O INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO EM BENEFÍCIO DO RÉU
Sócia do Homero Costa Advogados
Estagiária do Homero Costa Advogados
A morosidade do sistema penal é uma realidade e, a
partir daí, a crença popular e midiática de que o resultado do processo será
inócuo ao acusado. Ocorre que, não é esta a realidade que as alterações do
Código Penal “demonstraram” juntamente com interpretações jurisprudenciais.
Cada vez mais, a demora tem sido inócua sim, principalmente no que diz respeito
à extinção de punibilidade do acusado.
Para abranger tais alterações do instituto da
prescrição e tentativa de sua análise breve, mas atualizada, importante
discorrer que, a prescrição é uma das situações em que o Estado, em virtude do
decurso de certo espaço de tempo, perde seu direito
à persecução penal. Dessa maneira, pode-se conceituar a prescrição como “um instituto jurídico mediante o qual o
Estado, por não ter tido capacidade de fazer valer o seu direito de punir em
determinado espaço de tempo previsto pela lei, faz com que ocorra a extinção da
punibilidade”. (BITENCOURT, 2008, p. 728)
O Estado estabeleceu critérios limitadores para o
exercício do direito de punir, e, levando em consideração a gravidade da
conduta delituosa e da sanção correspondente, fixou um lapso temporal dentro do
qual o Estado poderá aplicar a sanção penal adequada. Mesmo alguns
doutrinadores[3] considerando que a prescrição é um instituto de
direito processual. Para o ordenamento jurídico brasileiro, é um instituto de
direito material.
Com a prática do crime, o direito abstrato de punir do
Estado se concretiza, dando origem a um conflito entre o direito estatal de
punir e o direito de liberdade do indivíduo. O Ministério Público, titular da
ação penal (artigo 129, I, CF), deduz em juízo a pretensão punitiva estatal por
meio do oferecimento de denúncia.
Com o trânsito em julgado da decisão condenatória, o ius puniendi concreto transforma-se em ius punitonis, isto é, a pretensão
punitiva se converte em pretensão executória.[4] (BITENCOURT, 2008, p. 731)
A prescrição retroativa, nos termos da antiga redação
do artigo 110, §2º do Código Penal considerava que a prescrição, depois da
sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de
improvido seu recurso, regulava-se pela pena aplicada, e podia ter por termo
inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa.[5]
Ou seja, após a decisão condenatória a análise da
prescrição deveria ser feita tendo como referência a pena efetivamente
aplicada, considerando retroativamente o prazo prescricional em relação ao
período de tempo transcorrido até o estabelecimento dessa pena.
Além da mencionada espécie de prescrição, alterada com
a novel Lei, importante mencionar a
denominada prescrição
pela pena em perspectiva, anteriormente analisada de forma ampla nos manuais e
decisões. Essa é construção doutrinária de expressivo relevo e que sofreu
efeitos diretos com a entrada em vigor da Lei nº 12.234/2010. Refere-se à
possiblidade de se calcular a prescrição antecipada, antes da decisão
condenatória, com base na pena, em tese, aplicável no caso de condenação. Como
ainda não houve condenação, a suposta pena servirá como fundamento para a
prescrição em perspectiva. (GALVÃO, Fernando, 2012, p. 1004)
A Lei nº 12.234/2010 revogou o §2º do artigo 110 do
CP, colocando fim à possibilidade de se reconhecer a chamada prescrição
retroativa. Porém tratando-se a norma penal é de direito material
inquestionável é sua aplicação a fatos ocorridos antes do início de sua
vigência[6].
A revogação da prescrição retroativa constitui
situação jurídica mais gravosa ao condenado. Tendo em vista o disposto no
inciso XL do artigo 5º da CF, poderá ser aplicada somente aos fatos ocorridos
anteriormente à entrada em vigor da referida lei.
Sem a irretroatividade da lei penal não haveria nem
segurança jurídica, nem liberdade na sociedade. Está consagrado no artigo 1º do
Código Penal[7] e no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal[8]. (BITENCOURT, 2008, p. 18)
Ratificando o cabimento das mencionadas espécies de
prescrição justificando que “(...)é
possível o reconhecimento da chamada "prescrição antecipada" nos
casos em que a pena eventualmente aplicada implicaria, necessariamente, em
reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva (...) [9].
Além
do argumento da própria questão do lapso temporal e, consequente segurança
jurídica, também, entende-se seu cabimento diante da ausência de condições da
ação[10],
uma vez que, (...)se o processo não
for útil ao Estado, sua existência jurídica é socialmente inútil. O interesse
de agir é categoria básica para a noção de justa causa, no processe penal, e
exige da ação penal um resultado útil. Sem aplicação possível de sanção,
inexiste justa causa para a ação penal [11]. Ainda:
RECURSO-CRIME.
PRESCRIÇÃO PROJETADA OU ANTECIPADA.
ADMISSIBILIDADE EM ATENDIMENTO À REAL FINALIDADE DE UM PROCESSO. Ratifica-se o entendimento adotado pelo
Juízo a quo, que extinguiu a punibilidade, com a adoção de uma forma de
prescrição antecipada, atentando-se à real finalidade de um processo, o que
envolve, necessariamente, o vislumbrar-se de eventuais consequências práticas
do mesmo. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO IMPROVIDO. [12]
Devido à controvérsia do tema, em 2010, o Superior
Tribunal de Justiça editou a Súmula 438: “É
inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva
com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do
processo penal”.
