Ana Carolina Silva
Barbosa
Advogada,
especialista em Direito Tributário pelo CAD
*publicado
originalmente no Boletim Jurídico N.º 19 em 12/11/2009
Há alguns anos
questiona-se a legalidade das multas e Autos de Infração lavrados com
fundamento em atos normativos expedidos pelo Conselho Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro) e pelo Instituto Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro).
Com base no Princípio da
Legalidade entendia-se que as infrações e penalidade não poderiam ser tratadas
e instituídas por meio destes atos secundários, de modo que estaria
caracterizada a ofensa ao Princípio da Legalidade.
Inúmeras foram as decisões
dos Tribunais Pátrios anulando Autos de Infrações e cancelando multas impostas,
cujos valores eram altíssimos.
Cumpre citar trecho
extraído do voto da i. Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso, na
Apelação Cível nº 1.0471.04.024654-1/001, de sua relatoria:
“Trata-se, portanto, de preceito constitucional em branco, visto remeter a integração posterior. A norma penal em branco é perfeitamente verificável na esfera administrativa, como salienta o Desembargador Federal João Batista Moreira (Direito Administrativo – da rigidez autoritária à flexibilidade democrática. Fórum, Belo Horizonte, 2005, p.369).No entanto, a imposição de penalidade ao administrado deve obediência ao princípio da legalidade, bem por isto, tanto infrações administrativas como suas correspondentes sanções têm que ser instituídas em lei – não em regulamento, instrução, portaria e quejandos (MELLO, Celso Antônio Bandeira de, curso de Direito Administrativo. 17ª ed., São Paulo, 2004, p. 747).O Direito Administrativo sancionador, a ação ou omissão proibida deve estar claramente descrito na lei, o que não ocorre na hipótese. Não há nas Leis 5.966/1973 e 9.933/1999 nenhuma conduta comissiva ou omissiva que, uma vez verificada, enseja ao administrado uma penalidade. Não há, por exemplo, colocar no mercado produto com peso real inferior ao peso nominal da embalagem. Pena (...).(...)Assim, não há fundamento legal a embasar a cominação de pena de multa imposta ao apelante, o que gera nulidade dos autos de infração, por ausência de tipicidade.”(TRF 1ª Região – Apelação Cível nº 2001.38.00.028242-6/MG. Relatora Desa. Federal maria do Carmo. Publicação 18/02/2008 – sem grifos no original)
O Tribunal Regional
Federal da 1ª Região já se pronunciou várias vezes neste mesmo sentido,
vejamos:
“ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. MULTA. LEI 5.699/1973. PORTARIA INMETRO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. NÃO OBSERVÂNCIA. 1. O direito administrativo sancionador está adstrito aos princípios da legalidade e da tipicidade, como consectários das garantias constitucionais (REsp 704570/SP, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Fux, DJ 04/06/2007, p. 302). Portaria regulamentar não tem o condão de estabelecer condutas passíveis de penalidade, nem as respectivas sanções. 2. O tipo sancionador, a ação proibida, deve estar claramente descrita na lei (art. 5º, XXXVI, CF/1988), o que não ocorre na Lei 5.966/1973 - não há taxativamente descrita qualquer conduta comissiva ou omissiva que dê azo a penalidade, o que gera nulidade dos atos que aplicaram sanção administrativa de multa ao administrado com fundamento nas leis em destaque e em Portaria do INMETRO. 3. O INMETRO, à época da edição da Portaria 02/1982, não possuía competência para fixar critérios e procedimentos de fixação de penalidades administrativas. A delegação desse poder somente ocorreu com a Resolução do CONMETRO 11/1988. Precedentes. 4. Apelação a que se dá provimento. ( TRF 1ª Região. Apelação Cível nº 2000.01.00.038272-2/BA. Rel. Desembargadora Federal Maria do Carmo, Publicação em 11/04/2008)
Este, também, é o
entendimento de outros Tribunais, como do TRF da 4ª Região:
“ADMINISTRATIVO. INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE INDUSTRIAL - INMETRO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS (LEI Nº 5.966/73, ART. 9º, PORTARIA INMETRO Nº 2/82, ART. 1º).- Portaria não pode servir de suporte para a definição de infração.Pela análise da Lei nº 5.966/73 e da mencionada Portaria nº 2/82, é de se concluir que, segundo as normas baixadas pelo CONMETRO, existe delegação legislativa em desacordo com o sistema constitucional. “(TRF 4ª Região, AC nº 2000.04.01.134014-9/PR, 4ª Turma, Rel. Juiz Valdemar Capeletti, DJU 04.04.2001
Mister se faz destacar
ainda, também, parte da Ementa de voto proferido pelo i. Desembargador Federal
Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, do TRF 4ª Região, na Apelação Cível nº
2004.70.00.040171-3:
