Stanley Martins
Frasão
Advogado, sócio de
Homero Costa Advogados, Mestre em Direito Empresarial
*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 11, em 19/01/2009
Interessará, pois, o
estudo da responsabilidade civil do administrador na sociedade limitada, e, em
particular, do ilícito civil do qual emergirá para o agente a obrigação de
reparar o dano, material ou moral¹, em favor da vítima, ou sujeito passivo, que
poderá ser na espécie a sociedade limitada propriamente dita, os demais sócios,
ou terceiros.
Informou o professor OSMAR
BRINA CORRÊA-LIMA (Responsabilidade Civil
dos Administradores de Sociedade Anônima, 1989, p. 101-102), com
base em pesquisas solicitadas aos Tribunais de Justiça do país que: “... a
justiça brasileira tem sido pouco provocada em matéria de responsabilidade de
administradores de sociedades comerciais em geral. Várias suposições têm sido
formuladas para explicar esse fenômeno: carestia das custas processuais e dos
honorários de advogados; morosidade da justiça; falta de treino dos magistrados
para lidar com problemas financeiros complexos, o que reduziria a expectativa
de decisões justas; relutância em litigar, não inteiramente explicitada por
todos os fatores acima; desconfiança de que mesmo as decisões justas venham a ser executadas.”
E continua: “... por essas e outras razões, no Brasil, a
contribuição do poder judiciário, nesta área, tem sido, quantitativamente,
pequena. É claro que essa limitação quantitativa influi na própria qualidade
das decisões. Quanto maior o número de casos num determinado setor do Direito,
maiores serão os questionamentos, as pesquisas, os estudos, as reflexões e os
insights”².
Segundo regra geral de
direito das obrigações, a responsabilidade do administrador-sócio e do
administrador não-sócio da sociedade limitada poderá ser contratual ou
extracontratual - a chamada responsabilidade aquiliana, resultante de atos
ilícitos.
O administrador responderá
com seus bens para a reparação do dano causado (artigo 942), não podendo ser
olvidado que o direito de exigir a reparação do dano, e a correlata obrigação
de prestá-la, transmitem-se com a herança (artigo 943), em favor dos sucessores
da vítima e contra os sucessores do agente.
Os atos que o
administrador praticar em violação da lei ou do contrato social, com dolo ou
culpa, e que venham a causar prejuízos à sociedade limitada, tornarão
civilmente responsável o administrador faltoso, mesmo que os atos tenham sido
praticados no âmbito das atribuições e poderes do administrador agente do ato
ilícito³.
Impõe-se, pois, o estudo
da responsabilidade civil do administrador, nas relações entre os sócios e a
sociedade, interna corporis, e, externa corporis, no que se refere às relações
do administrador com terceiros.
O administrador obriga-se
perante a sociedade por responsabilidade civil de natureza contratual. Por
isso, seus atos de gestão, quando ilícitos, dizem respeito à relação de ordem
contratual que liga o administrador à sociedade. O contrato social é, pois, o
instrumento legal ao qual deve o administrador se submeter. O contrato social
não pode ser infringido pelo administrador, sob pena de ser responsabilizado
civilmente por seus atos, e de responder com seu patrimônio pessoal. É o que
poderá ocorrer sempre que o administrador extrapolar os poderes de gestão
conferidos no contrato social da sociedade limitada.
Mas a responsabilidade do
administrador perante a sociedade não é somente contratual. De fato, poder-se-á
também configurar a chamada responsabilidade aquiliana, ou extracontratual,
porque poderá ter origem em violação da lei, configurando-se a prática de ato
ilícito. Se infringir a lei, deverá o administrador responder civilmente também
por seu ato, porque terá violado o dever de obediência.
Os atos praticados pelo
administrador, por ação ou omissão, com culpa ou dolo, e que causarem prejuízos
à sociedade, ainda quando praticados dentro das atribuições ou poderes, ou com
violação da lei ou do contrato social, tornarão civilmente responsável o
administrador faltoso por violação do dever de diligência e do dever de
lealdade.
O administrador da
limitada tem os mesmos deveres dos administradores da anônima: diligência e
lealdade. Se descumprir seus deveres, e a sociedade, em razão disso, sofrer
prejuízo, ele será responsável pelo ressarcimento dos danos.4 O administrador
é, pois, civilmente responsável, ilimitada e solidariamente, perante a
sociedade, e em conjunto com a sociedade perante terceiros, se praticar os
denominados atos “ultra vires”.
Do ponto de vista
material, configura-se a responsabilidade civil de natureza contratual do
administrador faltoso perante os demais sócios e, também, perante a sociedade,
se o administrador praticar os denominados atos “ultra vires”, justamente
porque esses atos constituem, em essência, de princípio, e sempre, a violação
do contrato social.
Nesse sentido, aliás,
qualquer ilícito societário, contratual ou extracontratual, do administrador
faltoso, constitui, do ponto de vista formal, um ilícito contra o contrato
social, e enseja, pois, a reparação do dano.