Destarte tal afirmação, sabe-se que a Súmula tem
caráter de orientação e, por isso, não tem efeito vinculante ou que se possa,
por óbvio, negar a garantia da retroatividade da Lei penal mais benigna. Sendo
assim, a extinção de punibilidade
com base na prescrição pela pena em perspectiva pode atingir fatos ocorridos
após a Lei nº 12.234/2010, com fundamento na falta de interesse de agir, que é
condição da ação e deve existir durante todo o procedimento e no princípio
constitucional da efetividade do processo, derivado do devido processo legal,
previsto no artigo 5º, LIV da CF. A doutrina da plenitude lógica do direito não
pode subsistir em face da velocidade com que a ciência do direito de movimenta,
de sua força criadora, acompanhando o progresso e as mudanças das relações
sociais. Seguir a Lei à risca, quando destoantes das regras contidas nas
próprias relações sociais, seria mutilar a realidade e ofender a dignidade
mesma do espírito humano. (PONTES DE MIRANDA)[13]
Tanto a persecução penal, como a prestação
jurisdicional, espécies do gênero das ações estatais, pautam-se pela
observância ao princípio constitucional da eficiência, previsto nos artigos 5º,
LXXVIII e 37, caput, da Constituição
Federal, e a dignidade do acusado, evitando a sujeição a um processo penal
inútil, no qual terá um desgaste desnecessário.
Galvão, Fernando. Direito
penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2013.
Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, volume 1: parte geral. 13 ed. São Paulo:
Saraiva, 2008.
Busato, Paulo César. Direito penal: parte geral. São Paulo: Atlas, 2013.
Greco, Rogério. Curso
de Direito Penal. 12 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.
Rangel, Paulo. Direito
processual penal – 21 ed. São Paulo: Atlas, 2013.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo:
Saraiva, 2013.
[1]
Advogada e coordenadora do Departamento Criminal de Homero Costa Advogados.
Mestre e Doutora em Direito Processual Penal. Professora de Direito Penal e
Direito Penal Econômico nos curso de graduação da PUC/Minas e Pós-Graduação da
PUC/Minas e Faculdade Milton Campos.
[2] Estagiária do Homero Costa Advogados -
Departamento Criminal. Aluna do 8º período da PUC/Minas
[3] GRECO,
Rogério, BITENCOURT, Cezar Roberto, PRADO, Luís Regis fazem parte do
entendimento majoritário, afirmando ser a prescrição um instituto de direito
material. Essa definição tem importância
prática, pois se for considerada como instituto de direito processual, a lei
tem aplicação imediata, por força do art. 2º do Código de Processo Penal. Sendo
um instituto de direito material, a lei nova mais gravosa não pode retroagir,
em obediência ao princípio da reserva legal.
[4]
O ius puniendi pode ser traduzido
literalmente como o direito de punir
do Estado e decorre da classificação da prescrição em prescrição da pretensão punitiva. Após sentença condenatória surge
o ius punitonis que é a pretensão executória do Estado, em face
do título penal executório.
[5] Prescrição depois de transitar em
julgado sentença final condenatória
Art. 110 - A prescrição depois de transitar
em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se
nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o
condenado é reincidente. (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em
julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela
pena aplicada. (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º - A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por
termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa. (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
[6] Nesse sentido: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRESCRIÇÃO PELA PENA PROJETADA.
POSSIBILIDADE. Mantida a decisão que
julga extinta a punibilidade do réu quando se antevê o reconhecimento da
prescrição em caso de eventual condenação. SÚMULA 438 DO STJ. Verbete que
não está dotado de eficácia vinculante. RECURSO IMPROVIDO. (Recurso em
Sentido Estrito Nº , 70041838418,Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do
RS, Relator: Genacéia da Silva Alberton, Julgamento 01.06.2011).
[7]
O art. 1º do Código Penal enuncia o princípio da reserva legal, cuja ementa é
“anterioridade da lei”, da seguinte maneira: “Não há crime sem lei anterior que
o defina, nem pena sem prévia cominação legal.”.
[8]
Igual disposição traz a Constituição Federal no art. 5º, XXXIX, ao determinar
“que não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal.”.
[9]
TACRIM-SP – AC 1302843 / 1 – Relator
Poças Leitão – Julgamento: 04.06.2002.
[10] É necessário para a ação penal que estejam presentes as condições da
ação, quais sejam, legitimidade das partes, possibilidade jurídica do pedido e
o interesse de agir. O reconhecimento da possibilidade de aplicação da
prescrição pela pena em perspectiva está relacionado ao interesse de agir, uma
vez que o provimento pretendido deve ser viável, eficaz, adequado e necessário.
Sendo assim, quando se verifica que o provimento condenatório não poderá ser
aplicado, pode-se concluir que falta interesse de agir. É evidente a
inutilidade da persecução penal em casos que haverá uma futura prescrição antes
do provimento final.
[11]
8ª Câmara Criminal – SER 70003944857 – Rel. Des. Tupinambá Pinto de Azevedo –
Acórdão de 22.05.2002
[12]
Recurso em Sentido Estrito Nº 70009427998, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Laís Rogéria Alves Barbosa. Julgamento 30.09.2004
[13]
Acórdão TRF-1 – Recurso Criminal GO 1997.35.00.000060-0. Desembargador Federal
Tourinho Neto. Publicações 29.07.2005
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