quarta-feira, 15 de julho de 2020

O DIREITO À RESTITUIÇÃO DO PIS E DA COFINS




Gustavo Pires Maia da Silva
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

Guilherme Scarpellini Rodrigues
Estagiário de Homero Costa Advogados


É direito das empresas exigir a restituição do PIS e da COFINS recolhidos com base de cálculo maior do que o valor praticado nas operações finais. Esse foi o entendimento firmado, em junho, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 596.832. A decisão foi exarada em regime de repercussão geral.

Com efeito, o Fisco Federal deve devolver a diferença entre o valor recolhido de forma antecipada, em regime de substituição tributária, e o valor efetivamente cobrado pela empresa ao realizar um determinado negócio jurídico, como a venda de mercadorias.

Essa diferença ocorre porque, no regime de substituição tributária, o PIS e a COFINS são calculados com base em valor estimado de mercado, o que pode gerar distorções sobre o que realmente é devido. 

No esforço de conter abusos de arrecadação, o STF concluiu que é o valor da operação final que deve determinar a base de cálculo para o tributo devido. A discussão do tema encerrou a seguinte tese:

“É devida a restituição da diferença das contribuições para o PIS e para a COFINS recolhidas a mais, no regime de substituição tributária, se a base de cálculo efetiva das operações for inferior à presumida”.

Segundo o voto do ministro Marco Aurélio, relator da matéria, a cobrança do tributo com base em valor presumido — o que ele chamou de “ficção jurídica” — não encontra amparo na Constituição de 1988. Isso porque a retenção pelo Fisco da diferença apurada a maior entre o valor estimado e o valor real implica em hipótese de “enriquecimento ilícito”.

“Há vedação peremptória à apropriação, pelo Estado, de quantia que não corresponda, consideradas a base de incidência e a alíquota das contribuições, bem assim os regimes de arrecadação, ao tributo realmente devido”.

Além disso, entendemos ser acertada a decisão do STF, porque, de acordo com o Artigo 4°, do Código Tributário Nacional (CTN), “a natureza jurídica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação”.

Sendo assim, não é possível a exigência definitiva do PIS e da COFINS, sem antes conhecer o valor real envolvido no negócio jurídico celebrado — isto é, o fato gerador.

Como a decisão do STF foi exarada em regime de repercussão geral, esse entendimento deverá ser aplicado também nas instâncias inferiores.

Desse modo, o empresário deve conhecer quais são as mercadorias enquadradas no regime de substituição tributária, com fins de identificação de eventuais créditos a serem obtidos com base na nova jurisprudência do STF, o que lhe proporcionará menor ônus financeiro, e por consequência, a colocação de produtos mais competitivos no mercado.




MEDIAÇÃO VIRTUAL




Luana Otoni de Paula André
Advogada Sócia de Homero Costa Advogados

Maria Eduarda Guimarães de Carvalho de Pereira Vorcaro
Advogada Sócia de Homero Costa Advogados


Em 26.06.2020, a Lei nº. 13.140/2015, que dispõe sobre a Mediação como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos completou 5 anos da sua sanção presidencial.

O Ministro do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), Luís Felipe Salomão afirmou que a referida norma “impulsionou o florescimento da mediação no País (...) enfraquecendo a cultura do litígio.”[1]

Os tempos atuais vividos obrigaram a todos a descobrirem novos horizontes para o diálogo e, nesse sentido, as sessões de mediação, por exemplo, utilizando-se dos ambientes virtuais deixou de ser uma opção para se tornar uma premência.

Confira-se a previsão contida no art. 46 da Lei nº 13.140/2015:

Art. 46. A mediação poderá ser feita pela internet ou por outro meio de comunicação que permita a transação à distância, desde que as partes estejam de acordo.

A despeito da expressa previsão legal, a Mediação possui técnicas e princípios[2] específicos que devem ser necessariamente observados para que não haja banalização do Instituto.

Não basta, por exemplo, que o mediado possua um computador ou um telefone para estar apto à mediação.

É relevante que se tenha claro que a Mediação é um processo estruturado que contém: (i) comunicação ética; (ii) concessão da palavra ao outro; (iii) escuta e fala de forma isonômica entre os mediados; e (iv) autonomia dos envolvidos.

Além disso, a figura do mediador[3] também faz parte do processo estruturado da Mediação. Esse profissional especializado e devidamente capacitado, conhece as particularidades, e características específicas do instituto. Em outras palavras, o papel abalizado do expert é fundamental.