Em rigor de definição,
pode-se indicar do ponto de vista material, que, por hipótese, o administrador
faltoso vá além, e some ao ato de excesso de poderes, com violação do contrato
social, também um ato ilícito delituoso, com violação da lei penal, e deva
responder, ainda, pela responsabilidade civil decorrente da responsabilidade
penal. Ter-se-ia, nesta hipótese, em sentido material, a responsabilidade civil
do administrador faltoso por ilícito societário extracontratual, de natureza
aquiliana.
No que diz respeito à
responsabilidade do administrador perante terceiros, a responsabilidade civil
será contratual, quando resultar de ato ilícito cometido no âmbito de relação
contratual ou aquiliana, quando resultar de ato ilícito extracontratual.
Na hipótese da
responsabilidade do administrador ter origem em ato ilícito, praticado mediante
culpa no desempenho de suas funções, embora nos limites dos poderes e
atribuições sociais, o administrador culpado responderá solidariamente perante
a sociedade e perante terceiros prejudicados (artigo 1.016).
No caso de ser a sociedade
limitada submetida ao regime supletivo externo, regência supletiva pela Lei das
S/A, os administradores serão solidariamente responsáveis pelos prejuízos
causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para
assegurar o funcionamento normal da sociedade (parágrafo 2º , artigo 158, da Lei 6.404, de 1976).
A Responsabilidade Civil
da Sociedade Perante Terceiros em Razão de Atos Praticados pelo Administrador:
A Adoção do Sistema Estatutário no Direito Societário Brasileiro
É claro que a Sociedade
poderá a vir a ser responsabilizada perante terceiros, em razão de atos
praticados pelo administrador, sejam eles lícitos ou não.
Cuida-se, aqui, da
distinção dos denominados sistemas legal, o primeiro, inoponível a terceiros, e
estatutário, o segundo, que é oponível a terceiros, citados por CARLOS
FULGÊNCIO CUNHA PEIXOTO (A Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada,
1958, p. 306) que bem ilustra a questão: “(...) os deveres dos gerentes são
derivados da circunstância em que não podem sofrer influências do contrato social,
no tocante aos interesses de terceiros. No segundo, essas atribuições são de
natureza convencional e nos estatutos sociais, portanto, é que são previstas e especificadas“5 .
A sociedade limitada será
sempre responsável perante terceiros quando o administrador praticar seus atos
nos limites de seus poderes definidos no contrato social6, excluindo-se, neste
caso, a responsabilidade deste se tiver agido sem culpa. Se houver culpa, a
responsabilidade será solidária7 .
Na hipótese de o
administrador não ser sócio, responderá, também, solidariamente, ainda que não
se configure ter agido com excesso dos poderes que lhe foram conferidos no
contrato social, porque são responsáveis pela reparação civil o empregador ou
comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho
que lhes competir, ou em razão dele (Arts. 932, III, 933 e parágrafo único do
942).
Nos termos do parágrafo
único do artigo 1.015 do Código Civil, existindo prática de atos com excesso de
poderes pelo administrador da sociedade limitada, esta poderá fazer a oposição
a terceiros, como forma de se isentar da responsabilidade, na ocorrência pelo
menos de uma das seguintes hipóteses: (i) se a limitação de poderes estiver
inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; (ii) provando-se que a
limitação de poderes era conhecida do terceiro; ou (iii) quando se tratar de
operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.
Diante da permissão de
tais oposições, vale lembrar que CARLOS FULGÊNCIO DA CUNHA PEIXOTO8, JOÃO
EUNÁPIO BORGES9, NELSON ABRÃO10 e RUBENS REQUIÃO11 filiaram-se ao sistema
legal, enquanto EGBERTO LACERDA TEIXEIRA12 adotou o sistema estatutário.
Assim, passa a ter força o
sistema estatutário, tendo o legislador adotado a lição de Waldemar Ferreira,
no sentido de que caberá ao terceiro perscrutar quais os atos o administrador
tem poderes para praticar, com respeito à publicidade que é portador o contrato
arquivado no Registro do Comércio13 .
Os Deveres de Diligência,
de Obediência, e de Lealdade do Administrador da Sociedade Limitada. O
administrador da sociedade limitada deverá ter, no exercício de suas
funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e
probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios (art. 1.011).
Essa norma, já prevista no artigo 153 da Lei de Sociedades Anônimas, era
empregada na sociedade por quotas de responsabilidade limitada, por força do
art. 18 do Decreto 3.708, de 1919. No advento do Código Civil de 2002, com
reordenamento do direito societário brasileiro, e a nova lei de regência da
sociedade limitada, a regra do artigo 1.011 (Código Civil) e do artigo 153 (Lei
das Sociedades Anônimas) tem aplicação ao regime jurídico próprio da sociedade
limitada, seja por força do regime supletivo interno, seja em virtude do regime
supletivo externo.
