iii]
O
certo é que atitudes coercitivas como as descritas acima poderão configurar
assédio moral e desaguar nas consequências já apontadas, e até mesmo eventual
discussão e pleito de rescisão indireta do contrato de trabalho.
[i]
https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/trabalhadora-coagida-a-participar-de-ritual-de-cunho-religioso-durante-jornada-de-trabalho-sera-indenizada
[iii]
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado. p.
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