quarta-feira, 28 de outubro de 2020

DISPENSA POR JUSTA CAUSA – DESVIO DE DADOS SIGILOSOS

 

Orlando José de Almeida

Advogado Sócio de Homero Costa Advogados

 

Cristina Simões Vieira

Estagiário de Homero Costa Advogados

 

 A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, elenca em seu artigo 482 hipóteses que autorizam o rompimento do contrato de trabalho por justa causa. 

Na realidade, tais situações decorrem de faltas graves cometidas pelo empregado, sendo que a natureza da penalidade motivadora da dispensa gera sérias consequências, como por exemplo, não poderá o trabalhador movimentar a conta do FGTS, perde o direito à multa rescisória do FGTS, ao aviso prévio indenizado, dentre outros.

Diante disso, por se tratar de penalidade extrema, para a sua aplicação, recomenda-se muita cautela, devendo o empregador cercar de cuidados para que a mesma, em caso de o empregado buscar o judiciário, não seja revertida para dispensa imotivada, com a condenação ao pagamento das parcelas decorrentes dessa modalidade.

E seguindo essa linha vale destacar: a) a prova dos fatos motivadores da dispensa deve ser firme e robusta, considerando que o natural no direito do trabalho é a manutenção do contrato de trabalho (princípio da continuidade); b) deve ser demonstrado o nexo de causalidade entre a falta cometida e a penalidade aplicada; c) a punição deve ser célere (princípio da imediatidade) de modo a evitar a configuração do perdão tácito; d) o fato, em regra, deve resultar a quebra de um dos principais elos que ligam as partes (empregado e empregador) que é a confiança.

Com efeito, diante da constatação dos pressupostos legais o empregador pode se valer dessa alternativa.

E uma situação que vem chamando a atenção é a frequência de decisões a respeito da validade da aplicação de justa causa a funcionários que se apropriaram indevidamente de dados dos empregadores, notadamente dos clientes destes.

Recentemente, em 29 de junho, conforme notícia publicada, a Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho[1] confirmou acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que reconheceu a dispensa por justa causa de uma ex-bancária do Itaú-Unibanco por prática de ato de improbidade.

A fundamentação decorreu porque a empregada “enviou arquivos para seu e-mail pessoal que continham dados sigilosos de clientes”. Restou asseverado que "havia norma expressa no sentido de que o e-mail pessoal dos empregados não pode ser utilizado para armazenamento de informações dos clientes”, e “que a empregada assinou termo de segurança e privacidade das informações dos clientes do banco.” 

Na notícia foi indicada a omissão do número do processo “para preservar a identidade da parte”, no caso a Reclamante.

Ademais, merece ser lembrado que recentemente entrou em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Cristiane Carvalho Andrade Araújo e Ricardo Calcini, em artigo pulicado[2] indicam que a Lei “foi criada para prever e regulamentar questões relacionadas ao tratamento de dados pessoais nos meios digitais, inclusive por pessoas físicas ou jurídicas, privadas ou públicas. A sua aplicação se dá em todos os setores da economia e do Direito, sendo aplicável sempre que houver algum tipo de coleta de dados de terceiros, como ocorre, por exemplo, nas relações trabalhistas e consumeristas.”

Outro julgamento que ilustra bem o tema sob análise é o seguinte:

EMENTA: JUSTA CAUSA. APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE DADOS SIGILOSOS PARA FAVORECIMENTO PRÓPRIO E DA CONCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DE SEGREDO DE EMPRESA. MAU PROCEDIMENTO CONFIGURADO. Postas as premissas de que o emprego é a fonte essencial de subsistência do trabalhador e que a continuidade do contrato de trabalho se presume, é forçoso concluir que a irregularidade de conduta, pondo em risco a manutenção do emprego, do qual o trabalhador necessita para seu sustento, contraria a ordem natural do sistema de relações do trabalho e, assim, deve ser cabalmente provada. In casu, ficou constatado que o autor apoderou-se de um bem incorpóreo e sigiloso da reclamada, qual seja, a lista de clientes e potenciais clientes constante do banco de dados da ré, e a utilizou com a nítida intenção de captar clientes para sua nova empregadora, caracterizando violação de segredo. Configurado, ainda, o mau procedimento, em virtude da desleal atitude do empregado, ao trair a confiança e a fidelidade necessárias na prestação de serviços em prol da reclamada. Desse modo, logrou êxito a ré em demonstrar um quadro comportamental de mau procedimento por parte do demandante, bem como a violação de segredo de empresa, e que a punição aplicada não se revelou excessivamente rigorosa. Acolhe-se, portanto, a alegação de falta grave atribuída ao demandante, sendo, pois, de rigor, o reconhecimento do despedimento motivado. Recurso do autor ao qual se nega provimento. (TRT da 2ª Região, 4ª Turma, processo nº 0003074-86.2013.5.02.0079).

 

Noutro norte, a prática de ato de improbidade, de concorrência desleal ou mau procedimento, conforme situações realçadas nos modelos adotados acima, além do reflexo trabalhista, em razão de perda do emprego e de grande parte das verbas rescisórias, pode também gerar consequências na esfera criminal. Todavia, embora interligados os assuntos podem ser tratados de forma independente.

O certo é que, do ponto de vista do direito do trabalho, para buscar maior segurança e proteger as suas informações, recomenda-se que o empregador adote normas claras onde o empregado manifeste ciência sobre quais devem ser mantidas em sigilo e os documentos que não podem ser desviados ou utilizados fora do ambiente de trabalho.

Lembre-se que os regimentos internos ou códigos de conduta podem ser editados por autorização do artigo 444, da CLT. Tratam-se de ferramentas adicionais estabelecendo direitos e deveres para as partes da relação laboral. 

 

 

 

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