sexta-feira, 13 de novembro de 2015

“Onde passa um Boi, Passa uma Boiada?”

“ONDE PASSA UM BOI, PASSA UMA BOIADA?”[1]

Daniela Villani Bonaccorsi*[2]
Sócia do Homero Costa Advogados

Nos próximos capítulos do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006 (posse para consumo de drogas ilícitas), em seguida ao “surpreendente” e longo voto do relator ministro Gilmar Mendes, que entendeu pela descriminalização da posse para consumo de drogas ilícitas, o próximo a votar seria o mais novo em tempo de corte, Edson Fachin.
Após ambiente político acirrado, pediu vista, interrompeu o julgamento, e devolveu na presente data, após cinco dias uteis. Questionado durante a sabatina pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania que o aprovou para ocupar a vaga deixada por Joaquim Barbosa, em relação à descriminalização respondeu “onde passa um boi, passa uma boiada”(...) Quem abre uma fresta para as drogas, muitas vezes, não consegue segurar as outras portas da casa (...).
A porta já está escancarada há tempos... não há como esconder a falência do controle do narcotráfico, a violência , corrupção e verdadeiro hiperencarceiramento no sistema penal. O poder punitivo vai além de todas as garantias constitucionais e o debate público sobre a questão é impregnado de preconceitos que impedem uma discussão racional e democrática.
Hoje um em cada quatro presos respondem por tráfico, sem qualquer critério legal diferenciador das condutas desse e do que portava droga para uso pessoal.
A preocupação vai além de “segurar as portas da casa” vai além do discurso de quantidade ou direito do ser humano de consumir o que bem entender, de forma saudável ou não... É discurso que diz respeito a uma visão constitucional do direito penal que deve garantir uma proteção a bens jurídicos.
A proibição de condutas consideradas “desviadas” que não afetam qualquer bem jurídico diante de uma conduta considerada “imoral” que não lesione o direito de outrem, não é objeto do direito penal. Tais condutas, não repercutem diretamente sobre qualquer bem de terceiro, de modo que o Estado "não deve se imiscuir coercitivamente na vida moral dos cidadãos e nem tampouco promover coativamente sua moralidade, mas apenas tutelar sua segurança, impedindo que se lesem uns aos outros”.(CARVALHO, Salo. Aplicação da pena e garantismo. Rio de Janeiro, 2001, p. 9). Cada indivíduo decide pelo próprio modo de ser e de viver.
O cigarro e o álcool, drogas permitidas, que há poucos anos eram sinônimos de esportes radicais e socialização em pleno intervalo da novela das oito. destroem famílias, saúde, dinheiro e muito mais sim. Basta abrir qualquer periódico, ou uma caixa de cigarro, para assistir o que o alcoolismo pode fazer com a instituição familiar, o que os filhos herdam de um pai alcoólatra, bem como os inúmeros males que o tabaco permitido trás.
Não, não queremos que nossos filhos apareçam com um cigarro de maconha na mochila da escola, porque é uma grande bobagem, porque faz mal pra saúde, porque é uma perda de tempo. Também não queremos que apareçam com um maço de cigarro nem uma garrafa de whisky. Mas, o mais difícil, é reconhecer que a escolha é deles.
Professor Leonardo Yarochewsky (fonte:  http://www.conjur.com.br/2015-ago-25/leonardo-yarochewsk-guerra-drogas-mata-proprias-drogas, acesso em 31/08/2015), citando Maria Lúcia Karan, em recente artigo, descreve a grande falácia dos que insistem em afirmar que a impunidade da posse de drogas para uso pessoal incentivaria a disseminação das drogas: “Uma análise mais racional revela que tal afirmação não parte de dados concretos, sendo mera suposição, que também seria possível fazer num sentido oposto, pois não é irrazoável pensar que a ameaça de punição pode, não só ser inócua no sentido de evitar o consumo, como até funcionar como uma atração a mais notadamente entre os jovens e adolescentes, setor onde o problema é especialmente preocupante” (Karam, Maria Lucia. De crimes, penas e fantasias. Niterói, RJ: Luam, 1991). Há quem tenha uma posição liberal em relação às drogas, mas que jamais tenha feito uso de maconha.
Há a necessidade de se acabar com estigmatização de pessoas que optaram pelo uso drogas sem causar danos a outras pessoas. Ao invés de preconceitos e visões equivocadas sobre o mercado de drogas, uso de drogas e tóxico- dependência, que se “aprende” em programas e revistas “sensacionalistas”.
É hora de investir em atividades que possibilitem a  prevenção do o uso de drogas por jovens e literalmente ignorar mensagens simplistas como as palavras de ordem “Basta dizer não” ou “Tolerância zero”, como de representantes do Ministério Público que utilizando de discurso infundado sobre o tema, chegou a afirmar que 90% dos usuários de maconha são viciados, dado este classificado como piada por médicos. (fonte; http://justificando.com/2015/08/24/a-que-veio-o-ministro-edson-fachin/, acesso em 31/08/2015).
Necessário substituir as estratégias de combate às drogas impostas por visões ideológicas e conveniência política por estratégias focadas em conhecimento científico, saúde, segurança e direitos humanos, com critérios adequados e fundamentados para sua avaliação. Revisar a classificação internacional das drogas que contém aberrações evidentes, como as caracterizações inadequadas quanto à nocividade de algumas drogas. As convenções internacionais vigentes devem ser interpretadas e/ou revisadas de forma a acolher a implantação de políticas experimentais de redução de danos, descriminalização e regulação legal de determinados tipos de drogas.
A boiada já está solta. Solta e perdida.
A criminalização do uso de drogas torna invisível o problema social, carcerário, estigmatiza e marginaliza usuários de drogas tratados como criminosos e excluídos da sociedade. Surge a oportunidade para postular mudanças, extirpando-se o porte de drogas e tornando a política criminal menos irracional e desumana. “Temos de tornar cada uma de nossas escolhas interessante. Isso só é possível quando temos simpatia pela vida e pelos outros - o que parece básico, mas não é no mundo de hoje. A falta de interesse pelo mundo e pelos outros é o que pode nos acontecer de pior.” (fonte: http://www.fronteiras.com/entrevistas/contardo-calligaris-nao-quero-ser-feliz-quero-e-ter-uma-vida-interessante, acesso em 31/08/2015).





[1] Expressão utilizada pelo Ministro Luiz Edson Fachin em sabatina na Câmara de Constituição e Justiça do Senado que aprovou sua indicação para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, por 20 votos a 7 Fonte: http://www.conjur.com.br/2015-mai-12/aprovado-sabatina-fachin-deu-detalhes-posicionamentos: acesso em 31/08/2015
[2] Advogada Criminalista. Mestre e Doutora em Direito Processual Penal. Professora nos curso de graduação da PUC/MG e pós-graduação da PUC/MG e Faculdade Milton Campos.

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