sexta-feira, 27 de março de 2015

DUMPING SOCIAL – Uma nova preocupação empresarial

Simone Oliveira Rocha

Sócia do Escritório Homero Costa Advogados, MBA em Gestão Estratégica de Empresas pela FUMEC

Breno Guedes Faria Lima

Estagiário do Escritório Homero Costa Advogados
*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 43 em 31/07/2012

O custo do trabalho na atividade econômica é uma das grandes preocupações empresariais.
Segundo cálculos apresentados pela Confederação Nacional da Indústria, os custos relacionados aos empregados têm um impacto de 20% a 50% nos gastos com a produção¹.


Estudos realizados pela Fundação Getúlio Vargas indicam que, caso sejam contabilizados os gastos com obrigações acessórias e benefícios negociados, além dos salários e encargos, o custo de um trabalhador pode atingir até 2,83 vezes o salário².

Neste cenário, os empregadores são obrigados buscar meios efetivos de redução do custo do trabalho para  manter a sua competitividade no mercado, motivo pelo qual tem crescido o número de terceirizações e de mudança dos estabelecimentos empresariais para regiões onde a mão de custo de obra é mais barata.
Entretanto, estas medidas, antes de tomadas, devem ser profundamente analisadas, mapeando-se não apenas os riscos usuais e inerentes de tais mudanças, mas também uma nova teoria que tem se popularizado nos tribunais, o chamado dumping social.

O termo dumping é utilizado para definir a diminuição excessiva do preço de produtos ou serviços destinados à exportação com o objetivo de eliminar a concorrência e aumentar as quotas de mercado. Assim, ocorre quando empresas vendem os seus produtos no mercado externo a um preço extremamente baixo, muitas vezes inferior ao próprio custo de produção, para conquistar o mercado (eliminando concorrentes) e, posteriormente, praticar um preço mais alto que possa compensar a perda inicial.

A Lei n. 12.529/2011 (Nova Lei Antitruste) aborda o tema no inciso XV do § 3º de seu art. 36:


“Art. 36.  Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
(...)
§ 3o  As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:
(...)
XV - vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo;”

No campo do Direito do Trabalho, tem sido adotado o termo dumping social quando os preços baixos das mercadorias resultam do desrespeito aos direitos mínimos dos trabalhadores internacionalmente reconhecidos.

O Enunciado n. 4. da  ANAMATRA (Associação Nacional do Magistrados da Justiça do Trabalho), publicado na  1ª Jornada de Direito Material e Processual, em 2007, prevê:


4. "DUMPING SOCIAL". DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido "dumping social", motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, "d", e 832, § 1º, da CLT.

Desta forma, baseados no Enunciado acima transcrito e, ainda, seguindo tese aprovada no CONGRESSO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO, um crescente número de magistrados tem aplicado, até mesmo de ofício (sem que haja pedido neste sentido), sanções a empresas que desrespeitam as leis trabalhistas.

Há o entendimento de que a fixação de indenização por prática de dumping social, além de punitiva, tem caráter pedagógico, ou seja: desestimula as empregadoras a lançar mão de tal prática para fins de minorar seus custos, aumentar o lucro e derrotar os concorrentes.

Confira algumas decisões:


DANO SOCIAL. DUMPING SOCIAL. ATO ILÍCITO. INDENIZAÇÃO. Se da prova dos autos apura-se a ocorrência de dano decorrente do descumprimento reiterado de regras de cunho social (tais como as trabalhistas), gerando prejuízo à sociedade dumping social, é devida a respectiva indenização por ato ilícito praticado pela empresa. (TRT 18ª R.; RO 1639-54.2010.5.18.0009; Primeira Turma; Rel. Des. Gentil Pio de Oliveira; DJEGO 02/07/2012; Pág. 28)

