quarta-feira, 15 de julho de 2020

DA NATUREZA JURÍDICA DOS PRÊMIOS – ANTES E DEPOIS DA LEI 13.467/2017.



                                         Orlando José de Almeida
           Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

                                     Bernardo Gasparini Furman     Advogado Associado de Homero Costa Advogados





O objetivo do presente artigo é o de fazer uma breve análise da natureza jurídica dos prêmios nos termos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.

Mas, antes de discorrermos a respeito do tema, mister trazermos uma diferenciação entre as gratificações e os prêmios.

DA DIFERENÇA EXISTENTE ENTRE GRAFITICAÇÕES E PRÊMIOS.

Em momento anterior à reforma trabalhista, instituída pela Lei 13.467/2017, apenas a gratificação continha previsão na CLT, sendo que no § 1o, do artigo 457, era estabelecido:

Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador. (Destacamos).

Na verdade, a diferenciação entre gratificação e prêmio, seja na jurisprudência, seja na doutrina, era bastante tormentosa, tanto que Eduardo Gabriel Saad[1], relata:

A rigor, não há diferença essencial entre prêmios e gratificações. Não passam de processos usados pelos empregadores para estimular os empregados ao trabalho, recompensando a eficiência, a pontualidade, a antiguidade, a disciplina, a capacidade inventiva, ausência de reclamação procedente dos clientes e consumidores etc. São recompensas fixadas não para estimular única e exclusivamente, o aumento de produção do trabalho do empregado.

Especificamente quanto ao prêmio na mesma página e obra realçou:

Quanto a nós, pensamos que o prêmio encerra uma ideia de competição. Faz juz a um prêmio estabelecido pelo empregador o empregado “A”, que, num mesmo lapso de tempo e sob as mesmas condições, produz mais que o emprego “B” ou, durante certo período, aquele é pontual e este não o é.

A ausência de definição legal ensejava grandes discussões e confusões quanto à natureza jurídica dos prêmios, notadamente quando o seu pagamento era realizado de forma habitual.

Com a edição da Lei 13.467/2017, o legislador delimitou o campo de incidência das gratificações estabelecendo no § 1o, do artigo 457, da CLT que:

Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador.” (Destacamos).

Assim, restou consignado ao invés das gratificações ajustadas, que somente as gratificações legais como, por exemplo, o 13º salário, é que possuem natureza salarial.

Ademais, com a finalidade de elucidar a questão os prêmios passaram a ter regramento próprio nos §§ 2o e 4o, do artigo 457, da CLT. Vejamos:

§ 2o As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.

§ 4o  Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades. (Destacamos). 

A respeito da definição de gratificação e prêmios, Andréa Oliveira, em artigo intitulado “Gratificação e prêmio na CLT[2], sintetizou:

A gratificação e o prêmio não se confundem. Enquanto a gratificação independe de fatores ligados ao empregado, o prêmio, para que o empregado tenha direito ao seu recebimento, depende do seu próprio esforço.

DA NATUREZA JURÍDICA DOS PRÊMIOS - ANTES DA REFORMA TRABALHISTA.

Consoante verificado acima, a polêmica em relação à natureza jurídica dos prêmios era mais acentuada antes da entrada em vigor da Lei 13.467/2017, denominada Reforma Trabalhista, notadamente em razão de ausência de diferenciação legal entre gratificação e os referidos prêmios.  

O posicionamento da jurisprudência predominante, especialmente trabalhista, era no sentido de considerar os valores pagos com a rubrica prêmios, de forma habitual, como sendo contraprestação do trabalho, integrando a remuneração, possuindo, consequentemente, natureza salarial.

Nesse cenário, os referidos valores geravam reflexos na folha de pagamento, inclusive com incidência nas contribuições previdenciárias.

Em artigo publicado no informativo Conjur[3] o professor Paulo Sergio João aduziu:

Anteriormente, prêmio se confundia com gratificação aos empregados em razão de assiduidade, produtividade, economia e outras modalidades, segundo a criatividade de cada empresa no sentido de produzir algum efeito no comportamento de seus empregados. Deste modo, na medida em que havia sido pactuado expressamente ou em decorrência da habitualidade de pagamento, comungava da natureza salarial e, portanto, gerava efeitos trabalhistas e para fim de encargos sociais.

