sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A Síndrome de Burnout como Doença do Trabalho

A SÍNDROME DE BURNOUT COMO DOENÇA DO TRABALHO
Sara Costa Benevides
Advogada Associada do Homero Costa Advogados

Na última semana, um acidente de avião chamou atenção de todos. O avião da Germanwings, que ia de Barcelona (Espanha) a Düsseldorf (Alemanha), caiu com 150 pessoas a bordo nos Alpes franceses, em 24/03/2015. Caiu não é bem a palavra correta, nesse caso. Na verdade, foi derrubado, pelo menos é o que tudo indica, conforme as notícias veiculadas em diversos jornais nacionais e internacionais sobre as investigações prévias sobre o acidente.
Curioso pensar que, exatamente no mesmo dia, o TST noticiou em seu site um julgamento recente em que a sua 2a Turma considerou a síndrome de burnout como doença do trabalho e determinou a reintegração de uma analista, bem como indenização por danos morais.
As duas notícias aparentemente não teriam nenhuma relação uma com a outra, não fosse a suspeita de que o copiloto do avião supostamente por ele derrubado sofria exatamente dessa síndrome. O jornal online Estadão publicou “Copiloto da Airbus sofria de síndrome do fósforo queimado.”
Em resumo, um trabalhador que – aparentemente – sofria de burnout se matou e levou consigo outras 149 pessoas, durante a jornada de trabalho.
Quais são as características e o que causa essa síndrome? E quais as consequências dessa doença para a relação de trabalho?
Diversos artigos têm relacionado a síndrome de burnout com as novas tecnologias e as novas formas de organização do trabalho. As mudanças tecnológicas, introduzidas no processo produtivo, possibilitaram às empresas o aumento da produtividade e, consequentemente, dos lucros. Contudo, este desenvolvimento trouxe impactos à saúde do trabalhador, que são verificadas tanto em seu físico quanto em seu psíquico.
Segundo relatam os autores Grangeiro, Alencar e Barreiro, burnout é expressão inglesa que significa “queimar-se” ou “consumir-se pelo fogo”, foi utilizada pela fácil semelhança metafórica com o estado de exaustão emocional, o “estar consumido”. Traduzida para português como síndrome do fósforo queimado, também tem sido vista sob outras expressões, tais como neurose profissional, neurose de excelência ou síndrome do esgotamento profissional.
Estabelecida como uma resposta ao estresse laboral crônico, integrado por atitudes e sentimentos negativos, tal síndrome não possui um conceito unânime de acordo com os estudos que contemplam.
Alguns pontos, contudo, foram pontuados, com algumas especificidades, ao menos cinco elementos comuns: (1) existe a predominância de sintomas relacionados com a exaustão mental e emocional, fadiga e depressão; (2) a ênfase nos sintomas comportamentais e mentais e não nos sintomas físicos; (3) os sintomas do burnout são relacionados com o trabalho; (4) os sintomas manifestam-se em pessoas “normais” que não sofriam de distúrbios psicopatológicos antes do surgimento da síndrome; e (5) a diminuição da efetividade e desempenho no trabalho ocorre por causa de atitudes e comportamentos negativos.
Os sintomas do burnout são comumente confundidos com aqueles da depressão. Contudo, especialistas afirmam que as sintomatologias destas patologias apresentam variações. Estudos demonstram que burnout e depressão emergem por diferentes fatores; a pessoa que vivencia o burnout identifica o trabalho como desencadeante do processo e apresenta uma sintomatologia com prevalência de sentimentos de desapontamento e tristeza. Por outro lado, na depressão, há prevalência de sentimentos de derrota e letargia para a tomada de atitude.
De uma maneira geral, o burnout tende a fazer com que o indivíduo não se sinta mais estimulado com suas atividades laborais, perdendo o interesse por sua função e seus colegas de trabalho; como resultado, a pessoa pode apresentar dificuldade para se relacionar, tornando-se menos eficiente e mais sujeita a acidentes de toda ordem. Pode também mostrar exacerbação do isolamento social e familiar, além de minimizar os problemas inerentes à profissão.
A síndrome envolve três componentes, que podem aparecer associados, mas são independentes:
·         Exaustão emocional – falta de energia associada à sensação de esgotamento emocional. O profissional sente que não pode despender mais energia para desenvolver suas atividades;
·         Despersonalização – indiferença em relação às atividades cotidianas do trabalho, presença de atitudes negativas e comportamentos de cinismo e dissimulação afetiva, até o tratamento de pessoas do convívio como objetos; e
