Bernardo José Drumond Gonçalves
Advogado Sócio e Coordenador do Departamento Empresarial de Homero Costa
Advogados
Mariana Cardoso Magalhães
Advogada Sócia e Coordenadora do Departamento Criminal de Homero Costa
Advogados
Em virtude de uma recente mudança cultural
e tecnológica, tornou-se um hábito fotografar todo e qualquer tipo evento e
momento vivenciado rotineiramente pelas pessoas. A postagem dessas fotografias
em redes sociais, inclusive de outros indivíduos, também faz parte desse atual
comportamento.
O que se observa, contudo, é que algumas
pessoas vêm fazendo uso dessa prática de forma dolosa, causando danos
psicológicos e lesões à imagem, memória, honra (objetiva e subjetiva), vida
privada e intimidade alheias. É o caso, por exemplo, daqueles que divulgam, sem
autorização prévia, fotografias ou vídeos de momentos íntimos de outras
pessoas, tendo tomado posse dessas mídias, seja porque fotografaram, seja porque
receberam ou, de alguma forma não consentida, invadiram o arquivo da pessoa que
aparece nas imagens.
Em algumas situações específicas, aquele
que faz a divulgação da imagem alheia é a própria pessoa com quem o fotografado
se relacionou afetivamente, como um ex-namorado, ex-companheiro, ex-noivo,
ex-cônjuge ou, até mesmo, alguém com quem manteve algum contato superficial,
mas tem motivos torpes para fazer tal disseminação não autorizada de imagem íntima.
O ordenamento jurídico tem denominado esse
tipo de ato como “Revenge Porn” (Pornografia
de vingança), diferenciando-o da sextorsão
(sextortion),
utilizado como forma de extorquir o protagonista das imagens, ou seja, sem
qualquer cunho pessoal, como também do sexting,
que está relacionado ao ato de compartilhar materiais de cunho sexual, sem
motivação de vingança ou humilhação, e, diferentemente dos termos acima, é o
único não tipificado como delito no ordenamento jurídico brasileiro.
Essa modalidade de “vingança” nada tem de
nova, mas, com a dinâmica das redes sociais, adquiriu contornos de alcance e
publicidade inéditos e, por isso, maior capacidade de causar lesão drástica às
vítimas e, muitas das vezes, irreparáveis, apesar de o direito ao recebimento
de indenização por danos morais já ser tido como inequívoco, o que pode ser
agravado com a perda de emprego, oportunidades ou saída de uma instituição de
ensino ou rompimento de relações. Em situações de menor extensão, o valor tem
sido fixado entre o patamar médio de R$10.000,00 a R$30.000,00 e, em situações
de maior impacto, até de 130 salários mínimos.
Além do pagamento de indenização por danos
morais, para a qual se dispensa qualquer tipo de comprovação do dano
experimentado (in re ipsa), a
condenação que vem sendo usualmente aplicada para esse tipo de violação de
direitos inclui a obrigação de fazer, no sentido de impedir a continuidade do
compartilhamento das imagens, sob pena de multa.
A alegação contrária, no sentido de que a
vítima da divulgação teria consentido com a exploração da sua imagem, nos
termos do artigo 46, I, alínea ‘d’ da Lei nº 9.610/1998, contudo, não vem sendo
acatada jurisprudencialmente como forma de excluir a ilicitude do ato. Se a
fotografia ou o vídeo ocorrer de forma clandestina, por sua vez, o mero ato da
captação da imagem (não consentida), independentemente da divulgação, por si
só, já implica lesão do direito à imagem e justifica o dever de indenizar.
A Ministra Nancy Andrighi, relatora do
acórdão do Recurso Especial nº 1.650.725/MG, consignou que "ao disponibilizarem informações, opiniões e
comentários nas redes sociais na internet, os usuários se tornam os
responsáveis principais e imediatos pelas consequências da livre manifestação
de seu pensamento, a qual, por não ser ilimitada, sujeita-lhes à possibilidade
de serem condenados pelos abusos que venham a praticar em relação aos direitos
de terceiros, abrangidos ou não pela rede social".
Via de regra, a responsabilidade civil não
pode ser estendida aos aplicativos e provedores, nos termos dos artigos 18 e 19
do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014).
Muitas das vezes, as imagens íntimas são de
adolescentes ou crianças, divulgadas também por outros incapazes, atraindo,
nesse caso, o dever de indenizar dos pais daquele que as disseminou, como, por
exemplo, decidiu a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. Em relação aos disseminadores, podem ser condenados, inclusive, por ato
tipificado no Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 241-A).
Diante desse contexto, o pacto de
convivência ou antenupcial e até o contrato de namoro podem ser utilizados como
meios para prever responsabilidades e penalidades específicas para esse tipo de
violação de direitos e prever negócio jurídico processual, no qual as regras do
trâmite de eventual ação judicial podem ser previamente ajustadas, como forma
de tornar a persecução do direito da vítima mais célere e eficaz.
Quanto ao aspecto penal, a Lei nº 13.718/2018
tipificou especificamente o Revenge Porn,
incluindo no Código Penal brasileiro o artigo 218-C. A previsão legal determina
que o indivíduo que oferecer, trocar,
disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou
divulgar, por qualquer meio, mídia (fotografia, vídeo, áudio, etc) que
contenha cena de estupro, de vulnerável ou não, ou de sexo, nudez ou
pornografia, sem o consentimento da vítima, será condenado a pena de reclusão
de 1 a 5 anos. Há, também, a previsão de aumento de pena, de 1/3 a 2/3, se o
crime for praticado por um agente que mantém (ou manteve) relação íntima de
afeto com a vítima ou agido com o fim de vingança ou humilhação.
Importante salientar que há hipóteses de
exclusão do crime, caso a divulgação tenha sido feita com o consentimento do
envolvido, ou se publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou
acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima. Nos
casos de imagens que sejam relativas a menores de 18 anos, em qualquer
hipótese, a divulgação sempre será considerada crime, independentemente de
haver o consentimento de vítima.
No caso do crime de sextortion, não foi necessária a criação de nova tipificação no
Código Penal. Isso porque o artigo 158 desse ordenamento, que define os atos da
extorsão, engloba, também, qualquer tentativa de obtenção de vantagem indevida
ao constranger alguém sob a grave ameaça de publicação de mídias íntimas de
cunho sexual. Para este delito a pena prevista é de reclusão de 4 a 10 anos, e
multa.