Ricardo Victor
Gazzi Salum
Advogado,
especialista em Direito de Empresas pelo IEC – Instituto de Educação Continuada
- da PUC/MG
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 12, em 16/02/2009
O art. 5º, inciso LXXIV,
da Constituição Federal de 1988, prescreve que “o Estado prestará assistência
jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
A matéria também está
regulada pela Lei nº 1.060/50, a qual, no art. 4º, preceitua que “a parte
gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na
própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do
processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”.
A leitura do dispositivo
acima transcrito deixa clara sua referência às pessoas naturais que, em
princípio, poderiam apenas declarar sua hipossuficiência para fazer jus ao
benefício.
Parte dos julgadores
entendam que, após a promulgação do texto constitucional de 1988, também as
pessoas naturais deveriam comprovar a insuficiência de recursos.
Todavia, o entendimento
majoritário se firmou no sentido de que o art. 4º, da Lei nº 1.060/50, teria
sido amplamente recepcionado pela Constituição Federal, pelo que às pessoas
naturais bastaria a simples afirmação para que lhes seja concedida a
assistência judiciária.
Quanto às pessoas
jurídicas, entretanto, faz-se mister a devida comprovação da hipossuficiência
financeira, o que deve ser feito com a apresentação, por exemplo, das
declarações de imposto de renda dos últimos exercícios, livros contábeis,
balanço aprovado pelos sócios, certidões fiscais e de protesto, extratos
bancários atualizados, entre outros.
Assim, embora sempre
existam entendimentos jurisprudenciais isolados, pode-se afirmar que, em
princípio, bastaria às pessoas naturais a declaração de hipossuficiência, a
qual, de outro lado, deveria ser comprovada pelas pessoas jurídicas.
Há, no entanto, uma
situação peculiar. Como devem ser tratadas as pessoas jurídicas sem fins
lucrativos?
O entendimento
jurisprudencial é bastante dividido. Há julgados no sentido de que as pessoas
jurídicas sem fins lucrativos deveriam, como as demais pessoas jurídicas,
comprovar a situação financeira precária para gozar da assistência judiciária
gratuita.
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. IMPRESCINDIBILIDADE DA COMPROVAÇÃO DA SITUAÇÃO DE NECESSIDADE, AINDA QUE SE TRATE DE ENTIDADES SEM FINS LUCRATIVOS, BENEFICENTES OU FILANTRÓPICAS. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (STJ - AgRg no Ag 1018556 / SP AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2008/0038925-3 - Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI - PRIMEIRA TURMA – j. 19/08/2008 - DJe 28/08/2008)PROCESSUAL CIVIL. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDADO EM CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO Nº 7 DESTE TRIBUNAL.1. Tratam os autos de ação ordinária ajuizada por ASSOCIAÇÃO HOSPITAL DE CARIDADE DE ERVAL SECO objetivando o reconhecimento de seu direito de não recolher as contribuições sociais arrecadadas pelo INSS em face da imunidade prevista no art. 195, § 7º da CF. Em decisão, o Juízo monocrático indeferiu o pedido de assistência jurídica gratuita pleiteado, determinando o recolhimento das custas, sob pena de cancelamento da distribuição, ao argumento de que a pessoa jurídica não se enquadra na permissibilidade do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 1.060/50, além de que: "não comprovou a parte autora, por outro lado, "insuficiência de recursos", de modo que não parece incidir, no presente feito, a regra da isenção prevista no art. 4º, II, da Lei nº 9.289/96". (fl. 87). Desta decisão foi interposto agravo retido. A ação, em primeiro grau, foi extinta, sem julgamento de mérito, ante a falta de interesse de agir sendo imputado à ora recorrente o pagamento dos ônus sucumbenciais. O TRF da 4ª Região negou provimento ao agravo retido por reconhecer a impossibilidade de concessão da assistência jurídica gratuita haja vista não haver sido comprovada de forma inequívoca a debilidade econômica da autora. Em sede de recurso especial, a recorrente alega, além de divergência jurisprudencial, negativa de vigência aos artigos 4º, da Lei nº 1.060/50, 4º da Lei nº 9.289/96 e 535, I e II, do CPC. 2. O julgador não está obrigado a enfrentar todas as teses jurídicas deduzidas pelas partes, sendo suficiente que preste