domingo, 20 de outubro de 2013

A Incidência do ICMS — Comunicação sobre a VOIP

Camilla Casami de Oliveira

Advogada do Escritório Homero Costa Advogados

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 26 em 18/08/2010


A nova tecnologia, conhecida como Voz sobre IP, surge como alternativa à telefonia tradicional, possibilitando a conversão da voz em dado multimídia e a sua conseqüente transmissão pela rede mundial de computadores, através do protocolo estabelecido como padrão mundial da internet, o IP. Pode ser utilizada através de computadores e/ou aparelhos telefônicos, permitindo, em ambos os casos, a transmissão da voz em tempo real e com boa qualidade. Adentra, assim, o campo da telefonia convencional, ganhando espaço no mercado e trazendo grandes conseqüências para o direito tributário.
O serviço de VoIP (Voz sobre IP) tem, por si só, custo operacional inferior ao da telefonia convencional, visto que dispensa o gerenciamento de centrais telefônicas e não ocupa continuamente os canais utilizados para a transmissão da voz, além de não estar atrelado às dispendiosas metas de universalização dos serviços. Ademais, sua tributação por parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ainda não se encontra pacificada. Dessa forma, o mercado da transmissão de voz em tempo real, antes dominado pelas empresas de telefonia fixa e móvel, vem gradativamente perdendo espaço para essa nova tecnologia.

Impende destacar que o ICMS incidente sobre os serviços telefônicos constituem, hoje, uma das maiores fontes de renda dos Estados, de maneira que a mudança supramencionada pode vir a trazer grande impacto para os mesmos. A materialidade do ICMS-comunicação encontra-se constitucionalmente definida no art. 155, inciso II, da Constituição da República, aglutinada às demais hipóteses de incidência do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços.

 No que concerne à comunicação, será passível de tributação quando caracterizada a prestação deste serviço. Para tal, imperioso que se faça presente a realização de esforço humano em benefício de terceiro e caráter negocial, em outras palavras, a disponibilização por terceiro, mediante remuneração, dos meios físicos necessários a realização da comunicação. A relação comunicativa, estabelecida com a existência de emissor, canal, mensagem, código e receptor deve, ainda, necessariamente concretizar-se, ou seja, deve haver efetiva transmissão de mensagem de um emissor a um receptor no mundo fático. Somente presentes todos esses requisitos restará caracterizado, in concreto, fato gerador do ICMS-comunicação.

Os serviços de telecomunicações, mais especificamente, são definidos pela Lei Geral de Telecomunicações como o “[...] conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação [...]”, a qual se caracteriza, segundo a mesma lei, pela “[...] transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.” Assim, comumente entendidos como espécies do serviço de comunicação, os serviços de telecomunicações, na verdade, não estão totalmente abrangidos por aquele, visto que incluem toda e qualquer atividade necessária a efetivação do serviço telecomunicativo, independentemente de concretização da relação comunicativa, o que não está de acordo com a norma constitucional. Os serviços de telecomunicações apresentam também um aspecto formal, que se impõe pela necessidade de concessão, permissão ou autorização por parte da União para sua exploração.

A nova tecnologia de Voz sobre IP, que vem ganhando espaço no mercado em detrimento dos serviços de telefonia convencional (fixa ou móvel), serviços típicos de telecomunicações, permite a transmissão da voz através da rede mundial de computadores, mediante a utilização exclusiva desta ou da mesma em conjunto com as redes convencionais de telefonia, transformando o arquivo de áudio em dados multimídia, os quais são segmentados em pacotes que serão decodificados ao atingirem o seu destino. Assim, através de um protocolo universal padrão e com equipamentos adequados à manutenção da qualidade exigida pela voz, torna-se possível a transmissão dos arquivos de áudio de computador para computador; de computador para telefone, o qual é adaptado com equipamento que o adequa ao protocolo universal, e de telefone para telefone, sendo ambos adaptados. Destaque-se que nas modalidades em que se utilizam aparelhos telefônicos, outro protocolo mais avançado foi instituído, de maneira a permitir a transposição da voz da rede IP para a rede convencional de telefonia e vice-versa.

