quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Polícia! Para quem precisa(...)¹

Daniela Villani Bonaccorsi

Advogada Criminalista. Professora de Direito Penal da PUC-Minas e UNI-BH. Mestre e Doutoranda em Direito

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 20 em 23/12/2009


O título do presente artigo, apesar de parecer por demais coloquial, foi também por demais refletido.
No dia 26 de novembro, a mídia divulgou a morte de um rapaz dependente químico, de 29 anos, morto com doze tiros disparados por um policial militar, no interior da sua casa na grande Belo Horizonte. Desde então, as opiniões se dividem e, dentre as várias situações que causam clamor público, se tornou imprescindível tecer-se comentários de forma mais técnica.

De acordo com as informações divulgadas, o pai da vítima, diante do consumo de entorpecentes no interior da sua residência, se viu obrigada a chamar a polícia. Certamente, para tentar evitar que o consumo se prolongasse, para tentar pôr fim à imensa tristeza e desespero que cerca a família de um dependente químico, chamou por estar cansado dos problemas gerados pela doença do filho. Chamou a polícia para os proteger.

Ainda, de acordo com as informações divulgadas, o rapaz correu para o quarto, chegou a desferir golpes de faca no policial, que caiu, e revidou com doze tiros de arma de fogo.

O policial militar, também de acordo com as informações divulgadas, afirma ter agido em legítima defesa.

A legítima defesa, encontra-se prevista no art. 25 do Código Penal², restando configurada quando alguém, para defender-se de agressão que está ocorrendo, ou prestes a ocorrer, utilizando “moderadamente dos meios necessários”, ou seja “não pode haver uma desproporção muito grande entre a conduta defensiva e a do agressor, de maneira que a primeira cause um mal imensamente superior ao que teria produzido a agressão, há certo limite”(...) (ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro. 5ª Ed., 2002, p. 555)

Na noite do dia 26 de novembro, cinco policiais entraram na residência a pedido do pai, impulsionado pelos efeitos das drogas, o jovem de 29 anos desferiu facadas contra o policial, que apesar da presença de outros, desferiu os mencionados doze tiros. O policial usava colete a prova de balas, o policial é treinado para situações como as descritas, o policial estava acompanhado de mais quatro membros da polícia militar, e, a partir dessas informações, não podemos deixar de questionar, o policial usou moderadamente dos meios necessários?

Obviamente os meios necessários e moderados, ademais no calor dos acontecimentos, não é medida de forma objetiva e matemática, “a legítima defesa, porém, é uma reação humana e não se pode medi-la com um transferidor, milimetricamente, quanto à proporcionalidade de defesa ao ataque sofrido pelo sujeito” (MIRABETE, Júlio Fabrini, Manual de direito penal. Parte Geral, 8ª Ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 177), mas, será que doze tiros eram imprescindíveis para a defesa da vida do policial? Será que com a ajuda de mais quatro policial, ou com o tiro, ainda que com arma de fogo, desferido em locais não letais não poderiam conter o doente?

O susto, o medo são reações humanas e certamente um policial militar não deixa de sofrê-las, como qualquer ser humano, mas onde está o seu limite? No instituto da legítima defesa, fala-se de excesso em situações que “mesmo depois de ter feito cessar a agressão que estava sendo praticada contra a sua pessoa, o agente não interrompe seus atos e continua com a repulsa, a partir desse momento temos o excesso.” (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal- 10ª edição. Rio de Janeiro, Impetus, 2008, p. 359)

Hoje vivemos numa sociedade em que o medo, a violência e o risco tomam proporções cada vez maiores e, a segurança que a sociedade busca, ainda está, sim, nas mãos da polícia, chamada a intervir com o preparo, com o controle, com a diligência que sempre esperamos. Mas, situações como estas, ao invés de gerar o sentimento de segurança na intervenção da polícia, gera o medo, medo de que, ao invés de nos proteger, acabe, é gerando um ataque ainda maior.

Não se pretende, por óbvio, julgar o policial ou o usuário, mas, sim, buscar uma reflexão da sociedade, tanto por parte do poder público, quanto os cidadãos, onde está o limite da intervenção? Estamos seguros?

Fica a reflexão para nós e o pesar para a família.

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¹ Trecho de música composta por Tony Belloto, do grupo titãs, lançada em 1997.

² “Art. 25-  Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”

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