quarta-feira, 28 de outubro de 2020

A LAMENTÁVEL SOLUÇÃO DE CONSULTA INTERNA COSIT RFB Nº 13/2018

 

Gustavo Pires Maia da Silva

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

Santiago Souza Sarreiro

Estagiário de Homero Costa Advogados

 

O Supremo Tribunal Federal (STF), em 15/03/2017, definiu em sede de repercussão geral, no julgamento do RE nº 574.706/PR, que o “o ICMS (em sua totalidade) não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS”.

No julgamento do RE nº 574.706/PR, o STF decidiu que a legislação que trata do PIS e da COFINS (desde a Constituição) não prevê a inclusão do ICMS na base de cálculo dessas contribuições. Exatamente por esse motivo, o valor do ICMS que foi efetivamente incluído na base de cálculo dos PIS e da COFINS deve ser excluído para apuração do indébito visando a devolução pela União dos valores pagos a maior.

Restou claro no voto da Ministra Cármen Lúcia, Relatora do Recurso Extraordinário, que o ICMS que deve ser excluído é o destacado na nota fiscal (ICMS com base nas operações de saída), o que, inclusive, já foi ratificado por inúmeras outras decisões proferidas pelos Tribunais Regionais Federais.

Em total afronta à repartição dos Poderes e, porque não dizer, em claro ato de desobediência ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a Secretaria da Receita Federal do Brasil editou a Solução de Consulta Interna COSIT nº 13/2018, indicando de forma equivocada que a parcela a ser excluída da base de cálculo mensal das contribuições ao PIS e à COFINS é aquela relacionada com o valor mensal do ICMS a recolher e não o valor de saída.

A motivação para a criação e aplicação da Solução Consulta é a nítida queda de arrecadação, em descabida afronta ao julgamento da Corte Máxima.

Ao assim agir, o Fisco Federal desvirtua completamente a decisão meritória do STF, reduzindo-a a nada para as empresas que possuem quadro de saldo credor do ICMS, por exemplo, àquelas as quais, apesar de não terem o ICMS a recolher, ou terem significativa redução, continuariam a ter a indevida inclusão da totalidade do imposto estadual na base de cálculo do PIS e da COFINS.

Lamentável a atitude da Receita Federal do Brasil com a criação e a aplicação da Solução de Consulta Interna COSIT nº 13/2018, porque despida de suporte legal, por não fazer qualquer referência à lei, mostrando-se ilegal e inconstitucional, na medida que: a) trata de uma clara limitação ao direito dos contribuintes não prevista no ordenamento jurídico; b) obriga os contribuintes a adotarem procedimentos que contrariam decisões proferidas em processos judiciais, interpretando de forma arbitrária a posição da mais Alta Corte de Justiça.

Atento à inadequada aplicação da Solução de Consulta, inúmeras decisões estão sendo proclamadas pelos Tribunais Regionais Federais das cinco regiões, afastando o incorreto entendimento do Fisco Federal, de forma a permitir que os contribuintes excluam o ICMS destacado na nota fiscal das bases de cálculo do PIS e da COFINS.

O déficit de recolhimento não pode, jamais, ser justificado pela criação de atos normativos ilegais e/ou inconstitucionais que prejudicam exclusivamente os contribuintes.

Conclui-se, que a Solução de Consulta Interna COSIT nº 13/2018 não deve ser utilizada em desfavor dos contribuintes, por não se subsumir às razões de decidir do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE nº 574.706/PR e, portanto, não justificar a limitação do ICMS a ser excluído da base de cálculo das Contribuições ao PIS e à COFINS, bem como por restringir direito do contribuinte sem o necessário amparo legal. Caso prevaleça o posicionamento viciado da Receita Federal, a judicialização da matéria será certa, com o objetivo de alcançar valores máximos de restituição/compensação das contribuições.

DISPENSA POR JUSTA CAUSA – DESVIO DE DADOS SIGILOSOS

 

Orlando José de Almeida

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

Cristina Simões Vieira

Estagiário de Homero Costa Advogados

 

 A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, elenca em seu artigo 482 hipóteses que autorizam o rompimento do contrato de trabalho por justa causa. 

Na realidade, tais situações decorrem de faltas graves cometidas pelo empregado, sendo que a natureza da penalidade motivadora da dispensa gera sérias consequências, como por exemplo, não poderá o trabalhador movimentar a conta do FGTS, perde o direito à multa rescisória do FGTS, ao aviso prévio indenizado, dentre outros.

Diante disso, por se tratar de penalidade extrema, para a sua aplicação, recomenda-se muita cautela, devendo o empregador cercar de cuidados para que a mesma, em caso de o empregado buscar o judiciário, não seja revertida para dispensa imotivada, com a condenação ao pagamento das parcelas decorrentes dessa modalidade.