"CONSTITUCIONAL. PODER REGULAMENTAR. INMETRO. PORTARIA. LIMITES.1. A propósito do poder regulamentar, é sempre atual o magistério de Pimenta Bueno, o mais autorizado intérprete da Carta Imperial de 1824, que o considera abusivo nos seguintes casos, verbis:"1º) em criar direitos, ou obrigações novas, não estabelecidas pela lei, porquanto seria uma inovação exorbitante de suas atribuições, uma usurpação do poder legislativo, que só poderá ser tolerada por câmaras desmoralizadas. Se assim não fora poderia o governo criar impostos, penas, ou deveres, que a lei não estabeleceu, teríamos dois legisladores, e o sistema constitucional seria uma verdadeira ilusão; 2º) em ampliar, restringir ou modificar direitos ou obrigações, porquanto a faculdade lhe foi dada para que fizesse observar fielmente a lei, e não para introduzir mudança ou alteração alguma nela, para manter os direitos e obrigações como foram estabelecidos, e não para acrescentá-los ou diminuí-los, para obedecer ao legislador, e não para sobrepor-se a ele; 3º) em ordenar, ou proibir o que ela não ordena, ou não proíbe, porquanto dar-se-ia abuso igual ao que já notamos no antecedente número primeiro. E demais, o governo não tem autoridade alguma para suprir, por meio regulamentar, as lacunas da lei, e mormente do direito privado, pois que estas entidades não são simples detalhes, ou meios de execução. Se a matéria como princípio é objeto de lei, deve ser reservada ao legislador; se não é, então não há lacuna na lei, sim objeto de detalhe de execução; 4º) em facultar, ou proibir, diversamente do que a lei estabelece, porquanto deixaria esta de ser qual fora decretada, passaria a ser diferente, quando a obrigação do governo é de ser em tudo e por tudo fiel e submisso à lei; 5º) finalmente, em extinguir ou anular direitos ou obrigações, pois que um tal ato equivaleria à revogação da lei que os estabelecera ou reconhecera; seria um ato verdadeiramente atentatório." (In Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro, 1857, p. 237, nº 326:(...)Com efeito, constata-se que as capitulações legais dos autos de infrações lavrados contra a recorrente apontam como infringidas unicamente regras constantes em regulamentos aprovados por Portarias expedidas pelo INMETRO.Ora, o disposto no art. 5º, II, da CF/88 exige que a definição de uma infração somente pode ser feita pela Lei, em atenção ao Princípio da Legalidade.- Nesse sentido, precedente recente do Eg. STF, verbis:"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 5º, 8º, 10, 13, § 1º E 14 DA PORTARIA Nº 113, DE 25.09.97, DO IBAMA.- Normas por meio das quais a autarquia, sem lei que o autorizasse, instituiu taxa para registro de pessoas físicas e jurídicas no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de recursos ambientais, e estabeleceu sanções para hipótese de inobservância de requisitos impostos aos contribuintes, com ofensa ao princípio da legalidade estrita que disciplina, não apenas o direito de exigir tributo, mas também o direito de punir. Plausibilidade dos fundamentos do pedido, aliada à conveniência de pronta suspensão da eficácia dos dispositivos impugnados. Cautelar deferida." (STF, Tribunal Pleno, ADIMC nº 1.823-1/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 16.10.98:- Em seu voto, disse o ilustre Relator, verbis:"Desnecessário maior esforço interpretativo, para uma conclusão da plausibilidade da tese de que o IBAMA, ao inserir, na Portaria nº 113/87, os dispositivos impugnados na inicial. Exorbitou dos lindes a que estava confinado, para invadir a esfera de competência do legislador ordinário."É o que parece insofismável da circunstância de que, além de instituir taxa para remuneração dos serviços de registro de pessoas físicas e jurídicas no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Polidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais, sob sua administração, haver estabelecido sanções para hipóteses de inobservância de requisitos impostos aos contribuintes, tudo com ofensa ao princípio da legalidade estrita que disciplina não apenas o direito tributário, mas também o direito de punir.” (TFR 4ª Região. Apelação Cível nº 2004.70.00.040171-3. Relator Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Publicação: 28/06/2006.)
Apesar da doutrina
administrativista e das decisões dos Tribunais Pátrios a respeito da ofensa ao
Princípio da Legalidade pela instituição de infrações por meio de Portarias, em
20 de outubro de 2009, o Superior Tribunal de Justiça julgou em análise de
Recurso Repetitivo (Resp nº 1102578) em sentido contrário.
O entendimento da Ministra
Eliana Calmon parece alterar de sobremaneira a relevância do Princípio da
Legalidade para a atividade administrativa, destaca-se:
“Segundo a ministra, seria contraproducente exigir lei formal para discriminar todos os pormenores técnicos exigidos na busca do aprimoramento e da fiscalização da qualidade dos produtos e serviços colocados no mercado, quando a lei já prevê a obediência aos atos normativos e delimita as sanções possíveis.Para Eliana Calmon, essa sistemática normativa tem como objetivo maior o respeito à dignidade humana e a harmonia dos interesses envolvidos nas relações de consumo, dando aplicabilidade ao Código de Defesa do Consumidor e efetividade à chamada Teoria da Qualidade (dever legal do fornecedor de garantir padrões de qualidade e desempenho dos produtos e serviços que coloca no mercado).“Estão revestidas de legalidade as normas e respectivas infrações expedidas pelo Conmetro e Inmetro, com o objetivo de regulamentar a qualidade industrial e a conformidade de produtos colocados no mercado de consumo, seja porque estão esses órgãos dotados da competência legal atribuída pelas Leis n. 5.966/1973 e n. 9.933/1999, seja porque seus atos tratam de interesse público e agregam proteção aos consumidores finais”, concluiu a relatora. Seu voto foi acompanhado por unanimidade. “
Portanto, entendemos que
as empresas que possuam questionamentos devem ficar atentas quanto ao
provisionamento dos valores questionados, tendo em vista, inclusive, que a
Procuradoria do IPEM/INMETRO-MG já cancelou a possibilidade de pagamento dos
débitos inscritos em dívida ativa com o desconto de 20% que costumava conceder.
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