Bernardo José
Drumond Gonçalves
Advogado , professor
de Direito Civil da Faculdade de Direito Unifenas e especialista em Direito
Processual
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 19 em 12/11/2009
Com base na Resolução Normativa
nº 105/1987, os Conselhos Regionais de Química vêm autuando indústrias
gráficas, a fim de que estas promovam o registro perante os seus cadastros e,
com isso, paguem anuidades.
O art. 2º desta Resolução
Normativa estabelece que “é obrigatório o registro em Conselho Regional de
Química, consoante o art. 1º, das empresas e suas filiais que tenham atividades
relacionadas à área de química: [...] 29. Indústria Editorial e Gráfica. 29.99.
Execução de serviços gráficos e reprográficos não especificados – quando de
natureza química”.
Ocorre que essa Resolução
Normativa afronta ao que preceitua o art. 335 da CLT, que é hierarquicamente
superior, e não discriminou a indústria gráfica em seu rol taxativo, justamente
porque essa modalidade de empresa não fabrica produtos químicos, nem,
normalmente, mantém laboratórios de controle químico:
Art. 335. É obrigatória a admissão de químicos nos seguintes tipos de indústria:
a) de fabricação de produtos químicos;b) que mantenham laboratório de controle químico;c) de fabricação de produtos industriais que são obtidos por meio de reações químicas dirigidas, tais como: cimento, açúcar e álcool, vidro, curtume, massas plásticas artificiais, explosivos, derivados de carvão ou de petróleo, refinação de óleos vegetais ou minerais, sabão, celulose e derivados.
Lado outro, a Lei nº
2.800/56, que criou os Conselhos Federal e Regionais de Química, cujas
atribuições consistem na fiscalização do exercício da profissão de químico,
estabelece, em seus arts. 27 e 28, que as empresas que necessitam, no exercício
de suas atividades e por disposição legal, da atuação de um químico, estarão
submetidas registro e ao pagamento de anuidade:
Art 27. As turmas individuais de profissionais e as mais firmas, coletivas ou não, sociedades, associações, companhias e empresas em geral, e suas filiais, que explorem serviços para os quais são necessárias atividades de químico, especificadas no decreto-lei n.º 5.452, de 1 de maio de 1943 - Consolidação das Leis do Trabalho - ou nesta lei, deverão provar perante os Conselhos Regionais de Química que essas atividades são exercidas por profissional habilitado e registrado.
Art 28. As firmas ou entidades a que se refere o artigo anterior são obrigadas ao pagamento de anuidades ao Conselho Regional de Química em cuja jurisdição se situam, até o dia 31 de março de cada ano, ou com mora de 20% (vinte por cento) quando fora deste prazo.
A toda evidência, a
atividade gráfica não se enquadra nas hipóteses legais de registro.
Assim, é incabível a imposição
da obrigação de registrar as indústrias gráficas perante os Conselhos Regionais
de Química, pois as atividades básicas desempenhadas pelas mesmas não estão
incluídas nas hipóteses legais.
A Lei nº 6.839/80, que “dispõe
sobre o registro de empresas nas entidades fiscalizadoras do exercício de
profissões”, prevê:
Art. 1º O registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros.
Além disso, após
promulgação do Decreto nº 85.877/81, restou confirmado que são atos privativos
do químico, no exercício de sua profissão nas indústrias, as atividades
mencionadas no art. 335 da CLT (art. 2º, V).
Consoante se extrai de
trecho do voto proferido no REEXAME NECESSÁRIO N. 2008.38.00.002451-5/MG –
TRF/1ª Região, é a atividade principal exercida pela empresa que define a
necessidade de registro perante o Conselho Regional competente:
Conforme dispõe o art. 1º
da Lei 6.839/1980, tanto as empresas quanto os profissionais delas encarregados
estão obrigados a inscrever-se nas entidades fiscalizadoras do exercício de
profissões, em razão da atividade básica exercida ou em relação àquela pela
qual prestem serviços a terceiros. Assim, o fator determinante do registro em
Conselho Profissional é a atividade principal exercida pelo estabelecimento. (Grifou-se)
Nesse particular, não se
pode exigir dessas empresas que se registrem perante os mencionados Conselhos
Regionais.
