Camilla Casami de
Oliveira
Advogada do
Escritório Homero Costa Advogados
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 26 em 18/08/2010
A nova tecnologia,
conhecida como Voz sobre IP, surge como alternativa à telefonia tradicional,
possibilitando a conversão da voz em dado multimídia e a sua conseqüente
transmissão pela rede mundial de computadores, através do protocolo
estabelecido como padrão mundial da internet, o IP. Pode ser utilizada através
de computadores e/ou aparelhos telefônicos, permitindo, em ambos os casos, a
transmissão da voz em tempo real e com boa qualidade. Adentra, assim, o campo
da telefonia convencional, ganhando espaço no mercado e trazendo grandes
conseqüências para o direito tributário.
Impende destacar que o
ICMS incidente sobre os serviços telefônicos constituem, hoje, uma das maiores
fontes de renda dos Estados, de maneira que a mudança supramencionada pode vir
a trazer grande impacto para os mesmos. A materialidade do ICMS-comunicação
encontra-se constitucionalmente definida no art. 155, inciso II, da
Constituição da República, aglutinada às demais hipóteses de incidência do imposto
sobre circulação de mercadorias e serviços.
No que concerne à comunicação, será passível
de tributação quando caracterizada a prestação deste serviço. Para tal,
imperioso que se faça presente a realização de esforço humano em benefício de
terceiro e caráter negocial, em outras palavras, a disponibilização por
terceiro, mediante remuneração, dos meios físicos necessários a realização da
comunicação. A relação comunicativa, estabelecida com a existência de emissor,
canal, mensagem, código e receptor deve, ainda, necessariamente concretizar-se,
ou seja, deve haver efetiva transmissão de mensagem de um emissor a um receptor
no mundo fático. Somente presentes todos esses requisitos restará
caracterizado, in concreto, fato gerador do ICMS-comunicação.
Os serviços de
telecomunicações, mais especificamente, são definidos pela Lei Geral de
Telecomunicações como o “[...] conjunto de atividades que possibilita a oferta
de telecomunicação [...]”, a qual se caracteriza, segundo a mesma lei, pela
“[...] transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios
ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres,
sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.” Assim,
comumente entendidos como espécies do serviço de comunicação, os serviços de
telecomunicações, na verdade, não estão totalmente abrangidos por aquele, visto
que incluem toda e qualquer atividade necessária a efetivação do serviço
telecomunicativo, independentemente de concretização da relação comunicativa, o
que não está de acordo com a norma constitucional. Os serviços de
telecomunicações apresentam também um aspecto formal, que se impõe pela
necessidade de concessão, permissão ou autorização por parte da União para sua
exploração.
A nova tecnologia de Voz
sobre IP, que vem ganhando espaço no mercado em detrimento dos serviços de
telefonia convencional (fixa ou móvel), serviços típicos de telecomunicações,
permite a transmissão da voz através da rede mundial de computadores, mediante
a utilização exclusiva desta ou da mesma em conjunto com as redes convencionais
de telefonia, transformando o arquivo de áudio em dados multimídia, os quais
são segmentados em pacotes que serão decodificados ao atingirem o seu destino.
Assim, através de um protocolo universal padrão e com equipamentos adequados à
manutenção da qualidade exigida pela voz, torna-se possível a transmissão dos
arquivos de áudio de computador para computador; de computador para telefone, o
qual é adaptado com equipamento que o adequa ao protocolo universal, e de
telefone para telefone, sendo ambos adaptados. Destaque-se que nas modalidades
em que se utilizam aparelhos telefônicos, outro protocolo mais avançado foi
instituído, de maneira a permitir a transposição da voz da rede IP para a rede
convencional de telefonia e vice-versa.
A Agência Nacional de
Telecomunicações, ao abordar a questão da Voz sobre IP, aduz tratar-se de
tecnologia, sendo que sua função restringe-se à regulamentar os serviços de
telecomunicações que eventualmente delas se utilizem. Aponta, assim, três
categorias da utilização do implemento tecnológico, quais sejam, a de
computador para computador e as de comunicação restrita e comunicação
irrestrita, sendo que estas podem se dar entre aparelhos telefônicos e entre
estes e computadores. Segundo a ANATEL, as duas últimas categorias
caracterizariam serviços de telecomunicações e prescindiriam de autorização
para sua exploração, enquanto a primeira seria serviço de valor adicionado.
