Silvia Ferreira Persechini
Advogada,
especialista em Direito de Empresas pela PUC/MG e mestranda em Direito de
Empresa na Faculdade de Direito Milton Campos.
*publicado originalmente no
Boletim Jurídico N.º 10, em 19/12/2008
O rompimento do vínculo
societário ocorre quando da resilição do contrato social, situação essa que a
doutrina e a jurisprudência nomeiam de dissolução parcial da sociedade.
O Código Civil de 2002
prevê duas modalidades de resilição do contrato social: (i) expulsão (exclusão)
do cotista e (ii) retirada do cotista.
De acordo com o referido
ordenamento jurídico, a exclusão do cotista poderá ocorrer nas situações:
- de sócio remisso, ou seja, aquele que não cumpriu com as contribuições estabelecidas pelo contrato social – art. 1004, do CC/2002¹;
- previstas no art. 1030, do CC/2002: “Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente. Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026.”;- em que um sócio tenha praticado ato grave, pondo em risco a atividade da sociedade – art. 1085, do CC/2002².
Em todas essas hipóteses,
a exclusão (expulsão) do sócio/cotista dar-se-á mediante a iniciativa
unilateral da maioria dos sócios, já que não haverá a manifestação da vontade
do sócio excluído (expulso).
Por sua vez, no que tange
ao segundo caso de resilição do contrato social – retirada do cotista – o
Código Civil de 2002 prevê as seguintes situações:
· no caso de
sociedade por prazo indeterminado – qualquer sócio poderá se retirar da
sociedade, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de
60 (sessenta) dias – art. 1029, do CC/2002³;
· no caso de
sociedade por prazo determinado – qualquer sócio poderá se retirar da
sociedade, desde que comprove justa causa mediante ação judicial – art. 1029,
do CC/20024;
· no caso de alteração
substanciosa no contrato social, como fusão e/ou incorporação da sociedade –
art. 1077, do CC/2002.
Registre-se que o direito
do sócio retirante decorre de um ato unilateral, porque não haverá a
concorrência com a manifestação dos demais sócios.
Com efeito, essas duas
modalidades de resilição do contrato social – exclusão e retirada - acarretam
uma alteração contratual, sendo certo que, para gerar efeitos perante
terceiros, essa e qualquer outra alteração do contrato social deverá ser
arquivada no registro público competente.
Por outro lado,
especialmente no que tange ao exercício do direito de retirada, há divergências
sobre o momento do rompimento do vínculo societário entre (i) o sócio que se
retira e (ii) a sociedade limitada e os demais sócios. Quando esse rompimento
poderá gerar efeitos perante a sociedade e os demais sócios?
Sobre esse questionamento,
há diferentes correntes doutrinárias.
De acordo com Modesto
Carvalhosa, “A resilição unilateral representada pela retirada [...] produz
efeito para o futuro, não extinguindo a relação jurídica negocial desde o
momento do seu exercício. Isso porque apenas com o pagamento e quitação dos
haveres do (acionista) retirante é que ocorre a extinção. Enquanto tal não
ocorrer, a relação jurídica mantém-se íntegra para todos os efeitos,
notadamente para o pleno exercício dos direitos patrimoniais e políticos do
(acionista juntos à companhia)”5.
Em outras palavras,
conforme o entendimento registrado acima, o sócio retirante, ainda que tenha
notificado os demais sócios sobre sua decisão, permanecerá com esse status de
sócio, perante a sociedade e os demais cotistas, até que finalizada a fase de
apuração de haveres.
Do contrário, Egberto
Lacerta Teixeira entende que “Tão somente com a comunicação à sociedade o sócio
perde essa qualidade, tornando-se credor da sociedade pelo valor do reembolso”6.
Em crítica a esse segundo
entendimento, há quem entenda que o sócio retirante ou dissidente é sócio, e
não mero credor. Assim, mesmo que tenha a seu favor sentença judicial
autorizando a sua retirada da sociedade da qual faz parte, a condição de sócio
somente se perde no momento em que receber os seus haveres.
Já para o Professor Osmar
Brina, “[...] a retirada é um direito subjetivo (facultas agendi) do cotista.
