segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Repetição de Indébito – Simples ou em Dobro?

Bernardo José Drumond Gonçalves

Advogado de Homero Costa Advogados e especialista em Direito Processual

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 23 em 12/05/2010


Segundo o atual Código Civil, “todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir” (artigo 876).

Ou seja, na eventualidade de ser efetuado um pagamento indevido, quem tiver recebido fica obrigado a devolver a quantia, devidamente corrigida, sob pena de configurar enriquecimento sem causa (artigos 884 e 885, do Código Civil).

Trata-se da repetição do indébito (repetitio indebiti), usualmente aplicada nas relações jurídico tributárias e civis, seja decorrente de vínculos obrigacionais/contratuais ou não.

De acordo com CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA¹, refere-se “a uma obrigação que ao accipiens é imposta por lei, mas nem por isto menos obrigação, a qual se origina do recebimento do indébito, e que somente se extingue com a restituição do indevido”.

Adverte, ainda, que, de forma sui generis, origina-se “o vínculo obrigacional daquilo que, na normalidade, é causa extintiva da obrigação”, extinguindo-se com o retorno ao status quo ante, “seja por via de devolução do objeto, seja pelo desfazimento do ato prestado”.

A regra também é aplicável para os casos em que a dívida esteja vinculada a uma condição, que ainda não foi implementada. Em outras palavras, quando o vencimento for subordinado a um acontecimento pendente de realização.

Igualmente, o que receber a dívida, nessas circunstâncias, fica obrigado à restituição, de forma simples e não em dobro.

Os requisitos básicos para a ação de repetição (in rem verso), com amparo no Direito Alemão (BGB - Bürgerliches Gesetzbuch – Código Alemão de 1900), são (i) prestação indevida, (ii) natureza de pagamento ao ato e (iii) inexistência de dívida entre as partes.

O terceiro e fundamental pressuposto não pode ser ultrapassado, uma vez que, ao existirem dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis, opera-se a compensação, afastando-se o direito à repetição do indébito (artigos 368 e seguintes do Código Civil).

Por sua vez, em caso de cobrança judicial indevida, o Código Civil prevê:

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.
 
Art. 941. As penas previstas nos arts. 939 e 940 não se aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido. 

Nesse caso, a simples propositura da medida representa justificativa suficiente para amparar a procedência do pedido de repetição, em dobro, a ser formulada mediante reconvenção ou pedido contraposto, conforme o rito.

Ressalva-se, contudo, a ponderação da Súmula nº 159, do Supremo Tribunal Federal, que impede a aplicação dessa penalidade, se houver boa-fé do pretenso credor.

Também sobre a repetição de indébito, o Código de Defesa do Consumidor dispõe:

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qual tipo de constrangimento ou ameaça.
 
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. 

Nesse contexto, em se tratando de relação de consumo, prescinde de ser judicial a cobrança, para aplicação da repetição da quantia em dobro, em favor do consumidor.

A esse respeito, ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIM² destaca que, no Código de Defesa do Consumidor, “usa-se aqui o verbo cobrar, enquanto o Código Civil refere-se a demandar. Por conseguinte, a sanção, no caso da lei especial, aplica-se sempre que o fornecedor (direta ou indiretamente) cobrar e receber, extrajudicialmente, quantia indevida”.

Logo, outro pressuposto para a repetição do indébito em dobro na relação de consumo é, além da cobrança, o pagamento indevido, o que é dispensável segundo elenca o artigo 940 do Código Civil, pelo qual a simples propositura da demanda judicial é bastante para tanto.

Nesse sentido, a jurisprudência do Col. STJ:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. TARIFA DE ÁGUA E ESGOTO. ENQUADRAMENTO NO REGIME DE ECONOMIAS. CULPA DA CONCESSIONÁRIA. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. 1. O art. 42, parágrafo único, do CDC estabelece que "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável". 2. Interpretando o referido dispositivo legal, as Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte de Justiça firmaram orientação no sentido de que "o engano, na cobrança indevida, só é justificável quando não decorrer de dolo (má-fé) ou culpa na conduta do fornecedor do serviço" (REsp 1.079.064/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 20.4.2009). Ademais, "basta a culpa para a incidência de referido dispositivo, que só é afastado mediante a ocorrência de engano justificável por parte do fornecedor" (REsp 1.085.947/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 12.11.2008). Destarte, o engano somente é considerado justificável quando não decorrer de dolo ou culpa. 3. Na hipótese dos autos, conforme premissas fáticas formadas nas instâncias ordinárias, não é razoável falar em engano justificável. A cobrança indevida de tarifa de água e esgoto deu-se em virtude de culpa da concessionária, a qual incorreu em erro no cadastramento das unidades submetidas ao regime de economias. Assim, caracterizada a cobrança abusiva, é devida a repetição de indébito em dobro ao consumidor, nos termos do parágrafo único do art. 42 do CDC. 4. Recurso especial provido. (STJ 1ª Turma Min. Rel. Denise Arruda REsp 1084815/SP DJ 5.8.2009) (Grifou-se)

No que se refere à justificabilidade do engano, capaz de afastar a penalidade, compete ao fornecedor/cobrador desincumbir da produção dessa prova, cabendo ao consumidor apenas a prova da cobrança e do pagamento.

A título de exemplo de erro justificável, a doutrina2 cita a culpa exclusiva de terceiros, como a ação de um “vírus” no programa de computador ou mesmo uma falha no sistema, o que afastaria, excepcionalmente, sua responsabilidade objetiva para a reparação nessa ordem.

Por todo o exposto, conclui-se que há hipóteses diferentes de repetição de indébito, cabendo, para cada situação específica, um tipo de contra-prestação àquele que houver cobrado e/ou recebido quantia indevida, sendo possível a condenação na forma simples ou em dobro.

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¹ Instituições de Direito Civil. 21ª Ed. V. 1. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2008, p. 328/329.

²  GRINOVER, Ada Pellegrini [et al.]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 395/397

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