Um outro ponto relevante que deve ser estritamente observado na sessão de mediação virtual é o critério da confidencialidade previsto no art. 2º da Lei 13.140/2015.

Os mediados devem estar seguros de que poderão levar à sessão seus anseios e necessidades sem se preocuparem com a difusão de qualquer informação.

Nesse particular, outro cuidado que deve ser observado para preservação da sessão virtual é a devida instalação de programas de segurança nos aparelhos utilizados, assim como a orientação no sentido de se evitarem que o conteúdo exposto durante a sessão concernente aos envolvidos (mediados) e/ou aos mediadores não seja evidenciado.

A Mediação na modalidade virtual deve preservar a essência da Mediação presencial; isso porque com a ausência do encontro físico pode se perder as minúcias e sutilizas da seção presencial, o que se faz necessário, portanto, desenvolver outras habilidades de acolhimento, de empatia e de escuta.

As técnicas podem até continuar a serem as mesmas, mas as habilidades para utilização das técnicas certamente deverão ser bem desenvolvidas para que a Mediação virtual ocorra da forma mais fidedigna à presencial.


[2] Imparcialidade do Mediador; Isonomia entre as partes; Oralidade; Informalidade; Autonomia da Vontade das Partes; Busca do consenso; Confidencialidade; Boa-fé.
[3] Neutro, Imparcial, Independente e sem Poder Decisório

AFINAL, QUANDO ACONTECERÁ A VIGÊNCIA DA LGPD?





Mariana Cardoso Magalhães
Advogada Sócia de Homero Costa Advogados


A pandemia do coronavírus, juntamente com os trabalhos dos Poderes Legislativo e Judiciário, para a aprovação de medidas de urgência, continuam surpreendendo os juristas e as organizações com relação à vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – Lei nº 13.709/2018 –, que já foi alterada diversas vezes.

Em junho de 2020 foi sancionada nova Legislação – nº 14.010/2020[1] – que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19).

No artigo 20 desta legislação restou definido que a partir do dia 01 de agosto de 2021 a LGPD entrará em vigor, apenas, com relação aos artigos voltados às sanções previstas na norma:

Art. 20. O caput do art. 65 da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso I-A:
“Art. 65. .............................................
I-A – dia 1º de agosto de 2021, quanto aos arts. 52, 53 e 54; .......” (NR)

Neste sentido, entende-se que, até o momento, o prazo de 03 de maio de 2021, para o restante da legislação, determinado pela Medida Provisória nº 959/2020[2], continua em vigor.
Vale ressaltar que nos termos do artigo 62 da CF/88, uma medida provisória é uma norma com força de lei editada pelo Presidente da República em situações de relevância e urgência. Apesar de produzir efeitos jurídicos imediatos, uma medida provisória precisa da posterior apreciação pelas Casas do Congresso Nacional (Câmara e Senado) para se converter definitivamente em lei ordinária.

Por isso, é preciso que a Medida Provisória nº 959/2020, que ainda está em vigor, seja transformada em Lei Ordinária pelo Congresso Nacional.

Vê-se que os capítulos sobre a vigência da LGPD ainda trarão novas atualizações, fazendo-se importante a constante atenção a estas modificações, principalmente, para aquelas organizações que ainda não conseguiram implementar ou finalizar as implementações exigidas por esta legislação.

CORONAVÍRUS NOS PRESÍDIOS




Mariana Cardoso Magalhães
Advogada Sócia de Homero Costa Advogados


No dia 12 de junho de 2020 foi renovada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) a Recomendação 62/2020[1], que traz orientações ao Poder Judiciário, de todos os Estados, para evitar contaminações em massa da Covid-19 no sistema prisional e socioeducativo, tendo em vista que o verificado aumento de 800% nas taxas de contaminação nos presídios, desde maio, chegando a mais de 2,2 mil casos nesta semana[2].

Essa Recomendação amplia o prazo para que o Poder Judiciário possa continuar a análise de casos de substituição de pena, por mais 90 (noventa) dias, isso porque, claramente, através do exponencial crescimento dos casos de coronavírus dentro dos estabelecimentos criminais, a situação está longe de ser controlada ou superada.

