Ricardo Victor
Gazzi Salum
Advogado,
especialista em Direito de Empresas pelo IEC – Instituto de Educação Continuada
- da PUC/MG
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 16 em 17/07/2009
Os tribunais pátrios muito
discutiram sobre a possibilidade de aplicação de multa cominatória em ações
cautelares de exibição de documentos. Em março do corrente ano, foi aprovada
pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça a súmula nº 372, cujo teor
dispõe que:
Não obstante a súmula
tenha consolidado posicionamento que já vinha sendo firmado pelo Superior
Tribunal de Justiça, faz-se necessário entender seus fundamentos e,
principalmente, suas repercussões processuais.
A discussão jurídica teve
início na aplicabilidade ou não dos artigos 461, §4º e 359, ambos do CPC, nas
ações de exibição de documentos.
Veja-se o que dispõe o
art. 461 do CPC:
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.(...)§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.§ 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.
Em linhas gerais, pode-se
dizer que o que se busca com ação de obrigação de fazer (ou não fazer) é a
tutela específica apresentada na petição inicial, assegurando o resultado
prático da procedência da pretensão. A fim de certificar a efetividade da
condenação, foi viabilizada, na sistemática processual civil, a imposição de
multa diária, preconizada pelo parágrafo quarto do dispositivo legal.
O art. 359 do CPC, de
outro lado, dispõe:
Art. 359. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar: I - se o requerido não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração no prazo do art. 357; II - se a recusa for havida por ilegítima.
Este dispositivo está
situado na Seção IV (Da exibição de documento ou coisa), inserida no capítulo
VI (Das provas), do Título VIII (Do Procedimento Ordinário), do Código de
Processo Civil.
A situação prevista pelo
art. 359 do CPC ocorre no curso de uma demanda ordinária, na qual a parte visa
à discussão de seu direito. Em outras palavras, a exibição de documentos, nesta
hipótese, constitui simples instrução probatória do processo.
Se não apresentado o
documento ou coisa, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que a parte
pretendia com eles provar, o que pode conduzir inclusive à procedência dos
pedidos formulados na demanda.
Nas ações cautelares de
exibição de documentos, disciplinadas nos artigos 844 e 845, do CPC, a
pretensão do demandante consubstancia-se no acesso a documentos ou coisas que
se encontram em poder de terceiro. O objeto da lide se limita a esta questão.
A aplicação do citado art.
461, § 4º, do CPC, nas ações de exibição de documentos foi afastada ao
argumento de que a multa cominatória serve para tornar efetiva a sentença nas
ações de obrigação de fazer ou não fazer. Nas palavras do i. Ministro Carlos
Alberto Menezes Direito¹, “a multa cominatória é própria para garantir o
processo por meio da qual a parte pretende a execução de uma obrigação de fazer
ou não fazer (Resp nº 148.229/RS, da minha relatoria, DJ de 13/10/98)”.
Tendo como precedente o
julgado cujo trecho foi transcrito acima, bem como nos acórdãos dos autos nº
204807 (Resp – SP), nº 633053 (Resp – MG), nº 828342 (AgRg – GO) e nº 981706
(Resp – SP), foi editada e aprovada a mencionada súmula 372/STJ, consolidando a
impossibilidade da aplicação de multa cominatória nas ações de exibição de
documentos.
Diante da impossibilidade
de aplicação do art. 461, do CPC, cogitou-se a aplicação do disposto pelo art.
359 do mesmo diploma.
Contudo, como já salientado
acima, a pretensão do demandante nas ações cautelares de exibição não se traduz
necessariamente como pleito de constituição de direito, mas sim de ver exibidos
documentos ou coisas que se encontram em poder de terceiros.
Nesta esteira, considerando
que nas ações cautelares de exibição de documentos não há postulação de um
direito em si, mas a simples pretensão de vê-los exibidos, não há que se falar
em presunção de veracidade dos fatos que, por meio do documento ou da coisa, a
parte pretendia provar. O objeto destas ações não é a prova, mas o conhecimento
do documento ou coisa!