A reiteração no pagamento da parcela ocasionava a integração ao contrato e, por desdobramento, ao salário, independente da intenção do empregador. Na direção apontada, a título de exemplo, o Tribunal Superior do Trabalho assim posicionou:

RECURSO DE REVISTA. PRÊMIO. PROGRAMA DE INCENTIVO VARIÁVEL - PIV. PAGAMENTO HABITUAL. NATUREZA SALARIAL. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o prêmio, desde que pago com habitualidade, possui natureza salarial. Precedentes da SDI-1. In casu, conforme registrado pelo Regional, o prêmio denominado PIV era pago pela reclamada com habitualidade, devendo ser reconhecida sua natureza salarial. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-79-65.2014.5.09.0663, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 03/11/2015). (Destacamos).

Noutro turno, quando não se encontrava presente a habitualidade, em regra, era descaracterizada a natureza salarial do pagamento do prêmio. Vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA - DESCABIMENTO. 1. REMUNERAÇÃO VARIÁVEL. PRÊMIO. NATUREZA JURÍDICA. Ausente a habitualidade do pagamento do prêmio, descaracterizada a sua natureza salarial. Dessa forma, impossível a incorporação da parcela ao salário do autor. 2. CARGO DE CONFIANÇA. HORAS EXTRAS. INTERVALOS INTRA E INTERJORNADA. Ausentes as violações indicadas, não prospera o recurso de revista. 3. CONFISSÃO FICTA. EFEITOS. Incabível o recurso de revista para reexame de fatos e provas (Súmula 126 do TST). Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (AIRR-62600-86.2011.5.13.0001, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 12/04/2013). (Destacamos).

Em resumo: Antes da reforma, como bem acentuado por Eduardo Galvão Rosado no artigo “Pagamento de prêmios após a Reforma Trabalhista”[4]:

Em regra, os prêmios são valores pagos pelos empregadores a seus empregados, a título de liberalidade, normalmente por terem preenchido certos requisitos ou alcançado determinadas metas, de modo que são verbas individualizadas. Além dessas características, o “prêmio” é ainda esporádico, sendo pago ao trabalhador em ocasiões especiais, específicas.

Tratando-se de verdadeiro “prêmio”, ele não integra o salário do trabalhador para nenhum efeito.
(...) 
Por outro lado, o prêmio, sem as suas características fundamentais, (individualidade, esporadicidade, submissão ao cumprimento de condição) perde a sua natureza de liberalidade e passa a constituir elemento integrante do salário. Ou seja, prêmio pago indistintamente, a todos os empregados, sem que eles tenham que cumprir qualquer meta e de forma habitual, não é, em verdade, um prêmio, mas salário disfarçado de prêmio.

Diante disso, a pedra-de-toque para o reconhecimento (ou não) da natureza salarial da referida rubrica – para a maioria dos julgadores – é a habitualidade dos pagamentos.


NATUREZA JURÍDICA DOS PRÊMIOS - APÓS A REFORMA TRABALHISTA.

Com o advento da reforma trabalhista e na forma já abordada, o legislador trouxe uma novidade ao tratar dos prêmios nos §§ 2o e 4o, do artigo 457, da CLT, já transcritos.

A uma análise dos dispositivos mencionados, conclui-se que mesmo se quitados de maneira habitual, ou seja, de forma contínua, os prêmios não integram a remuneração do empregado.

E de fato, nos termos anteriormente indicados, o § 2o, do artigo 457, da CLT, diz que as importâncias concedidas a título de prêmios, “ainda que habituais”, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.

Cumpre ressaltar que em artigo publicado no informativo Migalhas[5], Alessandro Mendes Cardoso e Simone Bento Martins Cirilo esclarecem:

Com a sua novel conceituação jurídica, o prêmio consiste na remuneração, habitual ou não, previamente pactuada ou não, que é paga de forma discricionária pelo empregador, por não corresponder ao salário fixado no contrato de trabalho do empregado, para remunerar o desempenho extraordinário, que extrapola àquele previsível e inerente à função do empregado.
Não é possível restringir o conceito legal de prêmio, sob o argumento de que somente o pagamento não pactuado ou previsível cumpriria o requisito da "liberalidade". Ora, o pagamento habitual torna a possibilidade de recebimento previsível, tendo o legislador expressamente consignado que essa característica não desnatura o prêmio.

