Daniela Villani
Bonaccorsi
Advogada
Criminalista. Professora de Direito Penal da PUC-Minas e UNI-BH. Mestre e
Doutoranda em Direito
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 20 em 23/12/2009
O título do presente
artigo, apesar de parecer por demais coloquial, foi também por demais
refletido.
De acordo com as
informações divulgadas, o pai da vítima, diante do consumo de entorpecentes no
interior da sua residência, se viu obrigada a chamar a polícia. Certamente,
para tentar evitar que o consumo se prolongasse, para tentar pôr fim à imensa
tristeza e desespero que cerca a família de um dependente químico, chamou por
estar cansado dos problemas gerados pela doença do filho. Chamou a polícia para
os proteger.
Ainda, de acordo com as
informações divulgadas, o rapaz correu para o quarto, chegou a desferir golpes
de faca no policial, que caiu, e revidou com doze tiros de arma de fogo.
O policial militar, também
de acordo com as informações divulgadas, afirma ter agido em legítima defesa.
A legítima defesa,
encontra-se prevista no art. 25 do Código Penal², restando configurada quando
alguém, para defender-se de agressão que está ocorrendo, ou prestes a ocorrer,
utilizando “moderadamente dos meios necessários”, ou seja “não pode haver uma
desproporção muito grande entre a conduta defensiva e a do agressor, de maneira
que a primeira cause um mal imensamente superior ao que teria produzido a
agressão, há certo limite”(...) (ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José
Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro. 5ª Ed., 2002, p. 555)
Na noite do dia 26 de
novembro, cinco policiais entraram na residência a pedido do pai, impulsionado
pelos efeitos das drogas, o jovem de 29 anos desferiu facadas contra o
policial, que apesar da presença de outros, desferiu os mencionados doze tiros.
O policial usava colete a prova de balas, o policial é treinado para situações
como as descritas, o policial estava acompanhado de mais quatro membros da
polícia militar, e, a partir dessas informações, não podemos deixar de
questionar, o policial usou moderadamente dos meios necessários?
Obviamente os meios
necessários e moderados, ademais no calor dos acontecimentos, não é medida de
forma objetiva e matemática, “a legítima defesa, porém, é uma reação humana e
não se pode medi-la com um transferidor, milimetricamente, quanto à
proporcionalidade de defesa ao ataque sofrido pelo sujeito” (MIRABETE, Júlio
Fabrini, Manual de direito penal. Parte Geral, 8ª Ed. São Paulo: Atlas, 1994,
p. 177), mas, será que doze tiros eram imprescindíveis para a defesa da vida do
policial? Será que com a ajuda de mais quatro policial, ou com o tiro, ainda
que com arma de fogo, desferido em locais não letais não poderiam conter o
doente?
O susto, o medo são
reações humanas e certamente um policial militar não deixa de sofrê-las, como qualquer
ser humano, mas onde está o seu limite? No instituto da legítima defesa,
fala-se de excesso em situações que “mesmo depois de ter feito cessar a
agressão que estava sendo praticada contra a sua pessoa, o agente não
interrompe seus atos e continua com a repulsa, a partir desse momento temos o
excesso.” (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal- 10ª edição. Rio de Janeiro,
Impetus, 2008, p. 359)
Hoje vivemos numa
sociedade em que o medo, a violência e o risco tomam proporções cada vez
maiores e, a segurança que a sociedade busca, ainda está, sim, nas mãos da
polícia, chamada a intervir com o preparo, com o controle, com a diligência que
sempre esperamos. Mas, situações como estas, ao invés de gerar o sentimento de
segurança na intervenção da polícia, gera o medo, medo de que, ao invés de nos
proteger, acabe, é gerando um ataque ainda maior.
Não se pretende, por
óbvio, julgar o policial ou o usuário, mas, sim, buscar uma reflexão da
sociedade, tanto por parte do poder público, quanto os cidadãos, onde está o
limite da intervenção? Estamos seguros?
Fica a reflexão para nós e
o pesar para a família.
________________________
¹ Trecho de música
composta por Tony Belloto, do grupo titãs, lançada em 1997.
² “Art. 25- Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente
dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito
seu ou de outrem”
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