HÁ “JUSTA CAUSA” PARA AS CLÁUSULAS DE
INALIENABILIDADE, INCOMUNICABILIDADE E IMPENHORABILIDADE DISPOSTAS EM
TESTAMENTO?
Bernardo José Drumond Gonçalves e Pedro Augusto Soares
Vilas Boas
Sócios de Homero Costa Advogados
Sabe-se que o artigo
1.848 do Código Civil restringe a validade das cláusulas de inalienabilidade,
impenhorabilidade e incomunicabilidade, dispostas
em Testamento, à indicação de “justa causa”.
Quanto aos conceitos,
o mais abrangente – inalienabilidade – diz respeito à impossibilidade de transmissão
da titularidade dos bens a terceiros. Indiretamente, surte os mesmos efeitos da
incomunicabilidade e a impenhorabilidade. No que tange à incomunicabilidade,
basicamente, tem efeito na vedação de transmissão da parte cabível, por lei ou
disposição de vontade, ao cônjuge do herdeiro. Já a impenhorabilidade,
relaciona-se ao impedimento de constrição da propriedade herdada por dívidas.
Há quem entenda que
este último conceito foi o principal motivador da inserção de tal obrigação na
legislação civil, uma vez que no antigo diploma legal (art. 1.723/CC16) não
havia imposição semelhante ao Testador. A ideia seria, portanto, uma forma de
resguardar credores de herdeiro por meio de uma disposição de última vontade do
Testador.
Mostra-se, contudo,
imprescindível o exame do grau de “justiça” da causa apresentada pelo Testador,
como motivadora da inclusão de tais condições no texto do instrumento. Isso por
ser um critério subjetivo, cuja verificação dependerá de parâmetros
indeterminados dos julgadores, no caso de haver questionamentos na época de se
cumprir o testamento. Para Flávio Tartuce e José Fernando Simão, a expressão
“justa causa”, tal como consta no art. 1.848 do CC é mais uma cláusula geral,
uma janela aberta deixada pelo legislador, para preenchimento caso a caso
(Direito Civil, v.6: direito das sucessões. 4 ed. Rio de Janeiro).
Por óbvio, se
inexistirem tais questionamentos, a disposição testamentária terá livre curso e
aplicabilidade irrestrita. Entretanto, como estão sujeitas a impugnações, afora
os constrangimentos advindos da real justificativa, o Testador deve atentar-se
para essas explicações, evitando-se o seu futuro afastamento judicial ou o
próprio tumulto processual, capaz de entravar o trâmite por longos anos.
Apesar de inexistir
um “rol” de justas causas, a doutrina cita algumas sugestões clássicas,
sobretudo quanto ao que se deve evitar, tais como indicações genéricas e sem
singularidade. Em outras palavras, além de “justa”, a motivação deve ser “específica e razoável”, como ensina Elza
de Faria Rodrigues (Testamentos: teoria e prática. Belo Horizonte: Del Rey,
2011, p. 192).
No entanto, um estudo
aprofundado da jurisprudência revela que o risco destas cláusulas serem
“riscadas” é elevado, ressalvados alguns posicionamentos isolados, como o da
exemplar lavra do Desembargador Vito Guglielmi (TJSP, 6ª Câmara de Direito
Privado, DJ 20.10.2011, AGI 0140249-21.2011.8.26.0000), que preservou a livre
disposição de vontade, mesmo em detrimento dos argumentos de proteção à função
social da propriedade:
INVENTÁRIO. IMÓVEL.
PRETENDIDA VENDA DE BEM GRAVADO COM CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE EM TESTAMENTO
PÚBLICO. INADMISSIBILIDADE. Cancelamento do gravame que só é admitido em
hipóteses excepcionais. Caso em que deve ser observada a vontade da testadora.
Decisão mantida. Improvido.
Isso demonstra que,
em breve, ou a jurisprudência sinaliza concretamente as hipóteses de
efetividade dessas disposições ou o seu desuso pode vir à tona, por serem
praticamente inexequíveis àqueles que simplesmente desejam preservar, senão a
subsistência dos herdeiros, a dilapidação patrimonial de genros “não
confiáveis” ou de filhos que gastem compulsivamente.
Outra saída, ainda
que parcial, é a aprovação do Projeto de Lei nº 276/2007, de autoria do
Deputado Ricardo Fiúza, que pretende acrescentar um §3º ao artigo 1.848 do
Código Civil, permitindo-se excepcionalmente a livre imposição da cláusula de
incomunicabilidade, sem indicação de justificativa, haja vista a peculiaridade
absolutamente pessoal/afetiva ligada a essa condição. Tal solução permitiria,
ainda, a manutenção do ideal de proteção a eventuais credores do herdeiro.
Nesse aspecto, a
assistência de um advogado é de cunho fundamental para a elaboração de um
testamento, pois os notários tão-somente exercem a função de alertar as partes
sobre a necessidade de inclusão de uma justificativa para essas cláusulas, sem
adentrar, contudo, na extensão do seu conteúdo, com capacidade de manutenção
frente a eventuais questionamentos subjetivos futuros.
Por fim, cumpre
lembrar que os testamentos lavrados sob a égide do Código anterior e ainda não
levados a efeito, deverão se submeter a aditamento, acrescentando-se a “justa”
causa e, com isso, evitando-se a declaração da ineficácia das condições
impostas.
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