E seguindo essa linha vale destacar: a) a prova dos fatos motivadores da dispensa deve ser firme e robusta, considerando que o natural no direito do trabalho é a manutenção do contrato de trabalho (princípio da continuidade); b) deve ser demonstrado o nexo de causalidade entre a falta cometida e a penalidade aplicada; c) a punição deve ser célere (princípio da imediatidade) de modo a evitar a configuração do perdão tácito; d) o fato, em regra, deve resultar a quebra de um dos principais elos que ligam as partes (empregado e empregador) que é a confiança.

Com efeito, diante da constatação dos pressupostos legais o empregador pode se valer dessa alternativa.

E uma situação que vem chamando a atenção é a frequência de decisões a respeito da validade da aplicação de justa causa a funcionários que se apropriaram indevidamente de dados dos empregadores, notadamente dos clientes destes.

Recentemente, em 29 de junho, conforme notícia publicada, a Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho[1] confirmou acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que reconheceu a dispensa por justa causa de uma ex-bancária do Itaú-Unibanco por prática de ato de improbidade.

A fundamentação decorreu porque a empregada “enviou arquivos para seu e-mail pessoal que continham dados sigilosos de clientes”. Restou asseverado que "havia norma expressa no sentido de que o e-mail pessoal dos empregados não pode ser utilizado para armazenamento de informações dos clientes”, e “que a empregada assinou termo de segurança e privacidade das informações dos clientes do banco.” 

Na notícia foi indicada a omissão do número do processo “para preservar a identidade da parte”, no caso a Reclamante.

Ademais, merece ser lembrado que recentemente entrou em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Cristiane Carvalho Andrade Araújo e Ricardo Calcini, em artigo pulicado[2] indicam que a Lei “foi criada para prever e regulamentar questões relacionadas ao tratamento de dados pessoais nos meios digitais, inclusive por pessoas físicas ou jurídicas, privadas ou públicas. A sua aplicação se dá em todos os setores da economia e do Direito, sendo aplicável sempre que houver algum tipo de coleta de dados de terceiros, como ocorre, por exemplo, nas relações trabalhistas e consumeristas.”

Outro julgamento que ilustra bem o tema sob análise é o seguinte:

EMENTA: JUSTA CAUSA. APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE DADOS SIGILOSOS PARA FAVORECIMENTO PRÓPRIO E DA CONCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DE SEGREDO DE EMPRESA. MAU PROCEDIMENTO CONFIGURADO. Postas as premissas de que o emprego é a fonte essencial de subsistência do trabalhador e que a continuidade do contrato de trabalho se presume, é forçoso concluir que a irregularidade de conduta, pondo em risco a manutenção do emprego, do qual o trabalhador necessita para seu sustento, contraria a ordem natural do sistema de relações do trabalho e, assim, deve ser cabalmente provada. In casu, ficou constatado que o autor apoderou-se de um bem incorpóreo e sigiloso da reclamada, qual seja, a lista de clientes e potenciais clientes constante do banco de dados da ré, e a utilizou com a nítida intenção de captar clientes para sua nova empregadora, caracterizando violação de segredo. Configurado, ainda, o mau procedimento, em virtude da desleal atitude do empregado, ao trair a confiança e a fidelidade necessárias na prestação de serviços em prol da reclamada. Desse modo, logrou êxito a ré em demonstrar um quadro comportamental de mau procedimento por parte do demandante, bem como a violação de segredo de empresa, e que a punição aplicada não se revelou excessivamente rigorosa. Acolhe-se, portanto, a alegação de falta grave atribuída ao demandante, sendo, pois, de rigor, o reconhecimento do despedimento motivado. Recurso do autor ao qual se nega provimento. (TRT da 2ª Região, 4ª Turma, processo nº 0003074-86.2013.5.02.0079).

 

Noutro norte, a prática de ato de improbidade, de concorrência desleal ou mau procedimento, conforme situações realçadas nos modelos adotados acima, além do reflexo trabalhista, em razão de perda do emprego e de grande parte das verbas rescisórias, pode também gerar consequências na esfera criminal. Todavia, embora interligados os assuntos podem ser tratados de forma independente.

O certo é que, do ponto de vista do direito do trabalho, para buscar maior segurança e proteger as suas informações, recomenda-se que o empregador adote normas claras onde o empregado manifeste ciência sobre quais devem ser mantidas em sigilo e os documentos que não podem ser desviados ou utilizados fora do ambiente de trabalho.

Lembre-se que os regimentos internos ou códigos de conduta podem ser editados por autorização do artigo 444, da CLT. Tratam-se de ferramentas adicionais estabelecendo direitos e deveres para as partes da relação laboral.