Trata-se de um direito potestativo. A eficácia do exercício desse direito
independe da vontade dos demais sócios. Por isso mesmo, pode-se pensar em fazer
concessão às manifestações no sentido de que o cotista que se retira deixa de
ser sócio no momento mesmo em que exerce o direito de retirada, tornando-se
mero credor da sociedade limitada”7.
Nesse mesmo sentido, Fábio
Ulhoa Coelho expõe: “Pois bem, enquanto transcorre a ação de dissolução, qual é
a condição do sócio em recesso? Tem ele ainda os direitos inerentes à titularidade
da quota (participação nos lucros, fiscalização da gerência, discussão dos
assuntos sociais), ou não mais? A lei é omissa. Pelos princípios gerais do
direito dos contratos, a resposta pertinente indica que a exteriorização da
vontade do sócio, no sentido de retirar-se da sociedade, é já suficiente para
operar seu desligamento, porque não está o ato sujeito a qualquer outra
condição. A definição do montante a ser reembolsado é decorrência do fim do
vínculo contratual e, portanto, o pressupõe. Assim, no momento em que a
sociedade recebe a declaração escrita do sócio de que está exercendo o seu
direito de recesso, desfazem-se os vínculos societários que o envolviam”8.
Considerando que a
resilição do contrato social, mediante a retirada do sócio, trata-se de uma
declaração unilateral do sócio retirante, ou seja, não haverá qualquer
manifestação dos demais sócios, entendemos que o posicionamento do professor
Osmar Brina e de Fábio Ulhoa Coelho é o correto.
Em outras palavras, o
sócio retirante deixará de ter essa qualidade, perante a sociedade e os demais
sócios, apenas com a sua comunicação do exercício do direito de retirada.
No entanto, outros
elementos devem ser considerados. Nos termos do art. 1029, do CC/2002, o sócio
- de sociedade por prazo indeterminado que queira exercer o seu direito de
retirada - deverá notificar os demais sócios, com antecedência mínima de 60
(sessenta) dias, sendo que, de acordo com o parágrafo único desse dispositivo,
nos 30 (trinta) dias subseqüentes à notificação, os demais sócios poderão
decidir pela dissolução da sociedade.
Assim, nesse particular,
podemos dizer que o sócio retirante deixa de ter a qualidade de sócio quando
expirado o prazo dos 30 (dias) destacados no parágrafo único, do art. 1029, do
CC/2002, considerando, certamente, que os demais sócios não tenham optado pela
dissolução da sociedade.
Por sua vez, deve-se
acrescentar que, também nos termos do art. 1029, do CC/2002, se for sociedade
por prazo determinado, o sócio apenas poderá se retirar, por justa causa, a ser
comprovada em ação judicial. Diante disso, pode-se dizer que o sócio perderia
esse status somente quando do trânsito em julgado dessa ação.
________________________
¹ Art. 1004. Os sócios são
obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no
contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao
da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da
mora.
Parágrafo único.
Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização,
a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado,
aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1º do art. 1.031.
² Art. 1085. Ressalvado o
disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da
metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a
continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá
excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que
prevista neste a exclusão por justa causa.
Parágrafo único. A
exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente
convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu
comparecimento e o exercício do direito de defesa.
³ Art. 1029. Além dos
casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da
sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios,
com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando
judicialmente justa causa.
Parágrafo único. Nos
trinta dias subseqüentes à notificação, podem os demais sócios optar pela
dissolução da sociedade.
4 Art. 1077. Quando houver
modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por
outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos
trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato
social antes vigente, o disposto no art. 1.031.
5 CARVALHOSA, Modesto. O
dissidente é sócio e não mero credor. RT, 528/79.
6 LACERTA TEIXEIRA,
Egberto. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. São Paulo, Max
Limonad, 1956, p. 217.
7 LIMA, Osmar Brina Corrêa.
Sociedade Limitada. Rio de Janeiro: Forense. 2006.
8 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso
de Direito Comercial. 5 ed. vol. 2. São Paulo: Saraiva. 2002.
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