A Agência Nacional de Telecomunicações, ao abordar a questão da Voz sobre IP, aduz tratar-se de tecnologia, sendo que sua função restringe-se à regulamentar os serviços de telecomunicações que eventualmente delas se utilizem. Aponta, assim, três categorias da utilização do implemento tecnológico, quais sejam, a de computador para computador e as de comunicação restrita e comunicação irrestrita, sendo que estas podem se dar entre aparelhos telefônicos e entre estes e computadores. Segundo a ANATEL, as duas últimas categorias caracterizariam serviços de telecomunicações e prescindiriam de autorização para sua exploração, enquanto a primeira seria serviço de valor adicionado. Ressalte-se que a Agência, enquanto órgão regulatório, não tem o condão de definir os serviços de telecomunicações, sendo essa competência privativa da União, mediante lei, de forma que suas diretrizes são meramente norteadoras. Ademais, conforme já mencionado, não basta a simples caracterização do serviço de telecomunicações para a exação da hipótese de incidência do ICMS-comunicação, tanto que a própria ANATEL determina, no caso da comunicação restrita, ser necessária a obtenção de autorização para exploração da VoIP ainda que para uso próprio, o que, como se viu, sob nenhuma hipótese dará ensejo à tributação do ICMS. É, assim, imprescindível que haja a prestação deste serviço, a ser realizada por terceiro em caráter negocial, com a devida efetivação da comunicação.

Parte da doutrina acompanha o entendimento da Agência, no sentido de que a utilização da tecnologia Voz sobre IP, quando adentra a rede de telefonia tradicional, ou seja, utiliza-se de aparelhos telefônicos, caracteriza serviço de telecomunicação, portanto, quando se der nos moldes acima, será passível de tributação por parte do ICMS-comunicação. Em contrapartida, entendimento divergente assemelha a VoIP, quando de sua utilização através de computadores, ainda que em apenas uma de suas extremidades, à situação dos provedores de acesso à internet que é, segundo entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, mero usuário dos serviços de telecomunicações, prestador apenas de serviço de valor adicionado, não sendo passível de tributação. Existe, ainda, um terceiro entendimento de que em nenhuma de suas modalidades a VoIP poderia caracterizar serviço de telecomunicação e ter, portanto, a sua efetiva prestação tributada pelo ICMS-comunicação, visto que não disponibiliza o suporte físico para a realização da comunicação, mas se utiliza de meio ofertado por terceiro, este sim prestador do serviço de telecomunicação.

O Conselho Nacional de Política Fazendária firmou o convênio nº 55/05, no qual autorizava a tributação por parte dos Estados da prestação do serviço de Voz sobre IP, pretendendo defini-la como prestação de serviço de comunicação típico, tributável pelo ICMS. Entretanto, o princípio da legalidade tributária impede que norma convenial traga hipótese de incidência nova, não abrangida pela determinação legal, de modo que o convênio é insuficiente para determinar a materialidade do ICMS-comunicação na prestação de serviço de VoIP.

Nesse contexto, conclui-se que a aplicação da tecnologia Voz sobre IP no âmbito de computador para computador constitui serviço de valor adicionado, uma vez que apenas agrega funcionalidade a serviço de comunicação do qual se utiliza como usuário. Dessa forma, a prestação de serviço de VoIP para transmissão da voz estritamente na rede mundial de computadores não é passível de tributação por parte do ICMS-comunicação.

Em contrapartida, têm-se que a tecnologia VoIP, quando faz uso da rede telefônica para a concretização da relação comunicativa, ainda que em apenas uma de suas extremidades, confunde-se com o próprio serviço de telefonia. Ademais, sua exploração depende de autorização da ANATEL. Assim, há a efetiva prestação de um serviço de telecomunicação com a utilização das modalidades VoIP de computador para telefone e de telefone para telefone, sendo a prestação desses serviços, portanto, tributáveis pelo ICMS-comunicação.

Por fim, impende ressaltar que o atual tratamento jurídico dos serviços de telecomunicações se mostra insuficiente para regulamentar a prestação do serviço de VoIP de maneira clara e precisa, ficando o seu tratamento jurídico a cargo do intérprete do direito. Dessa forma, a questão é ainda controversa, carecendo de uma análise mais apurada por parte da ANATEL ou, mais precisamente, do legislador.



BIBLIOGRAFIA

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