Diante de tais
considerações, pondera o STJ que a melhor solução para tais casos, e entenda-se
solução como forma de efetividade da decisão, é a determinação de busca e apreensão
do documento ou coisa.
Isso porque, se não há (i)
como aplicar a multa cominatória (súmula 362/STJ) e (ii) como fazer presunção
de fatos que se pretende provar, a determinação de busca e apreensão afigura-se
como medida apta a dar efetividade à prestação jurisdicional na ação cautelar
de exibição de documento ou coisa.
Questão interessante surge
no caso de inexistência ou extravio do documento ou coisa. Nesta hipótese, a
determinação de busca e apreensão seria inócua.
Nesse caso, de um lado se
vê a (i) impossibilidade de aplicação da regra dos arts. 359 e 461 do CPC e, de
outro, a (ii) inviabilidade ou ineficácia de expedição de um mandado de busca e
apreensão de um documento ou coisa extraviado ou perdido, por exemplo.
Em hipóteses como essa, os
tribunais vêm entendendo que a parte requerente da ação de exibição de
documentos deve propor a ação própria para discussão de seu eventual direito.
No curso deste processo, o Juízo poderá avaliar a aplicação da regra do art.
359 do CPC, admitindo como verdadeiros os fatos alegados e que seriam
comprovados pelo documento ou coisa não exibidos pela parte demandada.
____________________
¹ Recurso Especial
nº 433.711 – MS (2002/0052304-8)
² PROCESSUAL CIVIL.
CAUTELAR. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. EXTRAVIO DE DOCUMENTO. NÃO FIXAÇÃO DE MULTA.
HONORÁRIOS. 1. Não obstante a expressa remissão legal do art.
845 do CPC, a doutrina e a jurisprudência divergem no que tange à
incidência da presunção de veracidade (art. 359, CPC) ao procedimento cautelar.
2. Com efeito, a natureza do pedido cautelar, onde se postula a exibição do
documento ou da coisa, não implica a veracidade do fato, desvinculado de uma
pretensão própria. Nesse sentido. "No processo cautelar, o desatendimento
da determinação de que se exiba documento ou coisa não acarreta a conseqüência
prevista no artigo
359 do Código de Processo Civil" (STJ, RESP nº 204807/SP, Rel. Min.
Eduardo Ribeiro. DJ de 06/06/2000). 3. Ocorre que, em certas hipóteses, esta
solução não é suficiente. A busca e apreensão pelo não atendimento da ordem
pode restar frustrada em caso de perda ou extravio do documento. Na hipótese, a
situação criada permanecerá desamparada da tutela judicial. Ou seja. existirá a
ordem para exibição de documento, mas tendo em vista a impossibilidade
material, inviável será a busca e apreensão, bem como a cominação de multa. 4.
Tal particularidade impede a adoção de qualquer medida tendente ao cumprimento
da obrigação de fazer (busca e apreensão ou multa). Neste passo, a única solução
plausível para atender os interesses da requerente é admitir a presunção de
veracidade dos fatos. 5. Todavia, esse reconhecimento não é passível na via
cautelar, por extravasar seus limites. Nesse contexto, cabe à requerente,
mediante ação própria, buscar a comprovação dos fatos decorrentes da não
apresentação do documento, restando a cargo daquele Juízo o reconhecimento ou
não da presunção de veracidade. 6. Em relação aos honorários advocatícios, na
esteira da jurisprudência desta Corte, devem eles ser fixados em torno de um
salário-mínimo, atualmente R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais). (TRF 4ª R.;
AC 2002.70.00.076417-5; PR; Turma Suplementar; Relª Juíza Fed. Maria Isabel
Pezzi Klein; Julg. 20/02/2008; DEJF 30/05/2008; Pág. 430)
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