Contudo, é importante ressaltar que para que possam ocorrer as substituições de pena restritiva de direitos por outra, como prisão domiciliar, é preciso analisarem os requisitos determinados nesta recomendação, como por exemplo: (i) verificar se o recuperando é pessoa que possui alguma doença ou que esteja enquadrado em grupo de risco; (ii) verificar em qual fase do cumprimento de pena o recuperando se encontre, preferencialmente ao final desta; (iii) bem como que o recuperando não esteja cumprindo pena pelo cometimento de crimes violentos ou com grave ameaça como latrocínio, homicídio e estupro e que não pertençam a organizações criminosas.

A Recomendação já vem sendo aplicada em 24 estados brasileiros, como mostra a reportagem apresentada pelo CNJ. O levantamento demonstrou, também, que cerca de 32,5 mil pessoas já foram retiradas das unidades prisionais em três meses de atendimento à Recomendação em questão, com a adaptação para prisão domiciliar ou no modo de monitoração eletrônico.

Essa medida de Recomendação realizada pelo CNJ é de suma importância ao combate à pandemia, bem como pela preservação daqueles em cumprimento de pena, porque, como demonstrado na Recomendação, é importante considerar “o alto índice de transmissibilidade do novo coronavírus e o agravamento significativo do risco de contágio em estabelecimentos prisionais e socioeducativos, tendo em vista fatores como a aglomeração de pessoas, a insalubridade dessas unidades, as dificuldades para garantia da observância dos procedimentos mínimos de higiene e isolamento rápido dos indivíduos sintomáticos, insuficiência de equipes de saúde.”

Essa Recomendação do CNJ vem se mostrando de grande valia, tanto para aqueles recuperandos que se encontram em situação de risco dentro do encarceramento, como tanto para auxiliar na maneira que o Brasil lida com o aprisionamento de indivíduos, principalmente em casos de delitos que não são de alta ofensividade.

O fato de o Brasil ser um dos países com o maior índice de encarceramento do mundo, e consequentemente, de superlotação de presídios, se faz de sua importância e de primeira ordem a reflexão sobre como o Estado lida com os indivíduos que precisam cumprir uma pena pelo cometimento de algum delito.



STF DEFINE QUE DECLARAR E NÃO PAGAR TRIBUTO É CRIME




Mariana Cardoso Magalhães
Advogada Sócia de Homero Costa Advogados

Gustavo Pires Maia da Silva
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

Guilherme Scarpellini Rodrigues
Estagiário de Homero Costa Advogados


Investigações para apurar crimes contra a ordem tributária ganharam força após a decisão do STF (RHC nº163.334), em dezembro de 2019, que permitiu a prisão do devedor de ICMS que declara e deixa de recolher o tributo de forma contumaz e dolosamente.

O Artigo 2°, II, da Lei nº 8.137/1990, tipifica a conduta de “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social que deveria ser recolhido aos cofres públicos”.

Com a jurisprudência do STF, a aplicação do aludido dispositivo vem se revelando mais rígida do que se extrai da sua interpretação literal. Isso porque a Suprema Corte endossou o que anteriormente já havia sido consignado pelo STJ, quando do julgamento do HC nº 399109/SC. Neste julgado, ficou estabelecido que o devedor que declara o imposto, mas deixa de realizar o seu devido recolhimento, incorre em crime de apropriação indébita tributária.

Tradicionalmente, a jurisprudência era no sentido de que o ato de declarar algum imposto e não realizar o devido recolhimento não configuraria delito contra a ordem tributária. Nesse caso, trataria apenas de mero inadimplemento. Isso porque aquele contribuinte que declarou e que possui o dever de realizar o pagamento do tributo, mas não o faz, em tese, não deixa de fazê-lo com o intuito de atingir negativamente os cofres públicos, mas acaba por incorrer no inadimplemento por “estado de necessidade”.

No entanto, com a mudança de paradigma, o que se vê na prática desde então é o aumento de investigações e prisões com base na conduta do contribuinte que declara o tributo, mas deixa de recolhê-lo.

O cidadão brasileiro vem passando por incontáveis crises econômico-financeiras, neste momento, inclusive. A agrura foi agravada com a pandemia da Covid-19, o que atinge diretamente os empresários. E, no entanto, o que se verifica desde que se consolidou um tratamento mais rígido pelas instâncias superiores do Poder Judiciário, é uma total insensibilidade do Estado — cada vez mais voraz, mas cada vez menos devolvendo benefícios para sociedade —, o qual tem se servido do Direito Penal para uma verdadeira cobrança coativa de tributos, colocando no banco dos réus aqueles que não lograram êxito em sua atividade produtiva.