É cediço que não poderia a
Resolução Normativa nº 105/1987 contrariar o texto legal do art. 335 da CLT, a
fim de criar obrigações.
Caberia a essa Resolução
Normativa apenas dar cumprimento à disposição legal, sendo inadmissível a
inovação no Ordenamento Jurídico.
Sobre a extensão da
regulamentação normativa, a doutrina ensina que possui apenas a função de dar
estrito cumprimento à Lei:
Nisto se revela que a
função regulamentar, no Brasil, cinge-se exclusivamente à produção destes atos
normativos que sejam requeridos para “fiel execução” da lei. Ou seja: entre
nós, então, como se disse, não há lugar senão para os regulamentos que a
doutrina estrangeira designa como “executivos”. (DE MELLO, Celso Antônio
Bandeira. Curso de Direito Administrativo – Ed. Malheiros, 2007) (Grifou-se)
A violação desses
preceitos implica afronta direta aos princípios (i) da legalidade, ao definir
obrigação por outro meio que não a Lei; (ii) da segurança jurídica, ao se
permitir que se desrespeite expressa disposição constitucional; e (iii) da
tripartição de Poderes, pois viola a competência do Poder Legislativo de criar
leis.
Nesse contexto, é vedado
aos Conselhos Regionais de Química fundamentar na Resolução Normativa nº
105/1987 para ampliar o alcance do instituto e estabelecer o cumprimento das
obrigações de registro e pagamento de anuidades.
Logo, as autuações para
registro e pagamento de anuidades constituem medidas abusivas, ilegais e
inconstitucionais, razão pela qual há manifesta violação a direito líquido e
certo das indústrias gráficas a ser amparado pelo Judiciário.
Sobre essa matéria, a
jurisprudência construiu firme entendimento:
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – ART. 12, LEI Nº 1.533/51 – CONSELHO REGIONAL DE QUÍMICA – INDÚSTRIA GRÁFICA, TIPOGRAFIA – REGISTRO – NÃO OBRIGATORIEDADE – LEI Nº 6.839/80. I – A empresa cuja atividade preponderante é a exploração de indústria gráfica, tipografia em geral, não está sujeita a registro e/ou fiscalização efetivada pelo Conselho Regional de Química, porquanto sua atividade precípua não o exige. II – O registro de empresa em conselho profissional decorre da atividade básica desenvolvida (art. 1º da Lei nº 6.839/80). III – Negado provimento à apelação mantendo-se, integralmente, a r. sentença. (TRF 2ª Região AMS 2001.51.01.012202-5/RJ DJ 14.2.2003) (Grifou-se)
ADMINISTRATIVO. EXERCÍCIO PROFISSIONAL. CLT, ARTIGO 335, ALÍNEA “B”. EMPRESA DE EDITORAÇÃO GRÁFICA. INOCORRÊNCIA DE ENQUADRAMENTO. LEIS NºS 2800/56 E 6639/80. CONSELHO REGIONAL DE QUÍMICA. REGISTRO E COBRANÇA DE ANUIDADE. IMPOSSIBILIDADE. 1. Os artigos 27 da Lei nº 2.800/56 e 1º da Lei nº 6.639/80 estabelecem que só estão obrigadas ao registro no Conselho Regional de Química e à anotação de profissionais habilitados as empresas cuja atividade básica esteja comprometida no âmbito da Química, seja no setor da indústria, seja na prestação de serviços a terceiros. 2. A existência de laboratório fotográfico na empresa demandante, por si só, não acarreta seu enquadramento como possuidora de “laboratório químico”, conforme a alínea “b” do artigo 335 da CLT, capaz de ensejar a contratação obrigatória de químico responsável. 3. Comprovado pelo relatório de vistoria, emitido pelo próprio Conselho Regional de Química, que a autora utiliza papel como única matéria-prima, agregando-lhe tinta, plástico e celofane como insumos, e que o único produto químico ou reagente existente no almoxarifado da empresa são as tintas utilizadas em suas atividades, cujo controle de qualidade, bem como dos insumos por ela empregados, é feito pelo próprio fornecedor, não há como enquadrá-la no artigo 335 da CLT. 4. Tratando-se de atividades não-enquadradas no artigo 335 da CLT, desnecessária é a contratação de profissional da área química e, por essa razão, indevida a exigência de registro da empresa junto ao CRQ, bem como a cobrança de quaisquer valores a título de anuidades. Recurso improvido (TRF 4ª Região AC 97.04.60905-1/SC Des. Rel. Luiza Dias Cassares DJ 21.10.1999)
