domingo, 20 de outubro de 2013

Dos efeitos do recurso de apelação interposto contra sentença que julga embargos à execução

Stefano Naves Boglione

Bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e advogado associado de Homero Costa Advogados

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 26 em 18/08/2010


Em regra, no âmbito civil, o recurso de apelação interposto é recebido nos efeitos suspensivo e devolutivo, obstando-se a eficácia da sentença terminativa-definitiva até o completo esgotamento das vias recursais, nas duas instâncias ordinárias do Poder Judiciário.

É o que preceitua a primeira parte do caput do artigo 520, do Código de Processo Civil. Veja-se:

Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo.

Busca-se, dessa forma, garantir que os atos de execução só ocorram depois que a decisão se torne firme¹, em decorrência do instituto da coisa julgada material, por exigência do princípio do devido processo legal.

Nesse sentido, o ensinamento de Humberto Theodoro Júnior²:

Enquanto não se esgotam os meios de debate e defesa, enquanto não se exaure o contraditório, não está o Poder Judiciário autorizado a invadir o patrimônio da parte (CF, art. 5º, LIV e LV).

No entanto, o mesmo artigo 520, na segunda parte e em seus incisos, estabelecem algumas exceções, permitindo à parte credora iniciar as medidas expropriatórias de bens do devedor.

Uma das hipóteses elencadas pelo mencionado dispositivo de Lei, estampada no inciso V do artigo 520, é o caso da apelação interposta contra a sentença que “rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes”.

Quando o Juiz rejeitar liminarmente os embargos à execução ou quando sentenciar a improcedência total destes, o recurso de apelação³ contra essa decisão será recebido no efeito meramente devolutivo. É a interpretação literal da norma.

Assim, quando absolutamente insubsistentes as argumentações do devedor, o credor poderá, a seu critério, iniciar as medidas assecuratórias de seu crédito, estampado em título executivo extrajudicial, mesmo pendente o julgamento de recurso de apelação4.

A dúvida surge, porém, no caso de haver procedência parcial dos embargos à execução.

Nessa hipótese, questiona-se: aplicar-se-á ao recurso de apelação a regra geral do artigo 520, caput, primeira parte, do CPC, ou a exceção do inciso V do mesmo dispositivo?

Há precedente do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o recurso de apelação, nesse caso, será recebido apenas com efeito devolutivo na parte improcedente, prosseguindo a execução, nessa fração, como definitiva5.

No entanto, grande parte da mais recente jurisprudência pátria entende que a execução não poderá prosseguir, no caso de procedência parcial dos embargos, porquanto a hipótese não se amolda nas exceções do inciso V do artigo 520. Veja-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DO DEVEDOR. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. APELAÇÃO. RECEBIMENTO. DUPLO EFEITO. - Em regra, o recurso de apelação deve ser recebido em seu efeito devolutivo e suspensivo, salvo as exceções taxativamente previstas no art. 520 do Código de Processo Civil. - O recurso de apelação interposto contra a sentença que julga parcialmente procedentes os embargos do devedor deve ser recebido em seu duplo efeito, por não se enquadrar entre as exceções previstas no art. 520 do CPC. (TJMG, 1.0035.04.031595-0/002(1), Rel. Des. IRMAR FERREIRA CAMPOS, Publicado em 09/06/2009, g.n.)

AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ANUÊNIOS. DIFERENÇAS. SERVIDORES. RECEBIMENTO AO APELO. EFEITO SUSPENSIVO. ARTIGO 520 DO CPC. 1. O artigo 520 do CPC dispõe que a apelação será recebida em seu efeito suspensivo e devolutivo quando a sentença julgar parcialmente procedentes os embargos à execução. 2. Agravo improvido. (TRF 4ª R.; AG-AI 2009.04.00.045012-4; PR; Terceira Turma; Rel. Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz; Julg. 23/03/2010; DEJF 29/04/2010; Pág. 345, g.n.)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. EMBARGOS DO DEVEDOR JULGADOS PARCIALMENTE PROCEDENTES. APELAÇÃO. EFEITO DEVOLUTIVO E SUSPENSIVO. Em regra, o recurso de apelação será recebido no efeito devolutivo e suspensivo (art. 520, caput, primeira parte, do CPC). Será recebido o apelo, todavia, apenas no efeito devolutivo quando interposto, dentre outras hipóteses, de sentença que rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes (art. 520, V, do CPC). Na espécie, os recorrentes interpuseram apelação contra sentença que julgou parcialmente procedente os embargos do devedor, situação que não se enquadra em nenhuma das exceções previstas nos incisos do art. 520 do CPC. O recebimento do recurso no duplo efeito, portanto, é medida que se impõe, consoante regra geral insculpida no caput do citado dispositivo processual. RECURSO PROVIDO, por decisão monocrática. (TJRS; AI 70030556328; Candelária; Décima Oitava Câmara Cível; Rel. Des. Nelson José Gonzaga; Julg. 18/06/2009; DOERS 01/07/2009; Pág. 74, g.n.)

A última hipótese narrada afigura-se como o melhor entendimento para o caso, que garante ao devedor a intangibilidade de seu patrimônio, enquanto ainda pendente o seu recurso de apelação. Tudo isso na esteira das garantias constitucionais do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV e LV).

A tese é ainda mais reforçada, se se verificar que os embargos à execução tenham sido recebidos em seu efeito suspensivo, na forma do artigo 739, do Código de Processo Civil.

O efeito suspensivo dos embargos à execução, que é impingido pelo juiz da causa quando preenchidas as hipóteses legais, esgota-se, tão-só, com o livre trânsito em julgado da sentença.

Até lá, é evidente que a medida correta a ser adotada é a completa paralisação dos atos da execução6, mesmo – e principalmente - com a interposição de recurso de apelação.

Entende-se, portanto, que a solução mais justa e equânime posta à disposição do julgador, no caso de procedência parcial dos embargos à execução, é a atribuição de duplo efeito (suspensivo e devolutivo) ao recurso de apelação interposto.

Na hipótese, tendo havido acolhimento, em boa parte, da tese defensiva do executado, correto será o prosseguimento, sem ônus, da discussão meritória nas instâncias recursais (garantia constitucional), sem que seu patrimônio seja imediatamente abalado.

Além do mais, ressalva-se que a hipótese aventada neste trabalho não se enquadra em quaisquer das exceções previstas pelos incisos do artigo 520, do Código de Processo Civil, motivo pelo qual se conclui que deverá prevalecer a regra estampada no caput, primeira parte, do dispositivo, em consonância com a jurisprudência majoritária atual.
___________________

¹ THEODORO JÚNIOR, HUMBERTO. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro : Forense, 2009, p. 572.

² Idem.

³ A discussão doutrinária acerca do cabimento do recurso de apelação contra decisão que rejeita liminarmente os embargos à execução não será objeto de análise deste trabalho.

4 Exceto nos casos de embargos à execução recebidos no efeito suspensivo (artigo 739), como preceitua o artigo 587, do CPC, caso em que a execução prosseguirá como provisória.

5 STJ, 3ª T., AI 952.879-AgRg, Min. Gomes de Barros, j. 6.12.07, DJU 18.12.07.

6 TRF 4ª R.; AI 2009.04.00.036728-2; PR; Quarta Turma; Rel. Des. Fed. Valdemar Capeletti; Julg. 02/12/2009; DEJF 15/12/2009; Pág. 184

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