ANÁLISE DA EXPRESSÃO “FLORESTA” INSERIDA NO ARTIGO 38 DA LEI Nº 9.065/98
Hassan Souki
Sócio do Homero Costa Advogados
A Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro
de 1998, tipifica, em seu artigo 38 (inserido dentro da seção que trata “Dos
Crimes Contra a Flora”), as condutas de destruir ou danificar floresta
considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com
infringência das normas de proteção, punindo tais comportamentos com pena
privativa de liberdade de detenção, de forma alternada ou cumulada com pena de
multa.
A análise do tipo penal em comento revela que este possui,
como elemento normativo, a palavra “floresta”, sendo tal, ainda, o objeto
material do crime em questão.
Pois bem, o que poderia ser entendido como floresta? Nem a
Lei 9.605/98 nem o Código Florestal (Lei 12.651/12) esclarecem tal conceito.
Dessa forma, ante ao silêncio legislativo, deve-se buscar determinar a extensão
do vocábulo em apreço na doutrina e jurisprudência.
Segundo a doutrina e a jurisprudência pátrias, o termo
floresta designa vegetação cerrada, composta de árvores de grande porte. De
fato, neste sentido leciona Fernando Pereira Sodero, senão veja-se:
“Toda vegetação,
genericamente considerada, é flora. Floresta é espécie, qual seja, ‘a vegetação
cerrada, constituída de árvores de grande porte, cobrindo grande extensão de
terras’”. (Enciclopédia Saraiva de Direito, São Paulo. v.37;507, p.510).
Conceito idêntico é dado por Vladmir e Gilberto Passos de
Freitas, para quem floresta é a “vegetação cerrada, constituída por árvores de
grande porte, cobrindo grande extensão de terras" (Crimes Contra a
Natureza, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais ,7ª ed., p. 114).
Corroborando o consenso na doutrina acerca de tal
conceito, assevera Luiz Régis Prado que floresta “é a formação arbórea densa,
de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa.” (Crimes contra
o meio ambiente, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998, p. 97).
O Superior Tribunal de Justiça, manifestando-se sobre tal
conceito, decidiu que:
“O elemento normativo
`floresta´, constante do tipo de injusto do art. 38 da Lei 9.605/98, é a
formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos
extensa. O elemento central é o fato de ser constituída por árvores de grande
porte. Dessa forma, não abarca a vegetação rasteira". (STJ, Habeas corpus nº. 74.950/SP, rel.
Min. Felix Fischer, j. em 21/6/2007).
(Grifou-se)
Dada a relevância, pinça-se do voto proferido pelo
Ministro Felix Fischer:
"A exordial acusatória, em contrapartida, faz menção à
destruição de vegetação rasteira nativa
em estágio pioneiro inicial de regeneração, em área de preservação permanente
(fl. 15). E tal vegetação não se ajusta à melhor definição de floresta. Esta, consoante doutrina
abalizada, é a formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra
mais ou menos extensa. O elemento
central é o fato de ser constituída por árvores de grande porte. Nessa linha, tem-se o escólio dos
seguintes autores: José Afonso da Silva
(in Direito ambiental
constitucional, 5ª ed., Malheiros, 2004, p. 161), Paulo Affonso Leme Machado (in Direito ambiental brasileiro, 13ª
ed., Malheiros, 2005, p. 719), Vladimir
Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas (in Crimes contra a natureza, 7ª ed., RT, 2001, p. 114), Luiz Régis Prado (in Crimes contra o ambiente, 2ª ed.,
RT, 2001, p. 103), Luís Paulo Sirvinkas
(in Tutela penal do meio
ambiente, 2ª ed., Saraiva, 2002, p.145), Hely Lopes Meirelles (in
Direito administrativo brasileiro, 28ª ed., Malheiros, 2003, p. 540)
etc.
"[...]
"Além do mais, é de se ressaltar que o Código Florestal (Lei nº 4771⁄65) não
equipara a floresta com as demais formas de vegetação, mas muito pelo
contrário, distingue-as. Pode-se mencionar, à título de exemplo, os seguintes
dispositivos: Art. 1° 'As florestas
existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas
de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os
habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações
que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem' (...),
art. 2º 'Consideram-se de preservação
permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação
natural situadas:' (...). A própria Lei nº 9605⁄98 cuidou de distinguir tais conceitos, consoante se
depreende dos seguintes artigos: Art. 42. 'Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar
incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou
qualquer tipo de assentamento humano:' (...), Art. 48. 'Impedir ou dificultar a regeneração natural
de florestas e demais formas de vegetação:' (...), Art. 50. 'Destruir ou danificar florestas nativas ou
plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de
especial preservação:' (...), Art. 51. 'Comercializar motosserra ou utilizá-la em florestas e nas demais
formas de vegetação, sem licença ou registro da autoridade competente:'
(...) etc"
Como é sabido, em matéria penal as normas incriminadoras
devem ser interpretadas restritivamente e, não havendo a destruição ou
danificação de área de terra mais ou menos extensa, coberta de árvores de
grande porte (ou seja, de floresta), mas, por exemplo, apenas a supressão de
vegetação rasteira, não há como se falar na existência do delito tipificado no
art. 38 da Lei 9.605/98
Corroborando tal entendimento, Édis Milaré e Paulo José da
Costa Júnior salientam:
"Note-se que
referido tipo penal não alude a outras formas de vegetação, a exemplo do que se
verifica nos crimes previstos nos art. 41, 42, 48, 50 e 51. Assim sendo, a
destruição e o dano a outras formas de vegetação, ainda que sejam de
preservação permanente, a teor do disposto no art. 2º do Código Florestal, não
estão abrangidas no referido art. 38 da Lei Ambiental" (Direito
pena ambiental: comentários à Lei n. 9.605/98. Campinas: Millennium, 2002.
p. 107).
