Juliana Mello
Vieira
Advogada, Mestre em
Ciências Juridico-Civilisticas pela Universidade de Coimbra
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 18 em 30/09/2009
A atividade de segurança
privada, a despeito do risco que envolve, nomeadamente nos grandes centros
urbanos onde a violência se revela com maior intensidade, ainda não encontra
uma regulamentação apropriada no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Muitas são as
personagens envolvidas no processo de discussão e na elaboração de projetos de
lei nesta seara, com maior relevo as empresas especializadas em vigilância
privada, associações de agentes de segurança e órgãos públicos de controle,
como é o caso da Polícia Federal.
Nestes termos, o foco de
análise deste breve texto será o Projeto de lei em trâmite perante o Congresso
Nacional, proposição n. 5247/2009¹, também conhecida como o “Estatuto da
Segurança Privada”, que propõe a regulamentação da atividade de segurança
privada em todas as suas vertentes, em especial a empresarial, sendo o recorte
para estudo o alcance objetivo do Estatuto, ou seja, quais atividades de
segurança privada estarão abraçadas pela nova regulamentação.
Para o estudo ora
proposto, faz-se necessário tecer algumas breves considerações preliminares,
quais sejam:
(i) o PL tramita em apenso à proposição 4305/2004², que regulará a profissão de agente de segurança privado, e que, por sua vez, tramita em conjunto ao PL 4436/2008³, que quer garantir ao agente de segurança/vigilante o direito ao recebimento de adicional de periculosidade.(ii) a atividade de segurança privada, seja na legislação atual, seja no PL n. 5247/2009, pode ser exercida por empresa especializada ou por funcionários do quadro próprio da empresa que não tenha como objeto fim o exercício da vigilância privada, sendo neste caso configurado o “serviço orgânico de segurança”, ou seja, é facultado à empresa criar seu próprio sistema de segurança patrimonial.(iii) o exercício da vigilância privada, seja pela empresa especializada seja pelo “serviço orgânico de segurança” (executada por quadro próprio de empresa de fim diverso), se submeterá, como sói ocorrer com as instituições financeiras sujeitas à lei 7.102/83, ao controle do Departamento de Polícia Federal, e, para o custeio de tal fiscalização, estará sujeito a taxas administrativas fixadas em lei.(iv) o PL cria restrições à contratação de seguros contra roubo e furto qualificado de bens, ativos ou numerário, na hipótese da empresa não comprovar o cumprimento das exigências legais para a execução de atividade de segurança privada (art. 2º, §6º), tipificando, ainda, infrações administrativas e tipo penal para o caso de contratação de serviços não autorizados (arts. 20 a 25).
Isto posto, e limitando-se
ao enfoque do conceito da atividade de segurança privada a ser regulamentada,
vejamos quais entendimentos podem ser suscitados:
Dentre as inovações
propostas pelo PL, merecem aqui maior destaque a que insere na definição da
atividade de segurança privada a atividade desarmada (art. 1º), e a que
acrescenta dentra as atividades típicas a de “executar a segurança patrimonial,
com a finalidade de prevenir ou reprimir ilícitos que atentem contra o
patrimônio”, seja ela exercida por empresa especializada seja pelo “serviço
orgânico de segurança” (art. 2º, II c/c §1º).
Em uma análise literal da
proposição, pode-se apreender que toda e qualquer atividade executada pela
empresa no exercício de seu direito de autodefesa da propriedade estaria
configurada como atividade de segurança privada, na modalidade de “serviço
orgânico de segurança”, e submetida à regulamentação e controle propostos, tal
e qual ocorre e ocorrerá a qualquer vigilância privada armada/ostensiva
executada por empresa especializada ou por serviço próprio.
Contudo, cumpre
argumentar, buscando um entendimento sistemático e teleológico da norma, que a
atividade que se quer regulamentar e submeter a um controle mais rígido seria a
atividade de segurança privada que envolva risco efetivo e que pressuponha o
uso de armamento e equipamentos suficientes e capazes de efetivamente impedir a
prática criminosa, ou seja, a vigilância privada ostensiva.
O PL mantém em grande
parte a abordagem oferecida pela lei 7.102/83, a qual adota expressamente como
parâmetro para a intervenção a vigilância ostensiva (vide artigo10, §4º), que,
por definição refere-se à: “atividade exercida no interior dos estabelecimentos
e em transporte de valores, por pessoas uniformizadas e adequadamente
preparadas para impedir ou inibir ações criminosas” (art. 5º, Decreto
89.056/83).
E, nesse sentir, a lei
7.102/83, assim como o PL 5247/09, asseguram ao vigilante e ao agente de
segurança, como instrumento inerente a sua atividade, o uso de arma de fogo e
munições (art. 18, III, do PL).
Ademais, conforme já
apontado em tópico anterior, o projeto do Estatuto tramita em apenso ao projeto
para a regulamentação da profissão de “agente de segurança privado”. Nos termos
propostos pelo PL 4305/04, agente de segurança privado é “o profissional que
com habitualidade presta serviços armado de segurança e proteção, mediante
contrato de trabalho com empresas especializadas em segurança e proteção de
bens e de pessoas” (art. 2º), sendo sua atividade exclusiva “exercer vigilância
patrimonial ostensiva a pessoas jurídicas” (art. 4º, VI).
Um dos intentos de tais
projetos, incluindo o PL 4436/08 que também tramita em apenso, é tornar a
atividade do vigilante ou agente de segurança legalmente perigosa, com maior
proteção e controle.
Ora, não há como se
igualar ou equiparar a atividade de vigilância patrimonial ostensiva e armada,
conforme tratado pela legislação atual ou pelos projetos em tramitação, com uma
atividade de mera fiscalização de estabelecimento, ou o que se poderia chamar
uma vigilância patrimonial “branca”, sem uso de qualquer armamento ou qualquer
ostensividade.
O risco inerente às duas
atividades é absolutamente distinto, o que impõe uma regulamentação e eventual
controle igualmente distintos e apropriados. Assim também os ônus e restrições
impostos às empresas que optam por cada espécie de vigilância deve ser
condizente à atividade e ao risco que ela implica.
Evidentemente que a
tramitação da proposta ainda deve suscitar debates em torno do melhor modelo a
ser aplicado para a regulamentação da categoria, o que pode provocar uma nova
redação que conceitue com maior rigor as atividades inseridas na segurança
privada que se quer regulamentar, oferecendo um tratamento distinto às diversas
formas de exercício da vigilância patrimonial.
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