Em casos análogos, o
posicionamento do Col. Superior Tribunal de Justiça também corrobora a tese de
ilegalidade:
TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO REGIONAL DE QUÍMICA. COOPERATIVA. LATICÍNIOS. CONTRATAÇÃO DE PROFISSIONAL QUÍMICO. REGISTRO. NÃO-OBRIGATORIEDADE. 1. A atividade básica da empresa vincula a sua inscrição e a anotação de profissional habilitado, como responsável pelas funções exercidas por esta empresa, perante um dos conselhos de fiscalização de exercício profissional. Tratando-se de atividades desenvolvidas por empresas de fabricação de produtos químicos ou que necessitem de reações químicas para alcançar seu produto final, há obrigatoriedade de registro no Conselho Regional de Química - CRQ, bem como de contratação de um profissional químico para a inspeção de seu processo industrial. 2. A empresa, cuja atividade desenvolvida é a de industrialização e comércio de laticínios e derivados do leite, não se enquadra entre aquelas que obtêm produtos por meio de reação química ou utilização dos produtos químicos elencados no art. 335 da CLT. Não exerce, portanto, atividade básica relacionada à química, e, por conseguinte, não está obrigada, por força de lei, a conservar em seu quadro de profissionais um químico, ou ainda a registrar-se junto ao Conselho Regional de Química. 3. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 816846/RJ, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/04/2006, DJ 17/04/2006 p. 187)
Deve-se destacar que, caso
as indústrias gráficas contratem, por mera liberalidade, na execução das suas
atividades, um profissional técnico químico, nem assim não podem ser compelidas
a se registrarem perante os Conselhos Regionais, seja por ausência de previsão
legal específica para tanto, seja porque é o profissional quem deve manter seu
próprio registro regular.
Acerca desse entendimento,
o recente posicionamento da jurisprudência:
ADMINISTRATIVO - CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL - CONSELHO REGIONAL DE QUÍMICA DA 2ª REGIÃO - REGISTRO DE EMPRESA - CRITÉRIO DEFINIDOR - ATIVIDADE BÁSICA - TRANSPORTE DE PRODUTOS INFLAMÁVEIS - LEI Nº 6.839/80, ART. 1º - CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO-CLT, ART. 335, B, E DECRETO Nº 85.877/81, ART. 2º - INEXIGIBILIDADE. a) Recurso - Apelação em Embargos à Execução Fiscal.
b) Decisão de origem - Procedência do pedido. 1. Transporte de produtos inflamáveis, atividade básica da Embargante, não integra o rol das atividades, legalmente, obrigadas a contratar profissional químico ou inscrever o estabelecimento na entidade fiscalizadora da profissão. 2. A possibilidade de contratação de profissional da área química não obriga o respectivo contratante a registrar-se na entidade competente para a fiscalização da profissão. Caso prosperasse esse entendimento, as empresas teriam que se filiar a tantos Conselhos quantos fossem as espécies de profissionais habilitados no quadro dos seus funcionários. (TRF-1ª 7ª Turma Des. Rel. Catão Alves Região AC 2004.01.99.041483-2/MG DJ 2.10.2009)
Portanto, as eventuais
autuações devem ser afastadas, ainda que judicialmente, reconhecendo o direito
líquido e certo das indústrias gráficas de não se registrarem, nem, tampouco,
serem compelidas ao pagamento de anuidades cobradas pelos Conselhos Regionais
de Química.
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