Cumpre ressaltar que a instituição dos tributos, a cobrança e a punição por inadimplência devem ser feitas dentro dos estritos limites da Constituição e das leis.

É necessário refletir que o atual entendimento das instâncias superiores do Poder Judiciário pode gerar o caminho inverso de seu objetivo, fazendo com que os contribuintes, com medo de sofrerem ações penais, que fazem as vezes dos instrumentos normais de cobrança, além de deixarem de cumprir com a obrigação tributária principal (recolhimento do tributo), deixem de cumprir com a obrigação tributária acessória (entregar ao erário as declarações dos tributos).





DA NATUREZA JURÍDICA DOS PRÊMIOS – ANTES E DEPOIS DA LEI 13.467/2017.



                                         Orlando José de Almeida
           Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

                                     Bernardo Gasparini Furman     Advogado Associado de Homero Costa Advogados





O objetivo do presente artigo é o de fazer uma breve análise da natureza jurídica dos prêmios nos termos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.

Mas, antes de discorrermos a respeito do tema, mister trazermos uma diferenciação entre as gratificações e os prêmios.

DA DIFERENÇA EXISTENTE ENTRE GRAFITICAÇÕES E PRÊMIOS.

Em momento anterior à reforma trabalhista, instituída pela Lei 13.467/2017, apenas a gratificação continha previsão na CLT, sendo que no § 1o, do artigo 457, era estabelecido:

Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador. (Destacamos).

Na verdade, a diferenciação entre gratificação e prêmio, seja na jurisprudência, seja na doutrina, era bastante tormentosa, tanto que Eduardo Gabriel Saad[1], relata:

A rigor, não há diferença essencial entre prêmios e gratificações. Não passam de processos usados pelos empregadores para estimular os empregados ao trabalho, recompensando a eficiência, a pontualidade, a antiguidade, a disciplina, a capacidade inventiva, ausência de reclamação procedente dos clientes e consumidores etc. São recompensas fixadas não para estimular única e exclusivamente, o aumento de produção do trabalho do empregado.

Especificamente quanto ao prêmio na mesma página e obra realçou:

Quanto a nós, pensamos que o prêmio encerra uma ideia de competição. Faz juz a um prêmio estabelecido pelo empregador o empregado “A”, que, num mesmo lapso de tempo e sob as mesmas condições, produz mais que o emprego “B” ou, durante certo período, aquele é pontual e este não o é.

A ausência de definição legal ensejava grandes discussões e confusões quanto à natureza jurídica dos prêmios, notadamente quando o seu pagamento era realizado de forma habitual.

Com a edição da Lei 13.467/2017, o legislador delimitou o campo de incidência das gratificações estabelecendo no § 1o, do artigo 457, da CLT que:

Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador.” (Destacamos).

Assim, restou consignado ao invés das gratificações ajustadas, que somente as gratificações legais como, por exemplo, o 13º salário, é que possuem natureza salarial.

Ademais, com a finalidade de elucidar a questão os prêmios passaram a ter regramento próprio nos §§ 2o e 4o, do artigo 457, da CLT. Vejamos:

§ 2o As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.

§ 4o  Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades. (Destacamos). 

A respeito da definição de gratificação e prêmios, Andréa Oliveira, em artigo intitulado “Gratificação e prêmio na CLT[2], sintetizou:

A gratificação e o prêmio não se confundem. Enquanto a gratificação independe de fatores ligados ao empregado, o prêmio, para que o empregado tenha direito ao seu recebimento, depende do seu próprio esforço.

DA NATUREZA JURÍDICA DOS PRÊMIOS - ANTES DA REFORMA TRABALHISTA.

Consoante verificado acima, a polêmica em relação à natureza jurídica dos prêmios era mais acentuada antes da entrada em vigor da Lei 13.467/2017, denominada Reforma Trabalhista, notadamente em razão de ausência de diferenciação legal entre gratificação e os referidos prêmios.  

O posicionamento da jurisprudência predominante, especialmente trabalhista, era no sentido de considerar os valores pagos com a rubrica prêmios, de forma habitual, como sendo contraprestação do trabalho, integrando a remuneração, possuindo, consequentemente, natureza salarial.

Nesse cenário, os referidos valores geravam reflexos na folha de pagamento, inclusive com incidência nas contribuições previdenciárias.