Mas para tentar evitar discussão judicial acerca do tema, vale dizer, quanto a eventual reconhecimento da parcela como sendo de natureza salarial, é de extrema importância a criação de critérios objetivos pré-estabelecidos visando à demonstração que de fato o pagamento do prêmio foi em decorrência de ’’desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades’’ (§ 4o, do artigo 457, da CLT).

O prêmio não pode remunerar o desempenho normal do empregado, como se fosse salário, com o intuito de fraudar a legislação trabalhista e previdenciária.

E nessa direção, ainda em relação ao artigo mencionado acima, os autores indicam que:

... no caso de um profissional de vendas o prêmio não pode fazer às vezes da comissão, remunerando cada venda efetuada. Mas é plenamente viável o empregador considerar a média de vendas por mês, no último ano, e instituir um prêmio a ser pago sempre que esse parâmetro médio for ultrapassado.

A norma, portanto, não traz qualquer limitação quanto a habitualidade, desde de que, naturalmente, se for cumprido o requisito previsto no § 4o, do artigo 457, da CLT, o que será ao final realçado.

O parágrafo quarto trouxe igualmente a definição e alguns requisitos que deverão ser observados para que a parcela paga seja considerada prêmio.

Assim, os prêmios devem ser concedidos ao empregado ou a grupo de empregados: a) por liberalidade do empregador (em forma de bens, serviços ou em valor em dinheiro); e, b) em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício das atividades.

Considerando que o legislador não definiu o que vem a ser ’’liberalidade’’, bem como o que vem a ser ’’em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades’’, existem posicionamentos divergentes no âmbito doutrinário.

Em relação à liberalidade, uma parte da doutrina considera que a mesma consiste naquilo que for concedido de forma genérica pelo empregador, sem exigência legal. Nessa hipótese, o prêmio seria toda e qualquer forma de remuneração variável, mesmo que ajustada em contrato.

O posicionamento fica mais evidente, a nosso ver, a partir da exposição de motivos do Projeto de Lei 6.787/16, que originou a Lei 13.467/2017. Confira-se:

Art. 457 A jurisprudência dos tribunais trabalhistas entende que benefícios pagos com liberalidade pelo empregador integram o salário do empregado, sobre ele incidindo encargos trabalhistas e previdenciários. A nossa intenção com a mudança proposta ao art. 457 é a de permitir que o empregador possa premiar o seu funcionário sem que isso seja considerado salário. É o caso, por exemplo, de reclamações comumente ajuizadas em que se requer a incorporação ao salário de um prêmio por vendas – uma viagem ou determinado objeto. O efeito concreto disso é a retração do empregador, que evita conceder esses prêmios sob o risco de vê-los incorporados ao salário, caracterizando um claro prejuízo aos empregados. Além disso, acrescentamos uma definição do que é prêmio de forma a sanar as inúmeras divergências jurisprudenciais e doutrinárias existentes e que dificultam o pagamento desse tipo de liberalidade.

Verifica-se que o principal objetivo do legislador foi beneficiar as partes envolvidas, possibilitando um acréscimo ao ganho do empregado e permitindo que o empregador não tenha encargos em relação ao que espontaneamente fornece ao funcionário, aumentando assim a renda ou lucro.

Para Alessandro Mendes Cardoso e Simone Bento Martins, em artigo publicado no site informativo JOTA[6], a melhor interpretação do § 4º, do artigo 457, da CLT, é a que segue:
No § 4º do artigo 457 está previsto que o pagamento do prêmio decorrerá de “liberalidade” do empregador, mas não está consignado que essa “liberalidade” não pode ser anteriormente formalizada. Pelo contrário, como o objetivo da reforma trabalhista é incentivar a produtividade e a meritocracia, o caráter indutor do “prêmio meritocrático” pressupõe ou, pelo menos, justifica a sua prévia pactuação, via a instituição de política de premiação pela empresa. 
Caso contrário, a norma teria vedado, expressamente, a prévia pactuação do prêmio ou vinculado o seu pagamento a conduta “espontânea” da empresa. O que não ocorreu. 

