quinta-feira, 26 de março de 2015

A Possibilidade de Aplicação do Instituto do “Punitive Damages” no Direito Brasileiro


Camilla Casami de Oliveira
Sócia do Escritório Homero Costa Advogados
Lívia Zuquim Vilela
Advogada Associada do Escritório Homero Costa Advogados
*publicado originalmente no Boletim Jurídico N.º 42 em 27/06/2012


Originário do direito anglo-saxão, o instituto do “puntive damages”, também conhecido como “exemplary damages”, “smart money”, “vindictive damages” ou ainda indenização punitiva representa a indenização monetária paga ao autor de uma ação indenizatória em quantia muito superior ao valor do dano efetivamente causado. Isso se dá devido a dupla finalidade deste instituto, qual seja, a punição ao autor do dano causado e a prevenção para que isto não volte a repetir, uma vez que a pena pecuniária é um eficiente fator de desestímulo.


Dessa maneira, o instituto do “punitive damages” vai contra a ideia dos danos compensatórios, que consiste no pagamento de indenização que seja compatível ao dano efetivamente causado e o restabelecimento do estado anterior ao dano, principal característica da responsabilidade civil.

O “Statue of Concester”foi a primeira previsão de indenização múltipla ocorrida no direito anglo-saxônico, mais precisamente na Inglaterra, no ano de 1278.

Nos Estados Unidos, a fixação da indenização é feita, via de regra, pelo júri, devido à grande importância que ele exerce nas decisões de questões relevantes. Porém, com a frequente ocorrência de abusos na fixação dos “punitives damages”recebendo inclusive a denominação de “indústria das indenizações milionárias”, a Suprema Corte Americana fixou parâmetros para a condenação das indenizações a partir da decisão proferida no caso BMW of North America, Inc v. Gore, onde ficou demonstrada a desproporcionalidade da pena fixada.

Foram então fixadas três diretrizes para que, a partir de então, sejam seguidas em casos futuros. São elas: (i) o grau de reprovabilidade da conduta do autor do dano; (ii) a realização de uma comparação entre o dano efetivo ou potencial sofrido pela vítima e a condenação e (iii) a realização de uma comparação entre a condenação fixada pelo júri e as multas civis autorizadas ou impostas em casos semelhantes.

No direito brasileiro, a maior discussão acerca deste instituto é justamente o fato de tal instituto extrapolar a esfera cível trazendo para a responsabilidade civil o papel de punir, que cabe ao juízo penal, introduzindo assim a “pena privada” e trazendo a tona o debate sobre a possibilidade do caráter sancionador e dissuasório da responsabilidade civil.

Sobre a retomada da pena privada, Paolo Gallo elenca quatro hipóteses que poderiam ser sancionadas com a pena privada, no direito atual, são elas: (i) casos de responsabilidade civil sem dano de natureza econômica que seja percebido imediatamente; (ii) casos em que o lucro obtido pelo ocorrência do dano seja superior ao próprio dano; (iii) casos em que a probabilidade de condenação para ressarcimento do dano causado seja inferior à própria probabilidade de causar o dano e (iv) os crimes de bagatela.

A legislação brasileira prevê a responsabilidade civil, em título próprio no Código Civil, a partir do artigo 927 e no Código de Defesa do Consumidor, de maneira ampla.

A jurisprudência admite a cumulação de danos patrimoniais e danos extrapatrimoniais, fazendo inclusive uma distinção entre as espécies de danos extrapatrimoniais. Admite-se, ainda, a possibilidade de indenização por dano moral às pessoas jurídicas.

No atual sistema brasileiro de reparação ao dano extrapatrimonial foi feita uma “adaptação” para aplicar, de forma diferenciada, o instituto dos “punitive damages”. Há, na doutrina e jurisprudência, três correntes sobre a função da indenização do dano extrapatrimonial (moral), são elas: (i) compensação e/ou satisfação do ofendido; (ii) punição do causador do dano e; (iii) a chamada teoria mista que é justamente a cumulação dos anteriores.

Dessa forma, a condenação à danos morais deve ser pautada na razoabilidade evitando, dessa maneira, o enriquecimento ilícito. Deve-se pautar ainda, em três critérios: o grau de culpa e a condição econômica do causador do dano e o enriquecimento aferido através do dano causado. 

Para que haja um equilíbrio e que se evite o enriquecimento ilícito surgiu ainda o princípio da prevenção, utilizado principalmente no direito ambiental. De acordo com este princípio a indenização paga é destinada a um fundo público, que cuida dos interesses da sociedade.

O instituto busca a proteção não só aos direitos fundamentais individuais, de caráter subjetivo, mas também do interesse geral da sociedade, uma vez que institui uma ordem objetiva de valores fundamentais.
Esta teoria concede, portanto, função social à responsabilidade civil e torna sua aplicação bastante atraente, pois está provado que as indenizações de baixo valor pagas pelas grandes empresas, como é o caso de ofensa a direito ambiental ou do consumidor, não as afetam e não evita a reincidência dos atos causadores dos danos haja vista que, a partir de um raciocínio de custo/benefício, torna-se mais vantajoso causar o dano e arcar com seu respectivo custo. Dessa maneira, as elevadas quantias impostas pela condenação, afetam o custo/benefício da prática de condutas lesivas.

Assim, a indenização vai além daquela pleiteada pelo autor da ação, de caráter compensatório, e visa inibir a reiteração da conduta lesiva que outrora gerou o dano extrapatrimonial, servindo de exemplo a toda a sociedade.

No entanto, vale ressaltar que o critério do “punitive damages” pode esbarrar em questões processuais que barrariam sua aplicação no direito brasileiro à medida que não há previsão legal para aplicação desta teoria no direito brasileiro. O princípio da legalidade das penas veda a determinação de qualquer punição sem lei anterior que a institua. Além disso, constitui preceito fundamental o de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Pensando de maneira procedimental e calcado na estrita legalidade, só se poderia adotar o critério das “punitive damages” no Brasil se houvesse lei que o regulamentasse, estabelecendo parâmetros para a indenização e a reversão desta para o Estado, o que não ocorre.

Porém, com o fenômeno da jurisprudencialização, verificamos possibilidade de aplicação do mencionado instituto a partir do momento que decisões fundamentadas com a aplicação deste passarem a ocorrer de maneira mais frequente.

Para finalizar, verifica-se na ementa abaixo que até mesmo o STF já utilizou o instituto para justificar a decisão, no AI 455846/RJ, de uma indenização imposta:


EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO.  ELEMENTOS ESTRUTURAIS. PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. FATO DANOSO PARA O OFENDIDO, RESULTANTE DE ATUAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO NO DESEMPENHO DE ATIVIDADE MÉDICA. PROCEDIMENTO EXECUTADO EM HOSPITAL PÚBLICO. DANO MORAL. RESSARCIBILIDADE. DUPLA FUNÇÃO DA INDENIZAÇÃO CIVIL POR DANO MORAL (REPARAÇÃO-SANÇÃO): (a) CARÁTER PUNITIVO OU INIBITÓRIO ("EXEMPLARY OR PUNITIVE DAMAGES") E (b) NATUREZA COMPENSATÓRIA OU REPARATÓRIA. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO

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