DANO SOCIAL (DUMPING SOCIAL). IDENTIFICAÇÃO. DESRESPEITO DELIBERADO E REITERADO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. REPARAÇÃO. INDENIZAÇÃO EX OFFICIO EM RECLAMAÇÕES INDIVIDUAIS. Importa compreender que os direitos sociais são o fruto do compromisso firmado pela humanidade para que se pudesse produzir, concretamente, justiça social dentro de uma sociedade capitalista. Esse compromisso, fixado em torno da eficácia dos direitos sociais, se institucionalizou em diversos documentos internacionais nos períodos pós-guerra, representando, também, um pacto para a preservação da paz mundial. Esse capitalismo socialmente responsável perfaz-se tanto na perspectiva da produção de bens e oferecimento de serviços quanto na ótica do consumo, como faces da mesma moeda. Deve pautar-se, também, por um sentido ético, na medida em que o desrespeito às normas de caráter social traz para o agressor uma vantagem econômica frente aos seus concorrentes, mas que, ao final, conduz todos ao grande risco da instabilidade social. As agressões ao direito do trabalho acabam atingindo uma grande quantidade de pessoas, sendo que destas agressões o empregador muitas vezes se vale para obter vantagem na concorrência econômica com relação a vários outros empregadores. Isto implica dano a outros empregadores não identificados que, inadvertidamente, cumprem a legislação trabalhista, ou que, de certo modo, se vêem forçados a agir da mesma forma. Resultado: Precarização completa das relações sociais, que se baseiam na lógica do capitalismo de produção. O desrespeito deliberado, inescusável e reiterado da ordem jurídica trabalhista, portanto, representa inegável dano à sociedade. Óbvio que esta prática traduz-se como dumping social, que prejudica a toda a sociedade e óbvio, igualmente, que o aparato judiciário não será nunca suficiente para dar vazão às inúmeras demandas em que se busca, meramente, a recomposição da ordem jurídica na perspectiva individual, o que representa um desestímulo para o acesso à justiça e um incentivo ao descumprimento da ordem jurídica. Assim, nas reclamações trabalhistas em que tais condutas forem constatadas (agressões reincidentes ou ação deliberada, consciente e economicamente inescusável de não respeitar a ordem jurídica trabalhista), tais como: Salários em atraso; salários por fora; trabalho em horas extras de forma habitual, sem anotação de cartão de ponto de forma fidedigna e o pagamento correspondente; não recolhimento de FGTS; não pagamento das verbas rescisórias; ausência de anotação da CTPS (muitas vezes com utilização fraudulenta de terceirização, cooperativas de trabalho, estagiários, temporários, pejotização etc. ); não concessão de férias; não concessão de intervalo para refeição e descanso; trabalho em condições insalubres ou perigosas, sem eliminação concreta dos riscos à saúde etc. , deve-se proferir condenação que vise a reparação específica pertinente ao dano social perpetrado, fixada ex officio pelo juiz da causa, pois a perspectiva não é a da mera proteção do patrimônio individual, sendo inegável, na sistemática processual ligada à eficácia dos direitos sociais, a extensão dos poderes do juiz, mesmo nas lides individuais, para punir o dano social identificado. (TRT 15ª R.; RO 0049300-51.2009.5.15.0137; Ac. 29995/2012; Sexta Turma; Rel. Des. Jorge Luiz Souto Maior; DEJTSP 27/04/2012; Pág. 951)

Neste cenário, o verdadeiro desafio para o empregador é reduzir os custos com a mão de obra sem aumentar o passivo trabalhista, mapeando e diagnosticando os riscos decorrentes de cada decisão empresarial.
__________
¹ Fórum Exame CNI: Trabalho e competitividade, desafios para o Brasil ,in Exame, Ed. 1018, ano 46, n. 11,  13/06/12, p. 158/159.
² Fórum Exame CNI: Trabalho e competitividade, desafios para o Brasil ,in Exame, Ed. 1018, ano 46, n. 11,  13/06/12, p. 158/159.

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