Hassan Magid de Castro Souki
Advogado Associado do Escritório Homero Costa Advogados, Mestre em Direito pela PUC/MG
*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 45 em 08/11/2012
O crime de apropriação indébita previdenciária está previsto no artigo 168-A do Código Penal, punindo o não repasse de valores descontados dos contribuintes ao órgão previdenciário no prazo previsto em lei. Assim, trata-se de crime omissivo, pois se configura com a inércia voluntária do responsável pelo repasse das contribuições recolhidas dos empregados à Previdência Social.
O art. 168-A traz uma norma penal em branco, vez que, muito embora faça a previsão da sanção penal, necessita da complementação quanto à descrição da conduta, o que fica a cargo de outra norma. Realmente, tal artigo pune o não recolhimento da contribuição previdenciária dentro de certos prazos, sendo estes estabelecidos na Lei nº 8.212/91.
No que tange à empresa, dispõe o art. 30 da Lei nº 8.212/91 que o prazo para o recolhimento dos valores descontados da remuneração dos segurados empregados e trabalhadores avulsos a seu serviço deverá ser feito até o dia 20 (vinte) do mês subseqüente ao da competência.
Tem-se, então, que o delito de apropriação indébita previdenciária se consuma (efetiva) na data do término do prazo, convencional ou legal, do recolhimento ou repasse das contribuições devidas, ou, ainda, do pagamento do benefício devido ao segurado e, somente, nesse momento, poderá haver a responsabilização criminal do responsável pelo não recolhimento.
Questão relevante diz respeito à eventual responsabilidade criminal pelo não recolhimento das contribuições descontadas dos funcionários em virtude de dificuldades financeiras da empresa.
Importante ressaltar que, para a realização do crime de apropriação indébita previdenciária, necessário se faz que haja a disponibilidade real da importância bruta para o pagamento do salário do empregado, do qual deveria ser retirado a contribuição para os cofres da Previdência Social. Ou seja, se o empregador, na verdade, somente dispõe do líquido a ser entregue ao empregado, não contando com o restante que foi contabilizado apenas para a apuração do líquido e determinação da quantia a ser descontada para repasse futuro, não há que se falar em crime.
Realmente, neste caso, não se pode exigir do empregador comportamento diferente do por ele praticado, já que o não recolhimento se deu por absoluta impossibilidade financeira. Trata-se de situação imperiosa na qual o empregador deverá escolher, dentro da necessária razoabilidade, entre sacrificar o salário de seus funcionários ou a contribuição previdenciária, colocando em risco o próprio exercício da atividade empresarial. Assim, a conduta do empregador não pode ser objeto de censura pelo Direito Penal, o que não obsta, contudo, a atuação dos demais ramos do direito para garantir o repasse dos valores devidos à Previdência Social.
Deve-se salientar que os Tribunais Pátrios, de regra, vêm aceitando a tese da exclusão da culpabilidade do agente por inexigibilidade de conduta diversa, todavia, apenas nos casos onde resta demonstrada que a pessoa jurídica ou empregador vinha passando por dificuldades financeiras incontornáveis, como, por exemplo, nos casos onde há pedido de falência ou concordata da empresa.
Os seguintes julgados demonstram a necessidade de prova cabal da incapacidade financeira para a realização dos recolhimentos devidos, senão veja-se:
“PENAL. ART 168-A CP. DIFICULDADES FINANCEIRAS. CAUSA SUPRALEGAL. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE E TIPICIDADE. COMPROVAÇÃO. INSUFICIÊNCIA. CONDENAÇÃO. 1. Dificuldades financeiras insuficientemente demonstradas obstam o reconhecimento de causa supralegal excludente de culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa, ou tipicidade, por estado de necessidade, em analogia in bonam partem, excepcionalmente admitida no Juízo penal em crimes de apropriação indébita previdenciária. 2. Apelação provida”. (TRF1 – ACR 2005.38.02.000264-7/MG – 3ª Turma – Rel. Des. Federal Tourinho Neto – Publ. DJF1, p. 291 de 30/03/2012).
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A DO CPB. PARCELAMENTO. NÃO COMPROVADO. DOLO ESPECÍFICO. DESNECESSIDADE. DIFICULDADES FINANCEIRAS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. NECESSIDADE DE PROVA. DOSIMETRIA DA PENA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. APLICAÇÃO. REDUÇÃO DE PENA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Não há que se falar em suspensão da pretensão punitiva, já que o parcelamento ocorreu somente em parte do débito.
2. O crime de apropriação indébita previdenciária é crime omissivo puro, não sendo necessário, portanto, o dolo específico para a consumação do delito. Precedente.
3. Meras alegações sobre a dificuldade financeira da empresa não têm o condão de excluir a configuração do crime de apropriação indébita previdenciária, em razão de excludente supra legal de inexigibilidade de conduta diversa.
4. Incidência da atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, "d", do CPB, uma vez que os réus confessaram a prática do crime.
5. Apelação parcialmente provida para reduzir as penas dos réus”. (TRF1 – ACR 2007.38.13.005812-2/MG – 3ª Turma – Rel. Des. Federal Carlos Olavo – Publ. DJF1, p. 502 de 16/03/2012).
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A DO CPB. DOLO ESPECÍFICO. DESNECESSIDADE. DIFICULDADES FINANCEIRAS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. NECESSIDADE DE PROVA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DEMONSTRADO. DOSIMETRIA DA PENA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. O crime de apropriação indébita previdenciária é crime omissivo puro, não sendo necessário, portanto, o dolo específico para a consumação do delito. Precedente.
2. Meras alegações sobre a dificuldade financeira da empresa não têm o condão de excluir a configuração do crime de apropriação indébita previdenciária, em razão de excludente supra legal de inexigibilidade de conduta diversa.
3. Não há que se falar em violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa, haja vista que o acusado foi ouvido perante a autoridade policial e perante o juízo de primeiro grau, apresentando defesa prévia e alegações finais de forma regular. 4. Incidência da atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, "d", do CPB, uma vez que o réu afirmou serem verdadeiros os fatos constantes da denúncia.
5. Apelação parcialmente provida para reduzir a pena do réu.” (TRF1 – ACR 0000506-44.2006.4.01.3801/MG – 3ª Turma – Rel. Des. Federal Carlos Olavo – Publ. DJF1, p. 177 de 17/02/2012).
Tendo em vista a exigência anteriormente demonstrada, pode-se comprovar a dificuldade financeira do empregador através de perícia contábil, que revelará nos autos do processo penal a impossibilidade financeira para a efetuação dos recolhimentos devidos e, consequentemente, a inexigibilidade de outra conduta por parte daquele.
Pode-se concluir, então, que o crime de apropriação indébita previdenciária depende, para sua caracterização, que o inadimplemento seja voluntário e inescusável, resultando da escolha do empregador que, podendo realizar o recolhimento das contribuições previdenciárias, opta por não fazê-lo.
Assim, havendo provas que demonstrem a existência de incontornável dificuldade financeira, não poderá ser reconhecida a existência do delito previsto no art. 168-A do Código Penal, vez que ausente a culpabilidade do agente tendo em vista a inexigibilidade de conduta diversa, já que não se pode exigir do empregador o repasse de uma quantia que ele não possui.
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