A SÍNDROME DE BURNOUT COMO DOENÇA DO TRABALHO
Sara Costa Benevides
Advogada Associada do Homero Costa Advogados
Na
última semana, um acidente de avião chamou atenção de todos. O avião da
Germanwings, que ia de Barcelona (Espanha) a Düsseldorf (Alemanha), caiu com
150 pessoas a bordo nos Alpes franceses, em 24/03/2015. Caiu não é bem a
palavra correta, nesse caso. Na verdade, foi derrubado, pelo menos é o que tudo
indica, conforme as notícias veiculadas em diversos jornais nacionais e
internacionais sobre as investigações prévias sobre o acidente.
Curioso
pensar que, exatamente no mesmo dia, o TST noticiou em seu site um julgamento
recente em que a sua 2a Turma considerou a síndrome de burnout como doença do trabalho e
determinou a reintegração de uma analista, bem como indenização por danos
morais.
As
duas notícias aparentemente não teriam nenhuma relação uma com a outra, não
fosse a suspeita de que o copiloto do avião supostamente por ele derrubado
sofria exatamente dessa síndrome. O jornal online
Estadão publicou “Copiloto da Airbus
sofria de síndrome do fósforo queimado.”
Em
resumo, um trabalhador que – aparentemente – sofria de burnout se matou e levou consigo outras 149 pessoas, durante a
jornada de trabalho.
Quais
são as características e o que causa essa síndrome? E quais as consequências
dessa doença para a relação de trabalho?
Diversos
artigos têm relacionado a síndrome de burnout
com as novas tecnologias e as novas formas de organização do trabalho. As
mudanças tecnológicas, introduzidas no processo produtivo, possibilitaram às
empresas o aumento da produtividade e, consequentemente, dos lucros. Contudo,
este desenvolvimento trouxe impactos à saúde do trabalhador, que são
verificadas tanto em seu físico quanto em seu psíquico.
Segundo
relatam os autores Grangeiro, Alencar e Barreiro, burnout é expressão inglesa que significa “queimar-se” ou
“consumir-se pelo fogo”, foi utilizada pela fácil semelhança metafórica com o
estado de exaustão emocional, o “estar consumido”. Traduzida para português
como síndrome do fósforo queimado, também tem sido vista sob outras expressões,
tais como neurose profissional, neurose de excelência ou síndrome do
esgotamento profissional.
Estabelecida
como uma resposta ao estresse laboral crônico, integrado por atitudes e sentimentos
negativos, tal síndrome não possui um conceito unânime de acordo com os estudos
que contemplam.
Alguns
pontos, contudo, foram pontuados, com algumas especificidades, ao menos cinco
elementos comuns: (1) existe a predominância de sintomas relacionados com a
exaustão mental e emocional, fadiga e depressão; (2) a ênfase nos sintomas
comportamentais e mentais e não nos sintomas físicos; (3) os sintomas do burnout são relacionados com o trabalho;
(4) os sintomas manifestam-se em pessoas “normais” que não sofriam de
distúrbios psicopatológicos antes do surgimento da síndrome; e (5) a
diminuição da efetividade e desempenho no trabalho ocorre por causa de atitudes
e comportamentos negativos.
Os
sintomas do burnout são comumente
confundidos com aqueles da depressão. Contudo, especialistas afirmam que as
sintomatologias destas patologias apresentam variações. Estudos demonstram que burnout e depressão emergem por
diferentes fatores; a pessoa que vivencia o burnout
identifica o trabalho como desencadeante do processo e apresenta uma
sintomatologia com prevalência de sentimentos de desapontamento e tristeza. Por
outro lado, na depressão, há prevalência de sentimentos de derrota e letargia
para a tomada de atitude.
De
uma maneira geral, o burnout tende a
fazer com que o indivíduo não se sinta mais estimulado com suas atividades
laborais, perdendo o interesse por sua função e seus colegas de trabalho; como
resultado, a pessoa pode apresentar dificuldade para se relacionar, tornando-se
menos eficiente e mais sujeita a acidentes de toda ordem. Pode também mostrar
exacerbação do isolamento social e familiar, além de minimizar os problemas inerentes
à profissão.
A
síndrome envolve três componentes, que podem aparecer associados, mas são
independentes:
·
Exaustão
emocional – falta de energia associada à sensação de esgotamento emocional. O
profissional sente que não pode despender mais energia para desenvolver suas
atividades;
·
Despersonalização
– indiferença em relação às atividades cotidianas do trabalho, presença de
atitudes negativas e comportamentos de cinismo e dissimulação afetiva, até o
tratamento de pessoas do convívio como objetos; e
·
Falta
de envolvimento com o trabalho ou baixa realização profissional – sensação de
incapacidade, baixa autoestima, desmotivação e infelicidade no trabalho,
afetando até a habilidade e a destreza.
