segunda-feira, 24 de junho de 2019

OS IMPACTOS DA MEDIDA PROVISÓRIA 881/2019 NA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA




Bernardo José Drumond Gonçalves
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

Pedro Augusto Soares Vilas Boas
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados


No último dia do mês de abril deste ano de 2019, foi editada pelo Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, a Medida Provisória nº 881/2019, que teve por objetivo instituir a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecer garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, além de dar outras providências. A MP visa precipuamente trazer dinamismo no mundo das relações econômicas, sendo apresentada como “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”.

Vários pontos merecem aplausos, pois têm como objetivo desburocratizar a livre-iniciativa. Dentre os quais se destaca o estampado no artigo 3º, IX, que dispõe que será considerada aprovado requerimento do cidadão quando o ente público não responde a determinado pleito em tempo determinado – é a chamada “aprovação tácita”.

Embora a MP seja merecedora de alguns elogios, como o acima, há pontos que merecem ressalvas. Este artigo abordará um deles: a alteração feita pelo artigo 7º, que alterou importante dispositivo do Código Civil Brasileiro: o que trata da desconsideração da personalidade jurídica, disciplinada no artigo 50.

O instituto da desconsideração da personalidade jurídica permite que o patrimônio de sócios seja eventual e excepcionalmente alcançado para responder por dívidas contraídas pela sociedade que integram. No caminho inverso, bens da sociedade podem responder por dívidas contraídas por seus sócios. Para que a medida da desconsideração seja implementada, existem pressupostos que devem ser preenchidos e comprovados.

Em resumo, os pressupostos para o deferimento da medida eram a caracterização do desvio de finalidade da pessoa jurídica ou a confusão patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e os da pessoa física. Na ocorrência de um desses dois fatos, restava configurado o abuso de personalidade, o que justificava ao magistrado deferir o pedido para desconsideração da personalidade jurídica através de um incidente processual, em via direta ou inversa.

A MP nº 881/2019 atuou exatamente nesses pontos, alterando-os significativamente. Vejamos as alterações (em destaque) implementadas no Artigo 50 do Código Civil Brasileiro:

Antes
Depois
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§ 1º Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante; e

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

§ 3º O disposto no caput e nos § 1º e § 2º também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.


Dentre as alterações, destaca-se:

         - O credor passa a ter que comprovar que o devedor se beneficiou do abuso          na utilização da personalidade jurídica a que integra;
         - Passa a ser necessária a comprovação do dolo do devedor, ou seja, a sua intenção de lesar o credor mediante a utilização de sua pessoa jurídica;
         - A confusão patrimonial passa a ser caracterizada pela análise de critérios   objetivos;
         - A existência de Grupo Econômico, por si só, não mais caracteriza a confusão        patrimonial, cabendo ao credor preencher os requisitos acima.


Verifica-se que a MP alterou profundamente os requisitos autorizadores da medida, tornando-os de difícil alcance e, consequentemente, mais penoso o caminho dos credores, em benefício dos devedores. Lado outro, vale destacar o fato de trazer maior segurança jurídica para os investidores, que passam a ter uma maior dificuldade em ter seu patrimônio pessoal envolvido em consequência de algum inadimplemento societário.

Assim, se, por um lado, há quem defenda que foi privilegiado o princípio da separação das pessoas jurídicas/físicas, fato é que as alterações, a bem dizer, tornaram quase mais distante algo que já não era tão simples e automático (exceto para a Fazenda Pública e para os processos em trâmite na Justiça do Trabalho), pois a desconsideração da personalidade jurídica somente era decretada pelos Juízes após terem sido esgotados os meios convencionais de recebimento das dívidas e, quando comprovados os requisitos.

É importante reconhecer, contudo, que as alterações trazidas pela MP, de certa forma, apresentam-se consonância com a jurisprudência que vinha se formando acerca do instituto, principalmente no âmbito dos Tribunais Superiores. 

Em vista disso, há uma maior preocupação com a solidez dos negócios jurídicos, que passarão a demandar maior número de garantias a serem acionadas para a hipótese de descumprimento de obrigações, pois os mecanismos processuais da desconsideração da personalidade jurídica perderão força, com a confirmação dos ditames da MP 881/2019.

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