quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Limites à efetividade do acordo firmado entre particulares perante o PROCON

Juliana Mello Vieira

Advogada, Mestre em Ciências Juridico-Civilisticas  pela Universidade de Coimbra

*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 20 em 23/12/2009


O PROCON Municipal ou Programa de Proteção ao Consumidor em âmbito municipal, em alguns municípios estruturado como Órgão oficial de proteção ao consumidor, insere-se no Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC, preconizado pela lei consumerista (lei 8.078/90 – CDC), e exerce um papel protagonista na efetivação dos princípios e direitos consumeristas, seja operando como agente político na divulgação de dados e informações de interesse do consumidor, seja como agente fiscalizador atuando junto às empresas, com poder, inclusive, de aplicação de sanções administrativas, ou ainda no atendimento direto ao cidadão, orientando ou tratando reclamações individualizadas.
Na presente oportunidade, ateremo-nos tão somente às reclamações e sua efetividade para satisfação dos interesses do consumidor.

Percebemos que, a despeito da grande efetividade do PROCON em suas demais atividades, a reclamação ainda carece de uma maior estruturação. Fato é que o excesso de informalismo na atuação do referido Órgão/Programa para atender às demandas individualizadas pode ensejar certo grau de insegurança jurídica e quiçá impedir a efetivação de suas resoluções. Senão vejamos:

O PROCON, no âmbito da reclamação individualizada, exerce um papel meramente moderador, buscando insuflar a transação entre reclamante e reclamado, ou seja, uma solução conciliada para o conflito.

Uma vez celebrado o acordo perante o PROCON, órgão oficial integrante do executivo municipal, tem o consumidor uma justa expectativa de definitiva solução para seu conflito.

Contudo, o que se verifica na prática judiciária é a incerteza de um acordo celebrado sem as devidas cautelas que possam amparar o consumidor na hipótese de descumprimento por parte da empresa reclamada das obrigações pactuadas.

Isto porque, em homenagem à segurança jurídica e ao due process of law,  a normativa processual pátria é taxativa quanto aos documentos que possuem caráter executivo, os assim chamados “títulos executivos extrajudiciais”, que, por constituírem prova plena dos fatos que encerram, tornam descabida qualquer discussão sobre os mesmos, permitindo que os direitos neles constantes possam ser de imediato exigidos do devedor.

Assim, nos termos preconizados pelo artigo 585 do Código de Processo Civil, são títulos executivos extrajudiciais: escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor, documentos particulares assinados pelo devedor e duas testemunhas, instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores (inciso II) ou todos os títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva (inciso VIII).

Considerando que não há lei que preveja a força executiva do termo de acordo celebrado perante o PROCON, e, por outro lado, confrontando os incisos do artigo 585 e a configuração do termo de acordo celebrado, vislumbramos duas possibilidades de adequação: caso pudéssemos entender o termo como documento público ou caso o termo de acordo tenha apostas as assinaturas de duas testemunhas, na qualidade de documento particular.

Observando o tratamento dado pela lei civil e processual civil aos documentos públicos, percebemos que para tal o documento deve emanar de um órgão oficial, e registrar fatos realizados perante funcionário público ou a quem se atribua fé pública ( ex vi artigos 364 e 367 do CPC).

Os coordenadores das unidades PROCON são, por norma, funcionários públicos municipais e, em regra, apõem sua assinatura em todos os termos firmados perante o mesmo. Contudo, na esteira do informalismo que permeia a atuação do Órgão, não se pode aferir com  absoluta certeza o atendimento de tais formalidades, o que finda por limitar os termos firmados à natureza jurídica de documento particular.

Assim que, recentemente, após algumas recusas do Poder Judiciário em conferir executividade aos termos de acordo firmados perante o PROCON Municipal, algumas unidades do Programa passaram a adotar por procedimento a cautela de apor a assinatura de duas testemunhas em seus termos, possibilitando, assim, a executividade dos termos pactuados.

Lado outro, encontra-se em tramitação perante a Câmara dos Deputados projeto de lei nº 5327/2009, proposto pelo deputado federal Paulo Roberto, atualmente aguardando parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, sendo objeto do mesmo conferir força executiva ao termo de acordo celebrado perante os órgãos de defesa do consumidor. Propõe-se a alteração da lei 8.078/90 para inclusão do artigo 82-A, com o seguinte texto: “As decisões dos órgãos de defesa do consumidor, e os acordos por eles intermediados, valerão como título executivo extrajudicial”.

Trata-se de excelente iniciativa para o fortalecimento dos órgãos de controle e defesa dos consumidores e, portanto, de efetivação dos interesses e direitos destes últimos.

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