sexta-feira, 27 de março de 2015

Títulos de Crédito Virtuais: Uma análise do princípio da cartularidade e dos créditos eletrônicos.

Ibsen Guedes da Cunha Júnior
Advogado associado, graduado em Direito pela UFMG e em Relações Internacionais pela PUC/MG
*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 47 em 07/03/2013

A definição mais célebre sobre títulos de crédito foi criada por Cesare Vivante: Título de Crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado”.

Pelo conceito apresentado pelo renomado autor italiano depreende-se que são princípios inerentes aos títulos de crédito: cartularidade, literalidade e autonomia.


Há muito estas características eram apontadas pela doutrina como indispensáveis para a existência de um título de crédito. Cumpre brevemente explicar cada uma dela.

Sobre o conceito de literalidade e de autonomia Rubens Requião leciona:

Literalidade: O título é literal porque sua existência se regula pelo teor de seu conteúdo. O título de crédito se enuncia em um escrito, e somente o que está nele inserido se leva em consideração; uma obrigação que dele não conste, embora sendo expressa em documento separado, nele não se integra.
Autonomia: Diz-se que o título de crédito é autônomo (não em relação a sua causa como às vezes se tem explicado), mas, segundo Vivante, porque o possuidor de boa fé exercita um direito próprio, que não pode ser restringido ou destruído em virtude das relações existentes entre os anteriores possuidores e o devedor. Cada obrigação que deriva do título é autônoma em relação as demais. (REQUIÃO, 2011,p. 292)

Já sobre o conceito de cartularidade, Fabio Ulhoa (2011) observa que o exercício dos direitos representados por um título de crédito pressupõe a posse do documento físico. Dessa forma, somente aquele que apresenta a cártula pode pretender a satisfação de um direito nele mencionado.

O autor disserta ainda que a observância deste princípio é uma forma de garantir a segurança jurídica do devedor e do credor, pois garante que o sujeito que postula a satisfação do direito é mesmo o seu titular, uma vez que detém a posse do título.

Em relação a o princípio da cartularidade, em que pese a relevância do conceito apresentado por Vivante, este deve ser relativizado diante dos avanços da informática. Assim, é possível abrir espaço as novas relações comerciais e possibilitar uma maior circulação do crédito, o que, afinal, é o propósito dos títulos de crédito.

Deve-se salientar que o direito é dinâmico e existe para suprir as necessidades da sociedade atual. Assim, cabe aos legisladores e julgadores acompanharem os avanços tecnológicos e promover as devidas modificações nas normas e interpretações dos institutos da disciplina dos títulos de crédito.

A inexistência de cártula ou a desmaterialização dos títulos de crédito não prejudicam de forma alguma a segurança indispensável a estes, pois tanto a literalidade, como também a autonomia devem ser mantidas e reforçadas também no meio eletrônico.

Os avanços da informática e o acesso à internet transformaram profundamente os títulos de crédito. O princípio da cartularidade tem sido relativizado, consolidando uma prática comercial moderna, que necessita da agilidade e acessibilidade proporcionada pelo mundo virtual.

O legislador brasileiro, ciente dessa alteração no cenário comercial, regulamentou os denominados títulos virtuais na Lei 9.492/97, que permite em seu artigo 8º as indicações a protesto “das  Duplicatas  Mercantis  e  de Prestação  de  Serviços,  por  meio  magnético  ou  de  gravação  eletrônica  de  dados”.

Na jurisprudência brasileira também já é possível encontrar esse entendimento, como se observa no Recurso Especial nº 1.024.691/PR, em voto de lavra da Min. Nancy Andrighi:

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DUPLICATA VIRTUAL. PROTESTO POR INDICAÇÃO. BOLETO BANCÁRIO ACOMPANHADO DO COMPROVANTE       DE       RECEBIMENTO       DAS MERCADORIAS.  DESNECESSIDADE DE EXIBIÇÃO JUDICIAL DO TÍTULO DE CRÉDITO ORIGINAL. 1. As duplicatas virtuais – emitidas e recebidas por meio magnético ou de gravação eletrônica – podem ser protestadas por mera indicação, de modo  que a exibição do título não é imprescindível para o ajuizamento da execução judicial. Lei 9.492/97. 2.  Os boletos de cobrança bancária vinculados  ao  título   virtual,   devidamente acompanhados  dos  instrumentos  de  protesto  por  indicação  e  dos  comprovantes  de entrega  da  mercadoria  ou  da  prestação  dos  serviços,  suprem  a  ausência  física  do título cambiário eletrônico e constituem, em princípio, títulos executivos extrajudiciais. 3. Recurso especial a que se nega provimento.
(Recurso Especial n° 1.024.691/PR. 3ª Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi. DJ: 12.04.2011)

Para Ulhoa o próprio conceito de título de crédito apresentado por Vivante encontra-se defasado devendo ser substituído por “documento, cartular ou eletrônico, que contempla a cláusula cambial, pela qual os coobrigados expressam a concordância com a circulação do crédito nele mencionado de modo literal e autônomo”.

Não há como negar o papel da tecnologia em nosso cotidiano. Este fato somado a relevância das relações cambiárias, demonstra claramente que o ordenamento jurídico não pode ignorar aos avanços na área da informática, devendo buscar meios de se adaptar e superar meios obsoletos, para que continue exercendo o importante papel de proteção do Direito Cambiário.

Nesse cenário, a partir do momento que a sociedade se transforma com o advento de novos meio de comunicação e tecnologias, os meios ultrapassados e instrumentos de pouca utilidade prática devem ser também superados, desde que garantida a segurança jurídica.

Dessa forma, deve ocorrer uma adaptação não apenas no texto legal, como já ocorreu no caso das duplicatas mercantis, como também na evolução dos princípios do direito empresarial e do entendimento jurisprudencial em prol de uma maior modernização do direito.

Referência Bibliográfica
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.024.691/PR. 3ª Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi. 2011.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. V.1. São Paulo: Saraiva, 15 ed., 2011
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercia. V.2. São Paulo: Saraiva. 28 ed. 2011.

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