quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Levantamento da multa prévia em Ação Rescisória

Stefano Naves Boglione

Bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e advogado associado de Homero Costa Advogados

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 22 em 19/03/2010


A Ação Rescisória possui como um dos requisitos indispensáveis à sua propositura o prévio recolhimento da quantia de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, a título de multa. É o que prescreve o inciso II, do art. 488, do Código de Processo Civil:

Art. 488. A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do art. 282, devendo o autor:
 
I – cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento;
 
II – depositar a importância de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, a título de multa, caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível, ou improcedente.

O referido pressuposto – há quem discorde - faz as vezes de verdadeiro inibidor do abuso ao direito de ação. Nas palavras de Cássio Scarpinella Bueno¹, “A ratio do dispositivo é evitar a proliferação de pretensões rescisórias infundadas”.

No mesmo sentido, ensina Humberto Theodoro Júnior² que, “Tendo ampliado os casos de admissibilidade e facilitado a sua utilização pelas partes, entendeu o código de coibir abusos na propositura da ação rescisória através de duas medidas práticas: a) instituição de uma multa; e b) redução do prazo decadencial do direito de postular a rescisória, que ficou limitado a dois anos”.

É pacífico, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência – até por ser verbo legal – que a quantia consignada previamente pelo autor da actio rescindens reverterá em favor do réu,  caso haja unanimidade na inadmissão ou na improcedência do pedido rescisório.

Lado outro, na hipótese de procedência ou de julgamento não unânime, a quantia será levantada pelo autor.

Entretanto, a dúvida permanece no caso de ser a pretensão autoral, uma vez contestada,  rechaçada monocraticamente pelo Relator da causa, sem a questão nem sequer ter sido submetida a julgamento colegiado.

Os Regimentos Internos da maioria dos nossos Tribunais (e.g., art. 34, inc. XVIII, do RISTJ) permitem, ao Magistrado que preside o processo, indeferir, de plano, ou após a contestação, a petição inicial do autor, diante da flagrante impertinência de suas alegações, ou, ainda, caso não tenha satisfeito algum pressuposto indispensável à propositura da ação.

Em outras palavras, nesses casos, tamanha é a certeza de que a pretensão rescisória é absolutamente infundada, que, por prudência e economia processual, o Relator da causa poderá encerrar prematuramente o processo, julgando sua extinção, sem resolução do mérito.

Nessa hipótese, em que se prescindiu, fundamentadamente, de um julgamento colegiado, a qual das partes nasceria o direito de levantar para si o depósito da multa prévia?

Há quem defenda, com significativo convencimento, que, a despeito do resultado negativo da demanda, por não ter havido a perquirida unanimidade, ao autor incumbiria o levantamento do valor depositado³.

No entanto, esse nos parece o entendimento equivocado, em desacordo com a mens legis processual.

Inobstante não haver unanimidade na hipótese de o Relator indeferir, monocraticamente, a pretensão rescisória autoral, é patente que, nesse caso, a argumentação exposta na petição inicial padece de inegável impropriedade.

Mormente, ainda, se o réu tiver apresentado contestação nos autos, demonstrando a fragilidade da argumentação exordial.

Isto é, a nosso ver, o encerramento prematuro da Ação Rescisória, por inadmissão da petição inicial, é algo maior que uma provável improcedência unânime da pretensão autoral, caso o processo fosse levado a julgamento colegiado.

Nesse sentido, há inúmeros precedentes de decisões monocráticas, proferidas por Ministros do Colendo Superior Tribunal de Justiça, em que, após o indeferimento da petição inicial em Ação Rescisória, determinou-se o levantamento da multa prévia pelo réu4.

Seria um contrassenso permitir que o autor da actio rescindens fosse agraciado pelo resgate da caução prestada, sempre que ajuizar ações rescisórias absolutamente infundadas, cujas petições iniciais fossem, de plano, indeferidas.

Afinal, como dito alhures, a teleologia da lei processual é justamente a de prevenir que isso ocorra, ao impor ao autor a obrigação de depositar a multa prévia do art. 488, inc. II, do CPC.

Conclui-se, portanto, que, conjugando-se o objetivo do legislador de refrear o ajuizamento de pretensões rescisórias levianas, juntamente com a ausência de dispositivo processual expresso a respeito do tema tratado neste artigo, o destino do depósito prévio do art. 488, inc. II, do CPC, nos casos de indeferimento monocrático da petição inicial, em Ação Rescisória, deverá ser, sem dúvidas, o seu levantamento pelo réu.

__________


¹ BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 5. Editora Saraiva : 2008. p. 330.

² THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 710.

³ Precedentes: Resp 754.254/RS, Rel. Min. Castro Meira, SEGUNDA TURMA, DJe 1.6.2009; AgRg na AR 839/SP, PRIMEIRA SEÇÃO, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 1.8.2000; AR 1.579/PB, Rel. Min. Laurita Vaz, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 13.2.2008.

4 Precedentes: AR nº 3448/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ 28.5.2008; AR nº 3168/AL, Rel. Min. Vasco Della Giustina, DJe 2.4.2009; AR nº 003346, Rel. Min. Castro Meira, DJe 19.11.2009.

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