Ana Carolina
Barbosa
Advogada,
especialista em Direito Tributário pelo CAD.
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 12, em 16/02/2009
A criação da Receita
Federal do Brasil por meio da Lei nº 44.457/2007, que passou a englobar a
Receita Federal e a Previdenciária, deu início à alteração gradual da
legislação. Dentre as novidades já implementadas, em 12 de janeiro de 2009 o
contribuintes foram surpreendidos pela revogação parcial do Decreto nº
3.048/1999 pelo Decreto nº 6.727/2009¹, que teria o condão de incluir na base
de cálculo das contribuições previdenciárias o aviso prévio indenizado.
Ocorre que, não se pode
admitir a interpretação de que o aviso prévio indenizado seja considerado como
base de cálculo das contribuições previdenciárias dada a sua natureza
indenizatória. O pagamento a este título não tem natureza de contraprestação
pela atividade laboral, característica das parcelas remuneratórias e sobre as
quais, há recolhimento previdenciário.
A Constituição Federal de
1988 outorgou competência à União Federal para instituir e cobrar contribuição
social previdenciária sobre a “folha de salários e demais rendimentos do
trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste
serviço, mesmo sem vínculo empregatício” (art. 195, I, a). Posto isso, seja
pela regra explícita do art. 110 do Código Tributário Nacional, seja pela
própria sistemática de aplicação das normas constitucionais, o legislador
federal deve exercitar a competência tributária a ele outorgada respeitando os
conteúdos dos conceitos de salário, remuneração, faturamento e receita. Dessa
forma, apesar da legislação infra-constitucional trazer algumas das parcelas
pagas ao trabalhador que podem ou não ser consideradas na base de cálculo das
contribuições, existe um núcleo de significado nas expressões salário e remuneração
que não pode ser desconsiderado pelo legislador ordinário.
Portanto, há que se verificar
o conceito do aviso prévio, para que seja possível apurar se, quando este é
pago pelo empregador, é correta a sua inclusão na base de cálculo da
contribuição social.
Maurício Godinho Delgado²
assim declina sua posição conceitual do aviso prévio:
"Aviso Prévio, no Direito do Trabalho, é instituto de natureza multidimensional, que cumpre as funções de declarar à parte contratual adversa a vontade unilateral de um dos sujeitos contratuais no sentido de romper, sem justa causa, o pacto, fixando, ainda, prazo tipificado para a respectiva extinção, com o correspondente pagamento do período do aviso.
Como bem apontado por Amauri Mascaro Nascimento, o instituto conceitua-se como a ‘comunicação da rescisão do contrato de trabalho pela parte que decide extingui-lo, com a antecedência a que estiver obrigada e com o dever de manter o contrato após essa comunicação até o decurso do prazo nela previsto, sob pena de pagamento de uma quantia substitutiva, no caso de ruptura do contrato’
O aviso prévio tem, desse modo, segundo Amauri Mascaro Nascimento, tríplice caráter: comunicação, tempo e pagamento.”
Com toda a propriedade o
brilhante autor discorre sobre as três funções do aviso prévio, chegando à
inegável natureza jurídica indenizatória do aviso prévio pago pelo empregador:
“Efetivamente, a natureza jurídica do pré-aviso, no ramo justrabalhista, é tridimensional, uma vez que ele cumpre as três citadas funções: declaração da vontade resilitória, com a sua comunicação à parte contrária, prazo para a efetiva terminação do vínculo, que se integra ao contrato para todos os fins legais; pagamento do respectivo período de aviso, seja através do trabalho e correspondente retribuição salarial, seja através da sua indenização.
O pagamento do aviso prévio prestado em trabalho tem natureza nitidamente salarial: o período de seu cumprimento é retribuído por meio de salário, o que lhe confere esse inequívoco caráter.
Contudo, não se tratando de pré-aviso laborado, mas somente indenizado, não há como insistir-se em sua natureza salarial. A parcela deixou de ser adimplida por meio do labor, não recebendo a contraprestação inerente a este, o salário. Neste caso, sua natureza indenizatória inequivocamente desponta, uma vez que se trata de ressarcimento de parcela trabalhista não adimplida mediante a equação trabalho/salário.” (sem grifos no original)
Apesar da confusão da
legislação ordinária e das Instruções Normativas, as empresas somente estão
obrigadas a recolher a contribuição social no percentual de 20% sobre as verbas
remuneratórias, e não sobre as verbas indenizatórias, conforme art. 28 da Lei
nº 8.212/91³.
As verbas remuneratórias
são definidas pela doutrina pátria como parcelas decorrentes do trabalho
executado, enquanto nas indenizatórias não há uma realização de trabalho, mas sim
uma recomposição do patrimônio.
No caso do aviso prévio
indenizado, essa parcela não tem caráter remuneratório em razão do contrato de
trabalho, mas sim indenizatório, porque o empregado não cumpriu o aviso prévio
e terá, de forma imediata, seu contrato de trabalho rescindido. Servindo essa
parcela para recompor seu patrimônio durante um mês, até que consiga obter uma
nova colocação, tendo claramente o fim de indenizar o empregado.
Verifica-se portanto, que
as parcelas que serão consideradas no salário de contribuição, são aquelas de
natureza remuneratória, ou seja, as parcelas que estão estritamente ligadas à retribuição
pelo trabalho prestado.
A discussão que a
Secretaria da Receita Federal do Brasil levanta com o Decreto nº 6.727/2009 não
é nova, mas todos os tribunais federais pátrios já se manifestaram sobre a
impossibilidade da inclusão no salário de contribuição de parcelas de natureza
indenizatória como o aviso prévio indenizado4. Portanto, entendemos que a
simples revogação do Decreto nº 3048/99 não terá o condão de alterar a lógica
tributária que envolve a fixação da base de cálculo da contribuição
previdenciária.
Diante deste cenário e do
entendimento da Receita Federal do Brasil, entendemos que os contribuintes que
quiserem se resguardar da cobrança devem recorrer ao Poder Judiciário.
________________________
¹ Art. 1º Ficam revogados
a alínea "f" do inciso V do § 9º do art.
214, o art.
291 e o inciso V do art.
292 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto
nº 3.048, de 6 de maio de 1999.
² DELGADO, Maurício
Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 05ª ed., São Paulo: LTr, 2006, p.
1171-1172
³ Art. 28. Entende-se por
salário-de-contribuição:
I - para o empregado e
trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim
entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer
título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a
sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades
e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços
efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador
de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo
coletivo de trabalho ou sentença normativa; (Redação dada
pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)
4 AC 1998.35.00.007225-1/GO, Rel. Juiz Federal
Mark Yshida Brandao (conv), Oitava Turma, TRF 1ª Região, ,e-DJF1 p.547 de
20/06/2008; AC 9502235622/RJ, Desemb. Federal Paulo Barata, Terceira Turma
Especializada, TRF 2ª Região, DJU
08/04/2008, p. 128; AC 200061150017559/SP, Juiz Henrique Herkenhoff, Segunda
Turma,TRF 3ª Região, DJF 19/06/2008; REsp
973.436/SC, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2007, DJ 25/02/2008 p. 290; REsp 3.794/PE,
Rel. Ministro GERALDO SOBRAL, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 31/10/1990, DJ 03/12/1990 p. 14305.
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