·         Falta de envolvimento com o trabalho ou baixa realização profissional – sensação de incapacidade, baixa autoestima, desmotivação e infelicidade no trabalho, afetando até a habilidade e a destreza.
A instalação desta síndrome ocorre de maneira lenta e gradual, trazendo desgaste emocional e desmotivação, acompanhado de manifestações físicas e psíquicas.
Ela se manifesta por meio de quatro dimensões sintomatológicas: física, psíquica, comportamental e emocional.
A professora Elizabeth Galvão elenca os 12 estágios de burnout:
1. Necessidade de se afirmar – provar ser capaz de tudo, sempre;
2. Dedicação intensificada – com predominância da necessidade de se fazer tudo sozinho;
3. Descaso com as necessidades pessoais – comer, dormir, sair com os amigos começam a perder o sentido;
4. Recalque de conflitos – o portador percebe que algo não vai bem, mas não enfrenta o problema. É quando ocorrem as manifestações físicas;
5. Reinterpretação dos valores – isolamento, fuga dos conflitos. O que antes tinha valor sofre desvalorização: lazer, casa, amigos, e a única medida da autoestima é o trabalho;
6. Negação de problemas – nessa fase os outros são completamente desvalorizados e tidos como incapazes. Os contatos sociais são repelidos, cinismo e agressão são os sinais mais evidentes;
7. Recolhimento – aversão a grupos, reuniões – comportamento antissocial;
8. Mudanças evidentes de comportamento – perda do humor, não aceitação de comentários, que antes eram tidos como naturais;
9. Despersonalização – ninguém parece ter valor, nem mesmo a pessoa afetada. A vida se restringe a atos mecânicos e distância do contato social – prefere e-mails e mensagens;
10. Vazio interior – sensação de desgaste, tudo é difícil e complicado;
11. Depressão – marcas de indiferença, desesperança, exaustão. A vida perde o sentido; e
12. E, finalmente, a síndrome do esgotamento profissional propriamente dita, que corresponde ao colapso físico e mental. Esse estágio é considerado de emergência, e a ajuda medica e psicológica são urgentes.
Considerando a íntima relação com o trabalho, a doença é tratada como doença ocupacional, ainda que o trabalho tenha servido como concausa ou fator agravador da doença.
Aqui no TRT de Minas Gerais, a síndrome de esgotamento pelo trabalho já foi reconhecida como doença do trabalho, com respaldo em laudo feito por médico perito do juízo. Transcreve-se a ementa:
EMENTA: TRABALHO ESTRESSANTE. METAS ABUSIVAS E PRESSÃO PERMANENTE. SÍNDROME DO ESGOTAMENTO PELO TRABALHO. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. É certo que ao empregador é lícito cobrar o atingimento de metas e objetivos, uma vez que detém o poder diretivo e assume os riscos do empreendimento, todavia, deve fazê-lo com razoabilidade, sem afrontar a dignidade e a saúde psíquica de seus empregados pela imposição de metas exorbitantes e permanente pressão psicológica. Verificado que, em decorrência do abuso do poder diretivo, o empregado desenvolveu a "síndrome do esgotamento pelo trabalho" impõe-se a indenização pelos danos morais ocasionados. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0001028-64.2011.5.03.0145 RO; Data de Publicação: 14/02/2014; Disponibilização: 13/02/2014, DEJT, Página 201; Órgão Julgador: Oitava Turma; Relator: Convocado Jose Marlon de Freitas; Revisor: Marcio Ribeiro do Valle)
Vale destacar que, além da indenização, a decisão entendeu que, por se tratar de doença ocupacional, equiparada a acidente de trabalho, o empregado em questão gozava de estabilidade. Por isso, condenou a empresa não só ao pagamento de danos morais, como também de reintegração ao emprego e consequente pagamento de todos os salários do período estabilitário.
Deduz-se assim que, por se tratar de doença do trabalho, a Justiça do Trabalho condenará o empregador sempre que for verificado, a partir da análise probatória, que o quadro clínico-psicológico da síndrome está presente.
Nesse sentido, caberá às empresas buscar maneiras de melhorarem o ambiente de trabalho saudável, de forma a prevenir o burnout. Para isso, os autores recomendam o seguinte: (a) aumentar a variedade de rotinas, para evitar a monotonia; (b) prevenir o excesso de horas extras; (c) dar melhor suporte social às pessoas; (d) melhorar as condições sociais e físicas de trabalho; e (e) investir no aperfeiçoamento profissional e pessoal dos trabalhadores.


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