Outra corrente considera que a liberalidade consiste naquilo concedido pelo empregador e que, além de não exigido pela lei, também não tenha sido contratualmente acordado.

Nesta hipótese, o prêmio teria que ser pago de forma espontânea e inesperada pelo empregador. É que se fosse ajustado de maneira prévia perderia a sua essência de liberalidade se tornando uma espécie de obrigação contratual.

E nessa linha de entendimento, conforme mencionado acima no artigo de sua autoria, o professor Paulo Sergio João aduz que mais importante que a mera liberalidade é a necessidade do ’’elemento subjetivo e incerto, não programado e isento de expectativa pelo empregado, é que deve prevalecer a fim de que a excludente da natureza salarial se imponha’’.

Nesse caso, o desempenho superior ao ordinariamente esperado deve ser aquele sem prévio conhecimento e comunicação aos empregados.

Ao que nos parece essa é a posição adotada pela Receita Federal quando da edição e publicação da COSIT 151, em maio de 2019. De fato, na referida Solução de Consulta consta:

Os prêmios excluídos da incidência das contribuições previdenciárias:
(3) não poderão decorrer de obrigação legal ou de ajuste expresso, hipótese em que restaria descaracterizada a liberalidade do empregador; e

(4) devem decorrer de desempenho superior ao ordinariamente esperado, de forma que o empregador deverá comprovar, objetivamente, qual o desempenho esperado e também o quanto esse desempenho foi superado. (Destacamos).

Com efeito, trata-se sem dúvida alguma de uma interpretação demasiadamente restritiva. 

Em relação ao requisito apontado, ou seja, ’’desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades’’, apesar da lei não tratar de forma precisa quanto ao tema, consoante já abordado, o entendimento doutrinário predominante é no sentido da necessidade de criação de uma política de premiação com parâmetros bem definidos, que possibilitam de forma objetiva a verificação e a avaliação da execução do serviço, sob pena de ser considerada uma parcela dissimulada.

A matéria sob análise foi bem sintetizada por Eduardo Galvão Rosado, em artigo “Pagamento de prêmios após a Reforma Trabalhista”[7]:

Ocorre que, com o advento da Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), o critério da habitualidade deixou de ser, pelo menos a princípio, fundamental para se definir se a parcela terá ou não natureza salarial.
(...)
Como se denota, a nova legislação eliminou do texto legal o termo gratificação ajustada, bem como definiu prêmios – conforme previsão do §4º, do artigo 457, da CLT – como sendo “as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades”.

Da definição legal acima constata-se que, com a Reforma Trabalhista, para serem considerados verdadeiros “prêmios”, devem estar presentes as seguintes características:
      i. Liberalidade concedida pelo empregador (em forma de bens, serviços ou em dinheiro); e,
      ii. Destinada a recompensar o desempenho superior ao ordinariamente esperado.

Com relação ao conceito de liberalidade, a interpretação é a de que seria tudo o que é concedido pela empresa, mas não exigido pela legislação aplicável. Todavia, existe posicionamento de que só será considerada liberalidade quando, além de não exigido legalmente, também não tenha sido contratualmente pactuado.  

No que concerne ao “desempenho superior ao ordinariamente esperado”, entende-se que se trata da situação em que o empregado superou, de fato, as expectativas comuns e rotineiras.


 DA CONCLUSÃO.

Até a época que precedeu à reforma trabalhista, efetivada por intermédio da edição da Lei 13.467/2017, era pacificado o entendimento na jurisprudência de que o prêmio pago habitualmente, mesmo que por liberalidade, possuía natureza salarial.

Logo, “o prêmio, sem as suas características fundamentais, (individualidade, esporadicidade, submissão ao cumprimento de condição) perde a sua natureza de liberalidade e passa a constituir elemento integrante do salário”.

Após a reforma, ainda que concedidos habitualmente, os prêmios não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.” (§ 2o, do artigo 457, da CLT).

Mas para tanto deve ser observado que “consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades. (§ 4o, do artigo 457, da CLT).

Merece destaque que na nova legislação foi expressa e taxativamente indicado que ao cumprir os requisitos legais fixados, os prêmios “não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário”.



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