COMPLIANCE E O CENÁRIO BRASILEIRO APÓS A REGULAMENTAÇÃO DA LEI
ANTICORRUPÇÃO
Flaviane Barros Bolzan de Morais
Advogada criminalista e consultora em Compliance
Doutora, mestre e pós-doutora em Direito
A noção de compliance como um
padrão de governança corporativa não é novo. Desde o quebra da Bolsa de Nova
York em 1929 o conceito de governança como transparência para garantir
confiabilidade para as relações entre empresas e solidez é uma tônica. No
cenário internacional já existiam leis anticorrupção desde 1977, sendo que a
mais famosa legislação anticorrupção é o FCPA Law – Foreing Corrupt Practices Act .
No cenário brasileiro a noção de compliance
não é tão recente mas certamente foi a Lei Anticorrupção ( Lei 12.846/2013) que
fez o tema ganhar mais relevância na mídia e ser uma preocupação para todos os
âmbitos empresariais, e não somente para as grandes corporações multinacionais.
Contudo, como a Lei Anticorrupção tem inicialmente um enfoque para
tratar as relações entre o setor público e o privado, a noção de compliance fica comprometida e reduzida
a esse ponto. Mas compliance é uma
tendência em governança que se vincula à realização de relações éticas e
transparentes entre empresas e em suas relações com o setor público nacional e
transnacional. Nesse sentido, as relações entre empresas do setor privado devem
e podem ser realizadas de forma transparente e íntegra. Por isso, a empresa ao
se apresentar no mercado com uma política de compliance devidamente consolidada e implantada é um diferencial e
em determinadas relações, como no mercado de ações ou nas relações com as
instituições financeiras internacionais e nacionais , é atualmente uma condicionante.
Quando se fala em relações éticas e transparentes elas se vinculam à
relações com todos os stakeholders,
seja empregados, terceirizados, representantes, fornecedores, clientes,
consumidores, bem como com o meio ambiente. Pressupõe que as relações internas
e externa da empresa sejam transparentes, como as relações financeiras,
contábeis, fiscais, bem como as relações com os controladores públicos
decorrentes de licenças, alvarás e autorizações. Todas essas relações correntes
da empresa devem estar vinculadas à política de compliance da empresa e garantem a sua credibilidade frente ao
mercado, a valorização da sua marca, dos seus produtos e serviços.
Certamente, há relações mais críticas que dentro de uma perspectiva de
análise de riscos jurídicos podem gerar mais suscetibilidades para as empresas,
dentre elas estão as descritas e reguladas pela Lei Anticorrupção e seus
decretos regulamentadores no âmbito nacional ( Dec 8.420/2015) e no âmbito do
Estado de Minas Gerais ( Dec 46782/2015).
Nesse caso, o impacto da lei anticorrupção pode gerar a
responsabilização da empresa, sócios e administradores em diversos âmbitos. O
primeiro grande impacto da Lei Anticorrupção esta vinculado à responsabilidade
objetiva da empresa, que implica que qualquer ato de corrupção realizado por
funcionário, terceirizado ou fornecedor, que seja ou não de conhecimento ou
ordem dos administradores ou sócios é suscetível de punição por uma multa
administrativa que será fixada dentro de um parâmetro de 0,10 a 20 por cento do
faturamento do ano anterior descontados o valor pago em impostos. Além da multa
administrativa, o processo de apuração de responsabilidade pode ainda punir a
empresa com a obrigatoriedade da publicação da sentença condenatória no âmbito
administrativo que atinge a credibilidade e a boa reputação da empresa.
No âmbito cível a empresa também pode ser processada e condenada à
reparar o dano causado ao erário publico, gerando a perda de bens, a
proibição de recebimento de incentivos,
subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e
de instituições financeiras, públicas ou controlados pelo poder público, e por
fim, pode gerar a sanção de suspensão de atividade e dissolução compulsória da
empresa.
Por fim, pela opção legislativa tomada no Brasil, além de aplicar
sanções administrativas e cíveis às empresas por atos de corrupção, também há o
risco de se punir criminalmente sócios, administradores e empregados quando
agindo com dolo, cometerem as condutas ilícitas tipificadas como crimes, como o
de corrupção, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, crime ambiental,
organização criminosa.
Além disso, a empresa não esta ainda livre de punições em outras esferas
correlatas, decorrentes da lei de licitação, lei antitruste, lei ambiental e
leis fiscais.
Nesse sentido, posso concluir que a politica atual brasileira é de
“tolerância zero”, de punição máxima e em todas as esferas.
Como as implicações jurídicas dos atos de corrupção são graves e
repercutem em diversos âmbitos é importante reduzir os riscos da empresa
mantendo um programa de integridade (compliance)
adequado a esse novo cenário nacional.
Contudo, um programa de integridade não se limita à existência de um
código de conduta, um canal de denuncias
e treinamentos. Ele deve ser construído tendo como base uma análise de
riscos em que se diagnostica os pontos frágeis e as práticas inadequadas da empresa
em seus diversos âmbitos para estabelecer a revisão dos processos de decisão e
implantação do programa de integridade.
Creio que não é possível simplesmente incorporar algumas práticas ou
fazer uma mera “maquiagem” na estrutura organizacional da empresa para que ela
pareça em conformidade, pois minimiza os riscos reais. Um programa efetivo e
eficiente reduz os custos e os riscos da empresa, preparando-a para esse novo
cenário, diferenciando-a dos concorrentes.
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