Orlando José de Almeida
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados
Ana Flávia da Silva Costa
Estagiária de Homero Costa Advogados
Conforme
amplamente divulgado na imprensa o Supremo Tribunal Federal e a Justiça do
Trabalho possuem posicionamentos antagônicos com relação a alguns aspectos do
campo de aplicação da terceirização e de outras formas de relação de trabalho.
O
conflito tem acarretado inúmeras Reclamações Constitucionais e respectivos
julgamentos proferidos no âmbito do STF, declarando a nulidade de decisões
prolatadas por órgãos da Justiça do Trabalho, que reconhecem o vínculo de
emprego com o tomador dos serviços.
Para melhor
elucidação sobre o tema, destacam-se algumas normas em vigor e jurisprudências
consolidadas.
O
artigo 3º da Consolidação das
Leis do Trabalho – CLT, traz os requisitos para o reconhecimento da relação de
emprego ao estabelecer que “considera-se empregado toda pessoa física que
prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste
e mediante salário.”
A Justiça do Trabalho,
por força da Emenda Constitucional 45/2004, possui competência para julgar,
além daquelas especificadas nos incisos I a VIII, do artigo 114, “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na
forma da lei” – inciso IX.
Relativamente à terceirização a antiga Súmula
331, do Tribunal Superior do Trabalho, estabelece:
I - A contratação de
trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo
diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário
(Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
(...)
III - Não forma
vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei
nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços
especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a
pessoalidade e a subordinação direta.
(...)
IV - O inadimplemento
das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica responsabilidade
subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja
participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
Posteriormente,
por intermédio da Lei 13.429/2017, foi atribuída nova redação ao artigo 10, da
Lei 6.019/1974, que trata do trabalho temporário, sendo especificado que “qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não
existe vínculo de emprego entre ela e os trabalhadores contratados pelas
empresas de trabalho temporário.”
Adiante,
com a edição da Lei 13.467/2017 – conhecida como “Reforma Trabalhista” –, a
mencionada Lei 6.019/1974 foi modificada para esclarecer que “considera-se prestação de serviços a terceiros a
transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas
atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito
privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a
sua execução”.
No que tange à matéria o Supremo
Tribunal Federal já emitiu inúmeros julgamentos.
Dentre eles, firmou a tese de
repercussão geral que ensejou o tema 725, segundo o qual “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de
divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do
objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária
da empresa contratante.”
Julgou a Ação de Descumprimento de
Preceito Fundamental - ADPF
324/DF -, “procedente para assentar a licitude da terceirização de
atividade-fim ou meio.”
Dessa
forma, o campo de abrangência da terceirização foi ampliando, sendo permitida,
inclusive, na atividade-fim do tomador dos serviços.
O ponto
principal da divergência de posicionamentos entre o Supremo Tribunal Federal e a
Justiça do Trabalho, como já assentado, é voltado ao pronunciamento de
eventuais fraudes nas respectivas contratações, de modo a ensejar ou evitar a
formação de vínculo empregatício com o tomador dos serviços.
Em
matéria publicada in https://www.conjur.com.br/2023-set-01/stf-jt-travam-guerra-terceirizacao-ou-vinculo-emprego/, Fabíola Marques, sócia do escritório Abud e Marques Sociedade de
Advogadas e professora da PUC-SP, diz que "não é a Justiça do Trabalho que
não está aplicando os precedentes do Supremo. Na verdade, é o STF que está
invadindo a competência da Justiça do Trabalho".
Ressalta que “a confusão ocorre porque a pejotização só é válida
se não houver pessoalidade, habitualidade, subordinação e
onerosidade. Se estiverem presentes tais requisitos, descritos
na CLT, somente a Justiça do Trabalho poderá dizer se há uma relação de
emprego.”
Arremata asseverando que em outras palavras, a
"transferência da responsabilidade do exercício de uma determinada
atividade para outra empresa" é plenamente possível. Todavia, para que “a
terceirização seja válida, o prestador de serviços não pode, por
exemplo, ter horários e reuniões a cumprir, ou mesmo obrigação de atender
a determinados clientes, sem poder recusar. Nesses casos, considera-se que, na
prática, a terceirização não existiu.”
Os advogados que participam da sociedade Machado Meyer, Andrea
Giamondo Massei, Amanda Dias Nunes e Roberto Nasato Kaestner, em artigo intitulado “O
CONFLITO ENTRE O STF E A JUSTIÇA DO TRABALHO”, com notável propriedade aduziram:
“Por
força legal e constitucional, as decisões proferidas pelo STF em ações de
controle concentrado de constitucionalidade – como é o caso das proferidas na
ADPF 324, ADC 48, ADIs 3.961 e 5.625, assim como no acórdão do RE 958252, que
ocasionou a tese de repercussão geral prevista no enunciado do Tema 725 –
consistem em fontes formais do direito do trabalho.
Essas
decisões não podem, como vem fazendo parte dos magistrados trabalhistas, ser
ignoradas na entrega da prestação jurisdicional. É legítima, portanto, a
intenção do STF de frear as decisões que, amparadas em atos discricionários,
ignoram a existência de decisões vinculantes.
Por
outro lado, a existência de decisões vinculantes mencionadas acima não pode ter
o poder de afastar a competência funcional da Justiça do Trabalho, prevista na
Constituição, de processar e julgar conflitos relacionados às relações de
trabalho. Aos magistrados trabalhistas cabe a prerrogativa de proceder com a
interpretação hermenêutica do direito do trabalho, em todas as suas fontes, o
que inclui as decisões vinculantes, com a autonomia para deixar de aplicá-las,
desde que devidamente utilizadas as técnicas para a superação de precedentes,
com destaque para o distinguishing e
o overruling.”
Naturalmente, não faz sentido a divergência no que tange àqueles
abrangidos por normas claras como, por exemplo, é o caso dos advogados
associados. É que o artigo 39, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e
da OAB, dispõe expressamente que “a sociedade de advogados pode
associar-se com advogados, sem vínculo de emprego, para participação nos
resultados.”
O que
pode ser observado é que atualmente existe flagrante divergência de
posicionamentos entre o Supremo Tribunal Federal e a Justiça do Trabalho,
relativamente à aplicação da terceirização e de outras formas de relação de
emprego, ao reconhecerem ou negarem o vínculo empregatício com o tomador dos
serviços, notadamente quanto a interpretação e aplicação dos requisitos do
artigo 3º, da CLT.
O que se espera é o apaziguamento entre estes
relevantes órgãos do Poder Judiciário. Afinal o que os jurisdicionados
pretendem é a almejada segurança jurídica.
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