Orlando José de Almeida
Advogado
Sócio de Homero Costa Advogados
Cristina Simões Vieira
Estagiária de Homero Costa Advogados
No dia 17 de dezembro próximo passado foi
publicada notícia no site do Tribunal Superior do Trabalho a respeito de dois
julgamentos proferidos pela C. Corte, com o título “controle de ponto inválido garante horas extras a empregado que faltou
à audiência”.
Um dos julgamentos foi prolatado nos autos
do processo E-RR-3793-17.2010.5.02.0421
pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), sendo que
“embora o empregado tenha faltado à audiência, os cartões de ponto apresentados
pela empresa foram considerados inválidos”, tendo em vista que as anotações
eram simétricas ou britânicas.
No outro processo, RR-234-38.2014.5.01.0551,
a Sétima Turma deferiu as horas extras pleiteadas, considerando que a empresa
“não apresentou os cartões de ponto”.
Em ambos os casos: (i) As Reclamadas
possuíam mais de 20 (vinte) empregados; (ii) os Reclamantes foram intimados
para prestar depoimento em audiência de instrução e não comparecem; e, (iii)
foram aplicadas confissões recíprocas, condenando-se as demandadas ao pagamento
de horas extras, presumindo-se correta a jornada declinada nas respectivas
iniciais.
Conforme pode ser observado, a matéria debatida
decorre de grande controvérsia instalada nos Tribunais do Trabalho, tanto que
em razão de divergências de Turmas no Tribunal Superior do Trabalho, o tema
chegou à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1).
A premissa para assim decidir, que serve
para as duas hipóteses, pode ser extraída do acórdão do processo E-RR-3793-17.2010.5.02.0421,
quando foi fundamentado que:
Com
efeito, o item I da Súmula 338, dispõe que é ônus do Empregador enquadrado no
art. 74, § 2º, da CLT colacionar aos autos os controles
de jornada dos empregados, sob pena de presunção relativa de
veracidade da jornada de trabalho alegada na petição inicial.
No
caso de confissão recíproca, como a situação vertente, em que o Reclamante não
compareceu à audiência em que deveria depor e a Reclamada não apresentou os
controles válidos de frequência, nos termos do art. 74, § 2º da CLT, a questão
deve ser dirimida à luz do critério da distribuição
do ônus da prova.
Nesse
cenário, o entendimento dominante nesta Corte é no sentido de que a pena de
confissão ficta aplicada ao Reclamante não afasta a presunção de veracidade da
jornada de trabalho, visto que a apresentação de controles válidos de
frequência pela Reclamada antecede o momento de comparecimento à audiência e
tal ônus decorre de imposição legal (art. 74, §2º, da CLT).
Para melhor entendimento do tema,
destaca-se que o artigo 389, do CPC, diz que caracteriza confissão “quando a
parte admite a verdade de fato contrário ao seu interesse e favorável ao do
adversário”.
Enquanto que a Súmula 74, I, do TST, dispõe
que “aplica-se a confissão à parte que, expressamente intimada com aquela
cominação, não comparecer à audiência em prosseguimento, na qual deveria
depor”.
O § 2º, do artigo 74, da CLT, em sua
redação atual, determina que “para os estabelecimentos com mais de 20 (vinte)
trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em
registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções expedidas pela
Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia,
permitida a pré-assinalação do período de repouso.”
Já os itens I e III, da Súmula 338, do TST,
estabelecem:
I
- É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da
jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera
presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser
elidida por prova em contrário. (ex-Súmula nº 338 – alterada pela Res.
121/2003, DJ 21.11.2003)
(...)
III
- Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são
inválidos como meio de prova, invertendo-se
o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele
não se desincumbir. (ex-OJ nº 306 da SBDI-I- DJ 11.08.2003) (Destacamos).
Fixados os pontos do debate, entendemos que
a tese que deve prosperar é da corrente, nesse momento, minoritária.
E para sustentação desse pensamento
passamos de forma direta a enfrentar a polêmica instaurada.
De plano, realçamos que um dos princípios
basilares do direito do trabalho é o da primazia da realidade, segundo o qual
“a verdade dos fatos impera sobre o contrato formal, ou seja,
caso haja conflito entre o que está escrito e o que ocorre de fato, prevalece o
que ocorre de fato.”
Outro princípio consagrado em nosso direito
processual, e que está relacionado ao acima, é o da busca da verdade real.
Assim, na condução do processo e para
formar o livre convencimento o magistrado deve apurar o que realmente aconteceu
no conflito posto a julgamento de modo a evitar uma distorção ou alteração da
realidade.
E nessa direção, o da busca da verdade
real, é o que está inserido no comando da Súmula, 338, do TST, seja no caso de
não juntada dos cartões de ponto, seja na apresentação de cartões de ponto com
registro de horários simétricos.
Temos então que diante da controvérsia
apresentada pelo Empregador em contestação, quanto à jornada de trabalho citada
na exordial, apesar da não apresentação ou da apresentação de documentos
“inválidos”, estas circunstâncias não geram presunção absoluta em desfavor do
Réu.
De fato, inexiste previsão legal no sentido
de que, em uma ou outra situação, não seria admitida a produção de prova em
momento processual posterior, encontrando-se o processo maduro para ser julgado
em relação à questão, devendo prevalecer, portanto, a jornada indicada na peça
de ingresso.
Ao contrário, a presunção é relativa, tanto
é que assim restou apontado nos itens I e III, da Súmula 338.
E em sendo relativa a presunção, o Réu poderá
produzir prova para comprovar as suas alegações quando da audiência de
instrução e o Autor deve comparecer para prestar depoimento, porque assim foi
determinado.
Para tanto, o Réu pode requerer o
depoimento do Autor durante a audiência de instrução ou produzir prova
testemunhal (art. 845, da CLT).
Lembre-se que nas situações em discussão o
Autor deveria comparecer para prestar depoimento, sob pena se ser considerados
verdadeiros os fatos indicados na defesa (Súmula 74, I, do TST, que deve ser
interpretada em conjunto com os artigos 385, §1º, e 389, do CPC).
Efetivamente, “o objetivo do depoimento
pessoal é esclarecer o Juiz acerca dos fatos da demanda e, concomitantemente,
possibilitar à outra parte extrair a confissão real.”
Ora, com o simples comparecimento do Autor
em audiência o ônus da prova permaneceria com o Réu.
Mas ao fazer a opção de descumprir a
determinação judicial, na fase final da colheita das provas (audiência de
instrução), aí sim aplica-se única e exclusivamente ao mesmo a penalidade
imposta.
Em conclusão, em que pesem relevantes
opiniões em sentido diverso, entendemos que, em conformidade ao disposto na
legislação em vigor e, notadamente, nos itens I e III, da Súmula 338, do TST,
não há que se falar em aplicação de confissão recíproca em desfavor do Réu nas
hipóteses em análise.