Em artigo publicado no informativo Conjur[3] o professor Paulo Sergio João aduziu:

Anteriormente, prêmio se confundia com gratificação aos empregados em razão de assiduidade, produtividade, economia e outras modalidades, segundo a criatividade de cada empresa no sentido de produzir algum efeito no comportamento de seus empregados. Deste modo, na medida em que havia sido pactuado expressamente ou em decorrência da habitualidade de pagamento, comungava da natureza salarial e, portanto, gerava efeitos trabalhistas e para fim de encargos sociais.

A reiteração no pagamento da parcela ocasionava a integração ao contrato e, por desdobramento, ao salário, independente da intenção do empregador. Na direção apontada, a título de exemplo, o Tribunal Superior do Trabalho assim posicionou:

RECURSO DE REVISTA. PRÊMIO. PROGRAMA DE INCENTIVO VARIÁVEL - PIV. PAGAMENTO HABITUAL. NATUREZA SALARIAL. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o prêmio, desde que pago com habitualidade, possui natureza salarial. Precedentes da SDI-1. In casu, conforme registrado pelo Regional, o prêmio denominado PIV era pago pela reclamada com habitualidade, devendo ser reconhecida sua natureza salarial. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-79-65.2014.5.09.0663, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 03/11/2015). (Destacamos).

Noutro turno, quando não se encontrava presente a habitualidade, em regra, era descaracterizada a natureza salarial do pagamento do prêmio. Vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA - DESCABIMENTO. 1. REMUNERAÇÃO VARIÁVEL. PRÊMIO. NATUREZA JURÍDICA. Ausente a habitualidade do pagamento do prêmio, descaracterizada a sua natureza salarial. Dessa forma, impossível a incorporação da parcela ao salário do autor. 2. CARGO DE CONFIANÇA. HORAS EXTRAS. INTERVALOS INTRA E INTERJORNADA. Ausentes as violações indicadas, não prospera o recurso de revista. 3. CONFISSÃO FICTA. EFEITOS. Incabível o recurso de revista para reexame de fatos e provas (Súmula 126 do TST). Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (AIRR-62600-86.2011.5.13.0001, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 12/04/2013). (Destacamos).

Em resumo: Antes da reforma, como bem acentuado por Eduardo Galvão Rosado no artigo “Pagamento de prêmios após a Reforma Trabalhista”[4]:

Em regra, os prêmios são valores pagos pelos empregadores a seus empregados, a título de liberalidade, normalmente por terem preenchido certos requisitos ou alcançado determinadas metas, de modo que são verbas individualizadas. Além dessas características, o “prêmio” é ainda esporádico, sendo pago ao trabalhador em ocasiões especiais, específicas.

Tratando-se de verdadeiro “prêmio”, ele não integra o salário do trabalhador para nenhum efeito.
(...) 
Por outro lado, o prêmio, sem as suas características fundamentais, (individualidade, esporadicidade, submissão ao cumprimento de condição) perde a sua natureza de liberalidade e passa a constituir elemento integrante do salário. Ou seja, prêmio pago indistintamente, a todos os empregados, sem que eles tenham que cumprir qualquer meta e de forma habitual, não é, em verdade, um prêmio, mas salário disfarçado de prêmio.

Diante disso, a pedra-de-toque para o reconhecimento (ou não) da natureza salarial da referida rubrica – para a maioria dos julgadores – é a habitualidade dos pagamentos.


NATUREZA JURÍDICA DOS PRÊMIOS - APÓS A REFORMA TRABALHISTA.

Com o advento da reforma trabalhista e na forma já abordada, o legislador trouxe uma novidade ao tratar dos prêmios nos §§ 2o e 4o, do artigo 457, da CLT, já transcritos.

A uma análise dos dispositivos mencionados, conclui-se que mesmo se quitados de maneira habitual, ou seja, de forma contínua, os prêmios não integram a remuneração do empregado.

E de fato, nos termos anteriormente indicados, o § 2o, do artigo 457, da CLT, diz que as importâncias concedidas a título de prêmios, “ainda que habituais”, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.