fundamentadamente a tutela jurisdicional. In casu, não obstante em sentido contrário ao pretendido pela recorrente, constata-se que a lide foi regularmente apreciada pela Corte de origem, o que afasta a alegada violação da norma inserta no art. 535, do CPC.3. Esta Corte, por meio do seu mais alto Colegiado, quando do julgamento do EREsp nº 321997/MG, entendeu ser possível a concessão do benefício da justiça gratuita, instituído pela Lei nº 1.060/50, à pessoa jurídica quando exercerem atividades de fins tipicamente filantrópicos ou de caráter beneficente, desde que comprovada a sua impossibilidade financeira para arcar com as custas do processo.4. O aresto recorrido pautou as suas razões de decidir na apreciação do conteúdo probatório presente nos autos, vez que a conclusão pela incidência ou não do benefício da justiça gratuita decorreu, precisamente, dos elementos documentais apreciados em juízo. Súmula 07/STJ aplicável à espécie.5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido. (Processo REsp 713942 / RS RECURSO ESPECIAL 2005/0003143-0 Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO (1105) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 03/05/2005 Data da Publicação/Fonte DJ 13/06/2005 p. 200)PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTENCIA SOCIAL. JUSTIÇA GRATUITA. INDEFERIMENTO. DIREITO AO PRAZO PARA COMPROVAÇÃO DA ALEGADA HIPOSSUFICIÊNCIA. RECURSO PROVIDO. Para ter direito à Assistência Judiciária Gratuita, a entidade sem fins lucrativos deve comprovar não ter condições de suportar os encargos do processo. - Deve o julgador oportunizar a comprovação da alegada hipossuficência, à parte requerente do benefício. -recurso conhecido e provido. (TJMG; AG 1.0701.08.222752-4/0011; Uberaba; Décima Sétima Câmara Cível; Relª Desª Márcia de Paoli Balbino; Julg. 21/08/2008; DJEMG 16/09/2008) (Publicado no DVD Magister nº 23 - Repositório Autorizado do TST nº 31/2007)
Há julgados no sentido
contrário, segundo os quais as pessoas jurídicas sem fins lucrativos deveriam
ser equiparadas às pessoas naturais, fazendo jus ao benefício mediante simples
comprovação, com documentos, da sua condição de entidade beneficente.
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL – JUSTIÇA GRATUITA – CONCESSÃO DO BENEFÍCIO – PESSOA JURÍDICA – ALEGAÇÃO DE SITUAÇÃO ECONÔMICA-FINANCEIRA PRECÁRIA – NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO MEDIANTE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS – INVERSÃO DO ÔNUS PROBANDI – I- A teor da reiterada jurisprudência deste Tribunal, a pessoa jurídica também pode gozar das benesses alusivas à Assistência Judiciária Gratuita, Lei nº 1.060/50. Todavia, a concessão deste benefício impõe distinções entre as pessoas física e jurídica, quais sejam: A) para a pessoa física, basta o requerimento formulado junto à exordial, ocasião em que a negativa do benefício fica condicionada à comprovação da assertiva não corresponder à verdade, mediante provocação do réu. Nesta hipótese, o ônus é da parte contrária provar que a pessoa física não se encontra em estado de miserabilidade jurídica. Pode, também, o juiz, na qualidade de Presidente do processo, requerer maiores esclarecimentos ou até provas, antes da concessão, na hipótese de encontrar-se em "estado de perplexidade"; b) já a pessoa jurídica, requer uma bipartição, ou seja, se a mesma não objetivar o lucro (entidades filantrópicas, de assistência social, etc.), o procedimento se equipara ao da pessoa física, conforme anteriormente salientado. II- Com relação às pessoas jurídicas com fins lucrativos, a sistemática é diversa, pois o onus probandi é da autora. Em suma, admite-se a concessão da justiça gratuita às pessoas jurídicas, com fins lucrativos, desde que as mesmas comprovem, de modo satisfatório, a impossibilidade de arcarem com os encargos processuais, sem comprometer a existência da entidade. III- A comprovação da miserabilidade jurídica pode ser feita por documentos públicos ou particulares, desde que os mesmos retratem a precária saúde financeira da entidade, de maneira contextualizada. Exemplificativamente: A) declaração de imposto de renda; b) livros contábeis registrados na junta comercial; c) balanços aprovados pela Assembléia, ou subscritos pelos Diretores, etc. IV- No caso em particular, o recurso não merece acolhimento, pois o embargante requereu a concessão da justiça gratuita ancorada em meras ilações, sem apresentar qualquer prova de que encontra-se impossibilitado de arcar com os ônus processuais. V- Embargos de divergência rejeitados (STJ – ERESP 388045 – RS – C.Esp. – Rel. Min. Gilson Dipp – DJU 22.09.2003 – p. 00252, grifos nossos).APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. LEI N.