Orlando
José de Almeida
Advogado Sócio de Homero Costa Advogados
O empregador detém o poder diretivo na relação de emprego, mas esse
poder deve ser exercido com a cautela necessária, a fim de não permitir o
descumprimento da legislação em vigor, notadamente para que não sejam violados
direitos fundamentais de seus colaboradores previstos na Constituição, como é o
caso do respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no
inciso III, do artigo 1º.
Ingo Wolfgang Sarlet ensina que “temos
por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz
merecedor do mesmo respeito e
consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e
deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato
de cunho degradante e desumano,
como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar
e promover sua participação ativa
e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”[i]
Preconiza também a nossa Lei Maior a igualdade de tratamento entre
homens e mulheres (art. 5º, caput e inciso I), e que o Estado tem o dever de “promover o bem de
todos”, ou de prevenir e eliminar as formas de intolerância e discriminação
(art. 3º, inciso IV, da CF)
O ambiente de trabalho encontra-se inserido neste
contexto.
Em consonância, especialmente, com as
diretrizes acima, no dia 21 de setembro do ano passado foi publicada a Lei
14.457/22, que instituiu o “Programa Emprega + Mulheres”, destinado à
inserção e à manutenção de mulheres no mercado onde ocorre a prestação de
serviços, sendo estabelecidas regras de “prevenção e combate ao assédio sexual
e a outras formas de violência no âmbito do trabalho”. No artigo 23 consta:
“Art. 23. Para a promoção
de um ambiente laboral sadio, seguro e que favoreça a inserção e a manutenção
de mulheres no mercado de trabalho, as empresas com Comissão Interna de
Prevenção de Acidentes e de Assédio (Cipa) deverão adotar as seguintes medidas,
além de outras que entenderem necessárias, com vistas à prevenção e ao combate
ao assédio sexual e às demais formas de violência no âmbito do trabalho:
I - inclusão de regras de
conduta a respeito do assédio sexual e de outras formas de violência nas normas
internas da empresa, com ampla divulgação do seu conteúdo aos empregados e às
empregadas;
II - fixação de procedimentos
para recebimento e acompanhamento de denúncias, para apuração dos fatos e,
quando for o caso, para aplicação de sanções administrativas aos responsáveis
diretos e indiretos pelos atos de assédio sexual e de violência, garantido o
anonimato da pessoa denunciante, sem prejuízo dos procedimentos jurídicos
cabíveis;
III - inclusão de temas
referentes à prevenção e ao combate ao assédio sexual e a outras formas de
violência nas atividades e nas práticas da Cipa; e
IV - realização, no mínimo a
cada 12 (doze) meses, de ações de capacitação, de orientação e de
sensibilização dos empregados e das empregadas de todos os níveis hierárquicos
da empresa sobre temas relacionados à violência, ao assédio, à igualdade e à
diversidade no âmbito do trabalho, em formatos acessíveis, apropriados e que
apresentem máxima efetividade de tais ações.
§ 1º O recebimento de
denúncias a que se refere o inciso II do caput deste artigo não
substitui o procedimento penal correspondente, caso a conduta denunciada pela
vítima se encaixe na tipificação de assédio sexual contida no art. 216-A do Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código
Penal), ou em outros crimes de violência tipificados na legislação brasileira.”
Seguindo a
determinação contida na Lei 14.457/22 o Ministério do Trabalho e Previdência
editou, em 20.12.2022, a Portaria 4.219, restando estabelecido que até o dia 20
de março do ano em curso, quando a norma entra em vigor, as organizações obrigadas a constituir CIPA nos termos
da NR 5, adotarão regras claras acerca das medidas acima citadas “além de
outras que entenderem necessárias”, visando a “prevenção e ao combate ao
assédio sexual e às demais formas de violência no âmbito do trabalho”.
Não é demais realçar que o assédio sexual no ambiente
de trabalho gera impacto negativo não apenas para os empregados, mas também
para os empregadores, que ficam com a imagem e a reputação afetadas.
Destaca-se que as empresas que já possuem
canais de denúncia, em razão de políticas de combate ao assédio e à violência
nos termos apontados, como códigos de ética e de conduta, devem ajustar os seus
instrumentos às disposições da nova Lei e da Portaria, inclusive, quanto à
obrigatoriedade de treinamento e capacitação dos empregados
de todos os níveis hierárquicos.
É imprescindível que o canal de denúncia assegure o
sigilo das informações.
As organizações destinatárias das normas implementarão as medidas impostas, no prazo fixado,
sob pena de serem atuadas pelo Ministério do Trabalho e Previdência, sem contar que podem responder por
danos morais individuais e coletivos, sujeitando-se, até mesmo, a eventual pleito de rescisão indireta do contrato de
trabalho.
Aliás,
recomenda-se que
todos os empregadores, e não apenas aqueles identificados nas normas, adotem as
regras de “prevenção e ao combate ao assédio sexual e às demais
formas de violência no âmbito do trabalho”, o que certamente contribuirá
para a existência de um ambiente de trabalho mais saudável.
[i] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade
da pessoa humana e direitos fundamentais.
4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. p. 60
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