Cumpre ressaltar que em artigo publicado no informativo Migalhas[5], Alessandro Mendes Cardoso e Simone Bento Martins Cirilo esclarecem:

Com a sua novel conceituação jurídica, o prêmio consiste na remuneração, habitual ou não, previamente pactuada ou não, que é paga de forma discricionária pelo empregador, por não corresponder ao salário fixado no contrato de trabalho do empregado, para remunerar o desempenho extraordinário, que extrapola àquele previsível e inerente à função do empregado.
Não é possível restringir o conceito legal de prêmio, sob o argumento de que somente o pagamento não pactuado ou previsível cumpriria o requisito da "liberalidade". Ora, o pagamento habitual torna a possibilidade de recebimento previsível, tendo o legislador expressamente consignado que essa característica não desnatura o prêmio.

Mas para tentar evitar discussão judicial acerca do tema, vale dizer, quanto a eventual reconhecimento da parcela como sendo de natureza salarial, é de extrema importância a criação de critérios objetivos pré-estabelecidos visando à demonstração que de fato o pagamento do prêmio foi em decorrência de ’’desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades’’ (§ 4o, do artigo 457, da CLT).

O prêmio não pode remunerar o desempenho normal do empregado, como se fosse salário, com o intuito de fraudar a legislação trabalhista e previdenciária.

E nessa direção, ainda em relação ao artigo mencionado acima, os autores indicam que:

... no caso de um profissional de vendas o prêmio não pode fazer às vezes da comissão, remunerando cada venda efetuada. Mas é plenamente viável o empregador considerar a média de vendas por mês, no último ano, e instituir um prêmio a ser pago sempre que esse parâmetro médio for ultrapassado.

A norma, portanto, não traz qualquer limitação quanto a habitualidade, desde de que, naturalmente, se for cumprido o requisito previsto no § 4o, do artigo 457, da CLT, o que será ao final realçado.

O parágrafo quarto trouxe igualmente a definição e alguns requisitos que deverão ser observados para que a parcela paga seja considerada prêmio.

Assim, os prêmios devem ser concedidos ao empregado ou a grupo de empregados: a) por liberalidade do empregador (em forma de bens, serviços ou em valor em dinheiro); e, b) em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício das atividades.

Considerando que o legislador não definiu o que vem a ser ’’liberalidade’’, bem como o que vem a ser ’’em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades’’, existem posicionamentos divergentes no âmbito doutrinário.

Em relação à liberalidade, uma parte da doutrina considera que a mesma consiste naquilo que for concedido de forma genérica pelo empregador, sem exigência legal. Nessa hipótese, o prêmio seria toda e qualquer forma de remuneração variável, mesmo que ajustada em contrato.

O posicionamento fica mais evidente, a nosso ver, a partir da exposição de motivos do Projeto de Lei 6.787/16, que originou a Lei 13.467/2017. Confira-se:

Art. 457 A jurisprudência dos tribunais trabalhistas entende que benefícios pagos com liberalidade pelo empregador integram o salário do empregado, sobre ele incidindo encargos trabalhistas e previdenciários. A nossa intenção com a mudança proposta ao art. 457 é a de permitir que o empregador possa premiar o seu funcionário sem que isso seja considerado salário. É o caso, por exemplo, de reclamações comumente ajuizadas em que se requer a incorporação ao salário de um prêmio por vendas – uma viagem ou determinado objeto. O efeito concreto disso é a retração do empregador, que evita conceder esses prêmios sob o risco de vê-los incorporados ao salário, caracterizando um claro prejuízo aos empregados. Além disso, acrescentamos uma definição do que é prêmio de forma a sanar as inúmeras divergências jurisprudenciais e doutrinárias existentes e que dificultam o pagamento desse tipo de liberalidade.

Verifica-se que o principal objetivo do legislador foi beneficiar as partes envolvidas, possibilitando um acréscimo ao ganho do empregado e permitindo que o empregador não tenha encargos em relação ao que espontaneamente fornece ao funcionário, aumentando assim a renda ou lucro.

Para Alessandro Mendes Cardoso e Simone Bento Martins, em artigo publicado no site informativo JOTA[6], a melhor interpretação do § 4º, do artigo 457, da CLT, é a que segue:
No § 4º do artigo 457 está previsto que o pagamento do prêmio decorrerá de “liberalidade” do empregador, mas não está consignado que essa “liberalidade” não pode ser anteriormente formalizada. Pelo contrário, como o objetivo da reforma trabalhista é incentivar a produtividade e a meritocracia, o caráter indutor do “prêmio meritocrático” pressupõe ou, pelo menos, justifica a sua prévia pactuação, via a instituição de política de premiação pela empresa. 
Caso contrário, a norma teria vedado, expressamente, a prévia pactuação do prêmio ou vinculado o seu pagamento a conduta “espontânea” da empresa. O que não ocorreu. 

