Ricardo Victor Gazzi Salum¹
Ana Abrahão
Leonardo Pereira²
¹Advogado,
especialista em Direito de Empresas pelo IEC – Instituto de Educação Continuada
- da PUC/MG
² Estagiária de
Direito
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 22 em 19/03/2010
A Constituição Federal, no
artigo 105, definiu a competência do Superior Tribunal de Justiça.
Uma das atribuições,
prevista no inciso III¹, consiste no julgamento de recursos especiais, quando o
julgado (i) contrariar tratado ou lei federal, (ii) julgar válida lei ou ato de
governo local contestado em face de lei federal ou (iii) der a lei federal interpretação
divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
O dispositivo condiciona o
cabimento do recurso especial, ainda, à necessidade de que o julgamento tenha
sido proferido em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais,
Estaduais ou do Distrito Federal e Territórios.
As causas sentenciadas
pelos Juizados Especiais Estaduais, nos termos da Lei nº 9.099/95, art. 41²,
estão sujeitas tão-somente a recursos dirigidos aos próprios Juizados, os quais
serão julgados “por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no
primeiro grau de jurisdição (...)”.
O Superior Tribunal de
Justiça firmou entendimento de que as decisões proferidas pelas chamadas Turmas
Recursais dos Juizados Especiais, por não terem sido proferidas por Tribunal
Regional Federal, Estadual ou do Distrito Federal e Territórios, não poderiam
ser atacadas por recurso especial, diante da mencionada previsão
constitucional.
Este entendimento resultou
na edição da Súmula 203, com a seguinte redação: “Não cabe Recurso Especial
contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos juizados especiais”.
Diante disso, muito se
discutiu sobre o citado posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, bem
como sobre qual seria o remédio processual cabível para atacar as decisões das
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais, quando violarem lei federal
ou lhe derem interpretação divergente da conferida pelos Tribunais Federais,
Estaduais ou Tribunais Superiores.
No âmbito dos Juizados
Especiais da Justiça Federal, a uniformização da interpretação da legislação
federal infraconstitucional foi preservada com a criação da Turma de
Uniformização. Previsão semelhante foi inserida, mais recentemente, pela Lei
12.153/09, que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública.
Porém, no âmbito dos
Juizados Especiais Estaduais ainda não há previsão legal neste sentido, apesar
de tramitar no Congresso Nacional o Projeto de Lei 16/2007, que dispõe sobre a
criação da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados
Especiais Estaduais.
Nesse contexto, surgiu o
debate sobre o cabimento da Reclamação Constitucional – instituto previsto no
art. 105, inciso I, alínea f da Carta Magna³, vocacionado a garantir a
preservação da competência e a autoridade das decisões do Superior Tribunal de
Justiça – como instrumento jurídico hábil a suprir esta lacuna do sistema em
relação aos Juizados Especiais Estaduais, no que tange ao questionamento das
decisões proferidas pelas Turmas Recursais que contiverem uma das violações estampadas
no art. 105, inciso III, da Constituição Federal.
Em decisão proferida no
Agravo Regimental em Reclamação 2.704-SP, datada de 12 de março de 2008, em que
foi relator o Ministro Teori Albino Zavascki, por unanimidade, a Primeira Seção
do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que “(...) a
Reclamação não é via adequada para controlar a competência dos Juizados
Especiais” e que “igualmente inadequada a via da reclamação para sanar grave
deficiência do sistema normativo vigente, que não oferece acesso ao STJ para
controlar decisões de juizados especiais estaduais contrárias à sua
jurisprudência dominante em matéria de direito federal, permitindo que tais
Juizados, no âmbito de sua competência, representem a palavra final sobre a interpretação
da lei federal”.
Em sentido oposto,
contudo, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, no
julgamento dos Embargos de Declaração opostos em Recurso Extraordinário de
Decisão Plenária (RE 571.572-8 QO-ED/BA), datado de 26 de agosto de 2009, no
qual foi relatora a Ministra Ellen Gracie.