Exige-se do administrador,
além do cuidado, a diligência necessária no exercício de suas funções perante a
administração da sociedade e obediência estatutária e legal. Deve, assim, agir
com obediência ao contrato social, principalmente com respeito aos limites de
seus poderes, e às leis, sob pena de responder judicialmente pelos danos a que
der causa, perante a sociedade, os sócios e terceiros.
As disposições dos artigos
1.052 a 1.087 do Código Civil, as quais tratam sobre a sociedade limitada, são
omissas no que tange aos atos que podem ser praticados pelo administrador.
A declinação dos poderes
do administrador certamente será encontrada no contrato social (art. 997, VI).
Mas se este for omisso14, conforme estabelece o artigo 1.015, do Código Civil,
os administradores poderão praticar todos os atos pertinentes à gestão da
sociedade. As omissões são propositais, acreditamos, quanto aos atos que podem
ser praticados pelo administrador, na medida em que o legislador ofereceu a
opção pelo regime supletivo interno, estabelecido no Código Civil de 2002, ou
pelo regime supletivo externo, estabelecido na Lei das Sociedades Anônimas,
segundo melhor convenha a escolha por esse ou aquele regime supletivo para as
características da empresa sobre a qual constituir-se-á a sociedade limitada.
Deve ser lembrado que o
terceiro de boa-fé, com entendimento mediano de negócios, pode e deve discernir
um ato regular de administração de um ato estranho aos negócios da sociedade,
praticado com excesso de poderes. No exame de um fato concreto deverá ser
levada em consideração a Teoria da Aparência, com exame do comportamento
adotado, afinal, a aparência, nos negócios de boa-fé, “é uma das formas de
proteção da confiança, asseguradas pela ordem jurídica”15.
A considerar que o
registro do contrato social no Registro do Comércio confere oposição erga omnes
àquele ato societário, torna-se prudente a exigência para o terceiro de boa-fé
tomar conhecimento do mesmo previamente à realização do negócio com a
sociedade, para averiguar se o administrador estaria praticando algum ato em
nome da sociedade, com excesso de poderes.
A Lei das Sociedades
Anônimas, em seu artigo 154, prevê o dever do administrador de exercer as
atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no
interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função
social da empresa. Prescreve no parágrafo 2º do mesmo artigo que é vedado ao
administrador: (i) praticar ato de liberdade à custa da companhia; (ii) sem
prévia autorização da assembléia geral ou do conselho de administração, tomar
por empréstimo recursos ou bens da companhia, ou usar, em proveito próprio, de
sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou
crédito; (iii) receber de terceiros sem autorização estatutária ou da
assembléia geral, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta,
em razão do exercício de seu cargo.
Não obstante, o dever de
lealdade também é exigido do administrador. O artigo 155 da Lei das Sociedades
Anônimas dispõe que o administrador deve servir com lealdade à companhia e
manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado: (i) usar, em benefício
próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades
comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo; (ii)
omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à
obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar
oportunidades de negócio de interesse da companhia; e (iii) adquirir, para
revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta
tencione adquirir.
Essas disposições de lei
geram a conclusão de que o administrador da sociedade limitada, pessoa natural,
deve reunir os atributos de ser diligente, obediente e leal, estando submetido
aos mesmos deveres do administrador da sociedade anônima.
________________________
¹ O Código Civil põe fim à
discussão se a pessoa jurídica pode ou não ser indenizada por dano moral, ao prescrever em seu art. 52 que “aplica-se
às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.
² CORRÊA-LIMA, Osmar
Brina. Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedade Anônima. Rio de
Janeiro: Aide, 1989. p. 101-102.
³ Art. 1.016 e art. 158 da
Lei 6.404, de 1976.
4 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito
Comercial. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, vol. II. p. 441.
5 PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A
Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada. 2 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1958, vol. 1, n. 334. p. 306.
6 Art. 47. Obrigam a
pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus
poderes definidos no ato constitutivo.
7 Art. 1.016
8 PEIXOTO, Carlos
Fulgêncio da Cunha. A Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada. 2 ed.
Rio de Janeiro: Forense,1958, v. I, n. 350. p. 323.
9 BORGES, João Eunápio. Curso de Direito
Comercial Terrestre. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971, n. 375 e 338, p. 364
e 395.
10 ABRÃO, Nelson. Sociedades
por Quotas de Responsabilidade Limitada. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, n. 65, p. 130.
11 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial.
11 ed. São Paulo: Saraiva, 1981, v. I, n. 252. p. 306.
12 TEIXEIRA, Egberto Lacerda. Das sociedades
por Quotas de Responsabilidade Limitada. São Paulo: Max Limond, 1956, n. 54. p.
115.
13 FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito
Comercial. São Paulo: Saraiva, 1961,
vol. III, n. 540. p. 428 - 433.
14 Art. 1.053.
15 BORGHI, Hélio. Teoria da Aparência no Direito
Brasileiro. São Paulo: Lejus, 1999. p.17.
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