A
instalação desta síndrome ocorre de maneira lenta e gradual, trazendo desgaste
emocional e desmotivação, acompanhado de manifestações físicas e psíquicas.
Ela
se manifesta por meio de quatro dimensões sintomatológicas: física, psíquica,
comportamental e emocional.
A
professora Elizabeth Galvão elenca os 12 estágios de burnout:
1. Necessidade de se afirmar – provar ser
capaz de tudo, sempre;
2. Dedicação intensificada – com
predominância da necessidade de se fazer tudo sozinho;
3. Descaso com as necessidades pessoais –
comer, dormir, sair com os amigos começam a perder o sentido;
4. Recalque de conflitos – o portador percebe
que algo não vai bem, mas não enfrenta o problema. É quando ocorrem as
manifestações físicas;
5. Reinterpretação dos valores – isolamento,
fuga dos conflitos. O que antes tinha valor sofre desvalorização: lazer, casa,
amigos, e a única medida da autoestima é o trabalho;
6. Negação de problemas – nessa fase os
outros são completamente desvalorizados e tidos como incapazes. Os contatos
sociais são repelidos, cinismo e agressão são os sinais mais evidentes;
7. Recolhimento – aversão a grupos, reuniões
– comportamento antissocial;
8. Mudanças evidentes de comportamento –
perda do humor, não aceitação de comentários, que antes eram tidos como
naturais;
9. Despersonalização – ninguém parece ter
valor, nem mesmo a pessoa afetada. A vida se restringe a atos mecânicos e distância
do contato social – prefere e-mails e mensagens;
10. Vazio interior – sensação de desgaste,
tudo é difícil e complicado;
11. Depressão – marcas de indiferença,
desesperança, exaustão. A vida perde o sentido; e
12. E, finalmente, a síndrome do esgotamento
profissional propriamente dita, que corresponde ao colapso físico e mental.
Esse estágio é considerado de emergência, e a ajuda medica e psicológica são
urgentes.
Considerando
a íntima relação com o trabalho, a doença é tratada como doença ocupacional,
ainda que o trabalho tenha servido como concausa ou fator agravador da doença.
Aqui
no TRT de Minas Gerais, a síndrome de esgotamento pelo trabalho já foi
reconhecida como doença do trabalho, com respaldo em laudo feito por médico
perito do juízo. Transcreve-se a ementa:
EMENTA: TRABALHO ESTRESSANTE. METAS ABUSIVAS
E PRESSÃO PERMANENTE. SÍNDROME DO ESGOTAMENTO PELO TRABALHO. DANO MORAL.
INDENIZAÇÃO DEVIDA. É certo que ao empregador é lícito cobrar o atingimento de
metas e objetivos, uma vez que detém o poder diretivo e assume os riscos do
empreendimento, todavia, deve fazê-lo com razoabilidade, sem afrontar a
dignidade e a saúde psíquica de seus empregados pela imposição de metas
exorbitantes e permanente pressão psicológica. Verificado que, em decorrência
do abuso do poder diretivo, o empregado desenvolveu a "síndrome do
esgotamento pelo trabalho" impõe-se a indenização pelos danos morais
ocasionados. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0001028-64.2011.5.03.0145 RO; Data
de Publicação: 14/02/2014; Disponibilização: 13/02/2014, DEJT, Página 201;
Órgão Julgador: Oitava Turma; Relator: Convocado Jose Marlon de Freitas;
Revisor: Marcio Ribeiro do Valle)
Vale
destacar que, além da indenização, a decisão entendeu que, por se tratar de
doença ocupacional, equiparada a acidente de trabalho, o empregado em questão
gozava de estabilidade. Por isso, condenou a empresa não só ao pagamento de
danos morais, como também de reintegração ao emprego e consequente pagamento de
todos os salários do período estabilitário.
Deduz-se
assim que, por se tratar de doença do trabalho, a Justiça do Trabalho condenará
o empregador sempre que for verificado, a partir da análise probatória, que o
quadro clínico-psicológico da síndrome está presente.
Nesse
sentido, caberá às empresas buscar maneiras de melhorarem o ambiente de
trabalho saudável, de forma a prevenir o burnout.
Para isso, os autores recomendam o seguinte: (a) aumentar a variedade de
rotinas, para evitar a monotonia; (b) prevenir o excesso de horas extras; (c)
dar melhor suporte social às pessoas; (d) melhorar as condições sociais e
físicas de trabalho; e (e) investir no aperfeiçoamento profissional e pessoal
dos trabalhadores.
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