Decidiu a Corte
Constitucional, na oportunidade, que, até a criação da Turma Nacional de
Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Estaduais, e com o
escopo de evitar que se perpetuem julgados conflitantes com a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, em sede de interpretação da legislação federal
infraconstitucional, caberia à referida Corte afastar a divergência, conhecendo
da matéria em apreciação da Reclamação.
Vale destacar trecho do
voto da Ministra Relatora:
“(…) enquanto não for criada a turma de uniformização para os juizados especiais estaduais, poderemos ter a manutenção de decisões divergentes a respeito da interpretação da legislação infraconstitucional federal. Desse modo, (...) a lógica da organização do sistema judiciário nacional recomenda se dê à reclamação prevista no art. 105, I, f, da CF amplitude suficiente à solução deste impasse”.
Após a citada decisão da
Corte Suprema, o Superior Tribunal de Justiça recebeu elevado número de
reclamações, utilizadas, na maior parte dos casos, como sucedâneo do recurso
especial.
Seguindo o entendimento da
Corte Suprema, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento da Reclamação
3.752-GO, na qual foi suscitada Questão de Ordem pela Relatora, Ministra Nancy
Andrighi, editou a Resolução nº 12/2009, publicada em 14.12.2009, regulando, no
âmbito da Corte, o uso da Reclamação Constitucional para enfrentamento de
decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais.
Nos termos do artigo 1º,
da citada Resolução nº 12/2009, “as reclamações destinadas a dirimir
divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, suas súmulas ou orientações
decorrentes do julgamento de recursos especial processados na forma do art.
543-C do Código de Processo Civil serão oferecidas no prazo de 15 dias,
contados da ciência, pela parte, da decisão impugnada, independentemente de
preparo”.
A despeito do tratamento
específico do assunto pela Resolução nº 12/2009, é patente que o instituto não
será admitido indistintamente pelo Superior Tribunal de Justiça. O caso em
debate, a toda evidência, deverá trazer questão relevante e que esteja
efetivamente dissonante do entendimento já consolidado da Corte.
Tanto assim que a
Resolução trouxe expressamente a possibilidade de o Relator da Reclamação
aplicar multa por litigância de má-fé ao Reclamante, nas hipóteses previstas no
artigo 17 do Código de Processo Civil4.
Pelo exposto, pode-se afirmar
que, apesar da ausência de previsão legal para a interposição de recurso
especial contra as decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados
Especiais Estaduais, poderá a parte prejudicada levar o debate ao Superior
Tribunal de Justiça, valendo-se da Reclamação Constitucional.
Dever-se-á, todavia,
observar as regras disciplinadas pelo próprio Superior Tribunal de Justiça na
Resolução nº 12/2009, especialmente a fim evitar a aplicação da multa prevista
no artigo 17, do Código de Processo Civil, para os casos nos quais se entender
que o uso do instituto se revela como mera manobra procrastinatória.
_________________
1 Art. 105. Compete ao
Superior Tribunal de Justiça:
(...)
III - julgar, em recurso
especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais
Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e
Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou
lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de
governo local contestado em face de lei federal;(Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
c) der a lei federal
interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
2 Art. 41. Da sentença,
excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para
o próprio Juizado.
§ 1º O recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em
exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.
3 Art. 105. Compete ao
Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar,
originariamente:
f) a reclamação para a
preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;
4 Art. 17. Reputa-se
litigante de má-fé aquele que: (Redação
dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)
I - deduzir pretensão ou
defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; (Redação
dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)
II - alterar a verdade dos
fatos; (Redação
dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)
III - usar do processo
para conseguir objetivo ilegal; (Redação
dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)
IV - opuser resistência
injustificada ao andamento do processo; (Redação
dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)
V - proceder de modo
temerário em qualquer incidente ou ato do processo; (Redação
dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)
Vl - provocar incidentes
manifestamente infundados. (Redação
dada pela Lei nº 6.771, de 27.3.1980)
VII - interpuser recurso
com intuito manifestamente protelatório. (Incluído pela
Lei nº 9.668, de 23.6.1998)
parabéns pela materia
ResponderExcluir