Bernardo José Drumond
Gonçalves
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados
Pedro Augusto Soares Vilas
Boas
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados
No último dia do mês de abril deste ano de
2019, foi editada pelo Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, a
Medida Provisória nº 881/2019, que teve por objetivo instituir a
Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecer garantias de livre
mercado, análise de impacto regulatório, além de dar outras providências. A MP visa precipuamente trazer dinamismo no
mundo das relações econômicas, sendo apresentada como “Declaração de Direitos
de Liberdade Econômica”.
Vários pontos merecem aplausos, pois têm como
objetivo desburocratizar a livre-iniciativa. Dentre os quais se destaca o
estampado no artigo 3º, IX, que dispõe que será considerada aprovado
requerimento do cidadão quando o ente público não responde a determinado pleito
em tempo determinado – é a chamada “aprovação tácita”.
Embora a MP seja merecedora de alguns
elogios, como o acima, há pontos que merecem ressalvas. Este artigo abordará um
deles: a alteração feita pelo artigo 7º, que alterou importante dispositivo do
Código Civil Brasileiro: o que trata da desconsideração da personalidade
jurídica, disciplinada no artigo 50.
O instituto da desconsideração da
personalidade jurídica permite que o patrimônio de sócios seja eventual e excepcionalmente
alcançado para responder por dívidas contraídas pela sociedade que integram. No
caminho inverso, bens da sociedade podem responder por dívidas contraídas por
seus sócios. Para que a medida da desconsideração seja implementada, existem pressupostos
que devem ser preenchidos e comprovados.
Em resumo, os pressupostos para o deferimento
da medida eram a caracterização do desvio de finalidade da pessoa jurídica ou a
confusão patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e os da pessoa física. Na
ocorrência de um desses dois fatos, restava configurado o abuso de
personalidade, o que justificava ao magistrado deferir o pedido para
desconsideração da personalidade jurídica através de um incidente processual,
em via direta ou inversa.
A MP nº 881/2019 atuou exatamente nesses
pontos, alterando-os significativamente. Vejamos as alterações (em destaque)
implementadas no Artigo 50 do Código Civil Brasileiro:
Antes
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Depois
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Art.
50. Em caso de abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do
Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de
certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
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Art.
50. Em caso de abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o
juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber
intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de
administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente
pelo abuso.
§ 1º Para fins do disposto neste artigo,
desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito
de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a
ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I - cumprimento repetitivo pela sociedade
de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II - transferência de ativos ou de passivos
sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente
insignificante; e
III - outros atos de descumprimento da
autonomia patrimonial.
§ 3º O disposto no caput e nos § 1º e § 2º
também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à
pessoa jurídica.
§ 4º A mera existência de grupo econômico
sem a presença dos requisitos de que trata o caput não autoriza a
desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a
mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica
específica da pessoa jurídica.
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Dentre as alterações, destaca-se:
-
O credor passa a ter que comprovar que o devedor se beneficiou do abuso na utilização da personalidade jurídica
a que integra;
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Passa a ser necessária a comprovação do dolo do devedor, ou seja, a sua intenção de lesar o credor mediante a
utilização de sua pessoa jurídica;
-
A confusão patrimonial passa a ser caracterizada pela análise de critérios objetivos;
-
A existência de Grupo Econômico, por si só, não mais caracteriza a confusão patrimonial, cabendo ao credor preencher
os requisitos acima.
Verifica-se que a MP alterou profundamente os
requisitos autorizadores da medida, tornando-os de difícil alcance e,
consequentemente, mais penoso o caminho dos credores, em benefício dos
devedores. Lado outro, vale destacar o fato de trazer maior segurança jurídica
para os investidores, que passam a ter uma maior dificuldade em ter seu
patrimônio pessoal envolvido em consequência de algum inadimplemento
societário.
Assim, se, por um lado, há quem defenda que
foi privilegiado o princípio da separação das pessoas jurídicas/físicas, fato é
que as alterações, a bem dizer, tornaram quase mais distante algo que já não
era tão simples e automático (exceto para a Fazenda Pública e para os processos
em trâmite na Justiça do Trabalho), pois a desconsideração da personalidade
jurídica somente era decretada pelos Juízes após terem sido esgotados os meios
convencionais de recebimento das dívidas e, quando comprovados os requisitos.
É importante reconhecer, contudo, que as
alterações trazidas pela MP, de certa forma, apresentam-se consonância com a
jurisprudência que vinha se formando acerca do instituto, principalmente no
âmbito dos Tribunais Superiores.
Em vista disso, há uma maior preocupação com
a solidez dos negócios jurídicos, que passarão a demandar maior número de
garantias a serem acionadas para a hipótese de descumprimento de obrigações,
pois os mecanismos processuais da desconsideração da personalidade jurídica
perderão força, com a confirmação dos ditames da MP 881/2019.