º 1.060/50, ART. 5º, LXXIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ENTIDADE BENEFICENTE. O ART. 5º, LXXIV, DA CF, AO INSTITUIR O BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA INTEGRAL E GRATUITA, NÃO DISTINGUE O BENEFICIÁRIO, DE FORMA QUE A PESSOA JURÍDICA TEM DIREITO AO MESMO, DESDE QUE SATISFEITO O REQUISITO CONSTITUCIONAL DE PROVA DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. JÁ A LEI Nº 1.060/50 SÓ TEM APLICAÇÃO QUANDO O RECORRENTE É PESSOA NATURAL, CASO EM QUE SE ACEITA A SIMPLES AFIRMATIVA DESTE, NO SENTIDO DE SER LEGALMENTE POBRE. Independente de prova da hipossuficiência financeira, as entidades pias e associações sem fins lucrativos, assim devidamente constituídas, gozam da presunção de miserabilidade, porquanto, independente de serem pessoas jurídicas, fazem jus à assistência jurídica constitucionalmente prevista. (TJMG; AC 1.0145.05.227084-3/001; Juiz de Fora; Décima Sexta Câmara Cível; Rel. Des. Mauro Soares de Freitas; Julg. 06/12/2006; DJMG 16/01/2007) (Publicado no DVD Magister nº 19 - Repositório Autorizado do TST nº 31/2007)AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. ENTIDADE BENEFICENTE SEM FINS LUCRATIVOS. CONCESSÃO. VOTOS VENCIDOS. Às entidades beneficentes sem fins lucrativos, basta o requerimento da assistência judiciária formulado junto à petição inicial, pois a presunção é a de que não podem arcar com as custas processuais, seguindo o mesmo procedimento usado para as pessoas físicas. Recurso provido. (TJMG; AG 1.0024.06.092315-8/0011; Belo Horizonte; Décima Câmara Cível; Rel. Desig. Des. Marcos Lincoln; Julg. 29/07/2008; DJEMG 29/08/2008) (Publicado no DVD Magister nº 23 - Repositório Autorizado do TST nº 31/2007)PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. SANTA CASA DE MISERICÓRDIA. CERTIFICADO DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. PRESUNÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. DEFERIMENTO. Dispondo a pessoa jurídica de certificado emitido pelo poder público reconhecendo sua condição de entidade beneficente de assistência social, presume-se sua insuficiência de recursos para arcar com as despesas processuais, devendo ser-lhe deferido o benefício da assistência judiciária. (TJMG; AG 1.0024.06.226654-9/0011; Belo Horizonte; Décima Quinta Câmara Cível; Rel. Des. Mota e Silva; Julg. 19/06/2008; DJEMG 01/07/2008) (Publicado no DVD Magister nº 23 - Repositório Autorizado do TST nº 31/2007)ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. ENTIDADE BENEFICENTE SEM FINS LUCRATIVOS. CONCESSÃO. Tratando-se de entidade beneficente, sem fins lucrativos, que presta relevante serviço a sociedade na área educacional, deve-se deferir o amparo da assistência judiciária, porquanto se impõe ser esta merecedora do benefício legal. (TJMG; AG 1.0024.07.576824-2/0011; Belo Horizonte; Décima Sétima Câmara Cível; Rel. Des. Luciano Pinto; Julg. 27/09/2007; DJMG 17/10/2007) (Publicado no DVD Magister nº 20 - Repositório Autorizado do TST nº 31/2007)
A segunda corrente parece
tratar de maneira mais adequada o instituto. Ainda que não gozem de situação
financeira ruim, as entidades beneficentes, sem fins lucrativos, devem fazer
jus aos benefícios da assistência judiciária gratuita.
Isso porque, como destinam
os seus recursos à consecução da atividade fim – muitas vezes cumprindo função
do próprio Estado – as entidades beneficentes acabariam sendo prejudicadas na
sua função social, tendo que destinar verbas ao custeio de custas e despesas
processuais.
Infelizmente esse
entendimento ainda não está firmado em nossos tribunais, inclusive perante os
tribunais superiores, como atestam os julgados acima transcritos.
No entanto, como existem
precedentes favoráveis, espera-se que seja futuramente pacificada a questão,
reconhecendo-se às entidades beneficentes – que efetivamente comprovem tal condição
– o direito de litigar valendo-se da benesse da assistência judiciária
gratuita.
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