Outra corrente considera que a liberalidade consiste naquilo concedido pelo empregador e que, além de não exigido pela lei, também não tenha sido contratualmente acordado.

Nesta hipótese, o prêmio teria que ser pago de forma espontânea e inesperada pelo empregador. É que se fosse ajustado de maneira prévia perderia a sua essência de liberalidade se tornando uma espécie de obrigação contratual.

E nessa linha de entendimento, conforme mencionado acima no artigo de sua autoria, o professor Paulo Sergio João aduz que mais importante que a mera liberalidade é a necessidade do ’’elemento subjetivo e incerto, não programado e isento de expectativa pelo empregado, é que deve prevalecer a fim de que a excludente da natureza salarial se imponha’’.

Nesse caso, o desempenho superior ao ordinariamente esperado deve ser aquele sem prévio conhecimento e comunicação aos empregados.

Ao que nos parece essa é a posição adotada pela Receita Federal quando da edição e publicação da COSIT 151, em maio de 2019. De fato, na referida Solução de Consulta consta:

Os prêmios excluídos da incidência das contribuições previdenciárias:
(3) não poderão decorrer de obrigação legal ou de ajuste expresso, hipótese em que restaria descaracterizada a liberalidade do empregador; e

(4) devem decorrer de desempenho superior ao ordinariamente esperado, de forma que o empregador deverá comprovar, objetivamente, qual o desempenho esperado e também o quanto esse desempenho foi superado. (Destacamos).

Com efeito, trata-se sem dúvida alguma de uma interpretação demasiadamente restritiva. 

Em relação ao requisito apontado, ou seja, ’’desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades’’, apesar da lei não tratar de forma precisa quanto ao tema, consoante já abordado, o entendimento doutrinário predominante é no sentido da necessidade de criação de uma política de premiação com parâmetros bem definidos, que possibilitam de forma objetiva a verificação e a avaliação da execução do serviço, sob pena de ser considerada uma parcela dissimulada.

A matéria sob análise foi bem sintetizada por Eduardo Galvão Rosado, em artigo “Pagamento de prêmios após a Reforma Trabalhista”[7]:

Ocorre que, com o advento da Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), o critério da habitualidade deixou de ser, pelo menos a princípio, fundamental para se definir se a parcela terá ou não natureza salarial.
(...)
Como se denota, a nova legislação eliminou do texto legal o termo gratificação ajustada, bem como definiu prêmios – conforme previsão do §4º, do artigo 457, da CLT – como sendo “as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades”.

Da definição legal acima constata-se que, com a Reforma Trabalhista, para serem considerados verdadeiros “prêmios”, devem estar presentes as seguintes características:
      i. Liberalidade concedida pelo empregador (em forma de bens, serviços ou em dinheiro); e,
      ii. Destinada a recompensar o desempenho superior ao ordinariamente esperado.

Com relação ao conceito de liberalidade, a interpretação é a de que seria tudo o que é concedido pela empresa, mas não exigido pela legislação aplicável. Todavia, existe posicionamento de que só será considerada liberalidade quando, além de não exigido legalmente, também não tenha sido contratualmente pactuado.  

No que concerne ao “desempenho superior ao ordinariamente esperado”, entende-se que se trata da situação em que o empregado superou, de fato, as expectativas comuns e rotineiras.


 DA CONCLUSÃO.

Até a época que precedeu à reforma trabalhista, efetivada por intermédio da edição da Lei 13.467/2017, era pacificado o entendimento na jurisprudência de que o prêmio pago habitualmente, mesmo que por liberalidade, possuía natureza salarial.

Logo, “o prêmio, sem as suas características fundamentais, (individualidade, esporadicidade, submissão ao cumprimento de condição) perde a sua natureza de liberalidade e passa a constituir elemento integrante do salário”.

Após a reforma, ainda que concedidos habitualmente, os prêmios não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.” (§ 2o, do artigo 457, da CLT).

Mas para tanto deve ser observado que “consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades. (§ 4o, do artigo 457, da CLT).

Merece destaque que na nova legislação foi expressa e taxativamente indicado que ao cumprir os requisitos legais fixados, os prêmios “não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário”.