A eventual ampliação do conceito de floresta inserto no
preceito incriminador, a fim de que sejam subsumidos os casos de destruição ou
danificação de quaisquer outras formas de vegetação, viola o princípio da
legalidade estrita, haja vista que se estaria promovendo indesejável analogia
in malam partem.
Segundo Fernando Capez, a analogia:
"consiste em aplicar-se a uma hipótese não regulamentada
por lei disposição relativa a um caso semelhante. Na analogia, o fato não é
regido por qualquer norma e, por essa razão, aplica-se uma de caso
analógico". O autor afirma que "a aplicação da analogia em norma
penal incriminadora fere o princípio da reserva legal, uma vez que um fato não
definido em lei como crime estaria sendo considerado como tal. [...] Nesse
caso, um fato não considerado criminoso passaria a sê-lo, em evidente afronta
ao princípio constitucional do art. 5°, XXXIX da Constituição Federal (reserva
legal)" (Curso de direito penal: parte geral. v. 1. 12. ed. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 34 e 36).
Por fim, cabe destacar que o Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, em inúmeros julgados já decidiu que a supressão de vegetação que não se
enquadre na definição de floresta não caracteriza o crime em apreço, não se
podendo ser utilizada a analogia para ampliar o alcance do art. 38 da Lei
9.605/98 sob pena de violação do princípio da legalidade, senão veja-se:
“APELAÇÃO DE CRIME AMBIENTAL - ART. 38 DA LEI 9.605/1998 - ELEMENTAR FLORESTA NÃO CONFIGURADA - CONDENAÇÃO
- IMPOSSIBILIDADE - RECURSO NÃO PROVIDO. O crime do artigo 38 da Lei 9.605/1998 exige que a área desmatada
seja de floresta de preservação
permanente, mesmo que em formação. Se o acusado promoveu a aração em área
considerada de preservação permanente, causando a supressão de vegetação rasteira, o crime
não se caracteriza, pois, como cediço, não há como adotar no Direito Penal uma
extensão analógica do termo floresta
para abarcar outras formas de vegetação,
sob pena de violação ao princípio da legalidade”. (Apelação Criminal nº
1.0701.10.035380-7/001 – Rel.: Des. Flávio Leite – Data Julg.: 12/03/2013 –
Data Publ.: 21/03/2013). (Grifou-se).
“APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME AMBIENTAL - DESTRUIÇÃO DE VEGETAÇÃO
RASTEIRA - DELITO NÃO
CONFIGURADO - RECURSO PROVIDO.
I - Para a configuração
do crime do art. 38 da Lei nº
9.605/98 não basta que o agente intervenha em área de preservação permanente. O
tipo penal exige destruição ou danificação de floresta (formada ou em formação). A supressão de vegetação rasteira, por não se incluir no conceito de floresta, não é suficiente para a
caracterização do delito.
II - Recurso provido”.
(Apelação Criminal nº 1.0471.09.112014-0/001 – Rel.: Des. Eduardo Brum – Data
Julg.: 12/12/2012 – Data Publ.: 19/12/2012). (Grifou-se).
“CRIME AMBIENTAL - SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO RASTEIRA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - DELITO NÃO
CARACTERIZAÇÃO - ABSOLVIÇÃO MANTIDA. 1. Não há como se imputar ao réu a prática
do delito previsto no art. 38 da Lei 9.605/98, uma vez que o referido tipo
penal destaca que a destruição ou danificação deve ocorrer em ""floresta"" considerada de
preservação permanente, não abrangendo a supressão de vegetação rasteira.
2. O laudo pericial realizado nove meses depois da notícia de supressão de vegetação não pode ser tido como prova
robusta da materialidade do crime,
já que a vegetação pode ter sido
alterada nesse período por ato de terceiros ou por causas naturais. 3. Recurso
não provido”. (Apelação Criminal nº 1.0596.08.051150-1/001– Rel.: Des. Antônio
Armando dos Anjos – Data Julg.: 10/05/2011 – Data Publ.: 09/06/2011).
(Grifou-se).
Assim, ao final desta breve análise, pode-se concluir, com
base no anteriormente salientado, que o artigo 38 da Lei 9.605/98 proíbe as
condutas de destruir, danificar ou utilizar com infringência das normas de
proteção, vegetação cerrada, que cobre uma grande extensão de terras e é
composta por árvores de grande porte, não sendo aplicável quando o dano ocorre
em pequena área ou em qualquer outra espécie de vegetação (rasteira, arbustiva,
etc).
Referências
Bibliográficas
CAPEZ,
Fernando. Curso de direito penal:
parte geral. v. 1. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
FREITAS,
Vladmir Passos de e FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra a Natureza, São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais ,7ª ed, 2001
MILARÉ,
Édis e COSTA JÚNIOR, Paulo Jose. Direito
pena ambiental: comentários à Lei n. 9.605/98. Campinas: Millennium,
2002.
PRADO,
Luiz Regis. Crimes contra o meio ambiente, São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 1998.
SODERO,
Fernando Pereira. Enciclopédia Saraiva de Direito, São Paulo: Saraiva, v.37.
www.stj.jus.br
www.tjmg.jus.br
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