Ressalte-se que a Agência, enquanto órgão regulatório, não tem o condão de
definir os serviços de telecomunicações, sendo essa competência privativa da
União, mediante lei, de forma que suas diretrizes são meramente norteadoras.
Ademais, conforme já mencionado, não basta a simples caracterização do serviço de
telecomunicações para a exação da hipótese de incidência do ICMS-comunicação,
tanto que a própria ANATEL determina, no caso da comunicação restrita, ser
necessária a obtenção de autorização para exploração da VoIP ainda que para uso
próprio, o que, como se viu, sob nenhuma hipótese dará ensejo à tributação do
ICMS. É, assim, imprescindível que haja a prestação deste serviço, a ser
realizada por terceiro em caráter negocial, com a devida efetivação da
comunicação.
Parte da doutrina
acompanha o entendimento da Agência, no sentido de que a utilização da
tecnologia Voz sobre IP, quando adentra a rede de telefonia tradicional, ou
seja, utiliza-se de aparelhos telefônicos, caracteriza serviço de
telecomunicação, portanto, quando se der nos moldes acima, será passível de
tributação por parte do ICMS-comunicação. Em contrapartida, entendimento
divergente assemelha a VoIP, quando de sua utilização através de computadores,
ainda que em apenas uma de suas extremidades, à situação dos provedores de
acesso à internet que é, segundo entendimento pacífico na doutrina e
jurisprudência, mero usuário dos serviços de telecomunicações, prestador apenas
de serviço de valor adicionado, não sendo passível de tributação. Existe,
ainda, um terceiro entendimento de que em nenhuma de suas modalidades a VoIP
poderia caracterizar serviço de telecomunicação e ter, portanto, a sua efetiva
prestação tributada pelo ICMS-comunicação, visto que não disponibiliza o
suporte físico para a realização da comunicação, mas se utiliza de meio ofertado
por terceiro, este sim prestador do serviço de telecomunicação.
O Conselho Nacional de
Política Fazendária firmou o convênio nº 55/05, no qual autorizava a tributação
por parte dos Estados da prestação do serviço de Voz sobre IP, pretendendo
defini-la como prestação de serviço de comunicação típico, tributável pelo
ICMS. Entretanto, o princípio da legalidade tributária impede que norma
convenial traga hipótese de incidência nova, não abrangida pela determinação
legal, de modo que o convênio é insuficiente para determinar a materialidade do
ICMS-comunicação na prestação de serviço de VoIP.
Nesse contexto, conclui-se
que a aplicação da tecnologia Voz sobre IP no âmbito de computador para
computador constitui serviço de valor adicionado, uma vez que apenas agrega
funcionalidade a serviço de comunicação do qual se utiliza como usuário. Dessa
forma, a prestação de serviço de VoIP para transmissão da voz estritamente na
rede mundial de computadores não é passível de tributação por parte do
ICMS-comunicação.
Em contrapartida, têm-se
que a tecnologia VoIP, quando faz uso da rede telefônica para a concretização
da relação comunicativa, ainda que em apenas uma de suas extremidades,
confunde-se com o próprio serviço de telefonia. Ademais, sua exploração depende
de autorização da ANATEL. Assim, há a efetiva prestação de um serviço de
telecomunicação com a utilização das modalidades VoIP de computador para
telefone e de telefone para telefone, sendo a prestação desses serviços,
portanto, tributáveis pelo ICMS-comunicação.
Por fim, impende ressaltar
que o atual tratamento jurídico dos serviços de telecomunicações se mostra
insuficiente para regulamentar a prestação do serviço de VoIP de maneira clara
e precisa, ficando o seu tratamento jurídico a cargo do intérprete do direito.
Dessa forma, a questão é ainda controversa, carecendo de uma análise mais
apurada por parte da ANATEL ou, mais precisamente, do legislador.
BIBLIOGRAFIA
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<http://www.teleco.com.br/tutoriais/tutorialscm/default.asp> Acesso em 27
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